Manifestações inadequadas de autoridades em redes sociais têm levado Exército, Ministério Público (MP) e Judiciário a discutir regras sobre o que pode ser publicado na internet. Há casos que geram polêmica e motivam a abertura de processos disciplinares, como os que o coordenador da Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnon, responde no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
No dia 3 de dezembro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) puniu o juiz Glaucenir de Oliveira, da Vara Criminal de Campos dos Goytacazes (RJ), que, em um grupo de WhatsApp, sugeriu que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes teria recebido dinheiro para soltar o ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho (sem partido).
Uma portaria do Exército, de 1 de julho deste ano, liberou a criação de perfis pessoais, desde que respeitadas as leis e normas que regem a conduta dos militares. Mas, com a justificativa de preservar a imagem da instituição, também trouxe uma proibição que desagradou parte dos integrantes das Forças Armadas. Com exceção dos generais, os militares não podem informar suas patentes nas redes sociais, o que pode afetar o interesse dos que querem entrar na política e se lançam candidatos com nomes que trazem palavras como "soldado", "sargento" e "capitão".
O CNJ e o CNMP têm propostas sobre o tema que ainda não foram aprovadas, mas que já enfrentam oposição porque, segundo seus críticos, podem ser uma ameaça à liberdade de expressão. Independentemente disso, a ausência de uma regulamentação específica não vem impedindo a abertura de procedimentos administrativos, porque já há outras normas que podem ser aplicadas pontualmente.
No CNJ, a proposta em discussão deixa de fora apenas os representantes de entidades e associações de classe no exercício de seus mandatos. Segundo o texto, os juízes não podem, entre outras coisas, se engajar em atividade político-partidária, espalhar fake news, receber dinheiro para postagens, fazer "populismo judiciário ou anseio de corresponder à opinião pública", nem se manifestar sobre processo ainda não julgado, mesmo que sob a batuta de outro magistrado. A proposta também recomenda que o juiz oriente familiares sobre os riscos do uso das redes sociais que possam afetar o exercício do cargo.
A medida é defendida pelo presidente do CNJ e do Supremo, ministro Dias Toffoli, mas enfrenta oposição de setores do Judiciário. A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), por exemplo, defendeu ser desnecessário regulamentar o tema. Isso porque já haveria normas suficientes tratando das manifestações em geral dos magistrados, que poderiam ser aplicadas caso a caso, se preciso.
"Nós, enquanto instituições, temos que ter os nossos parâmetros de conduta. Isso não significa mordaça. Isso não significa censura. Isso significa a defesa das nossas carreiras. Isso significa a defesa das nossas instituições. Os juízes não podem ter desejo. O seu desejo é cumprir a Constituição e as leis. Se ele tiver desejos, que saia da magistratura e vá ser candidato para poder estar no Parlamento querendo exatamente trabalhar no sentido de melhorar o País e trazer novidade", disse Toffoli em maio deste ano.
O projeto de regulação do CNMP, preparado pelo conselheiro Valter Shuenquener, diz que o integrante do Ministério Público pode se manifestar sobre uma investigação por ele conduzida, com algumas ressalvas: não deve comentar os casos em sigilo e evitar excessos, como expressar posições de conotação política ou que demonstrem desrespeito a outras autoridades. Atualmente em vigor, há apenas uma recomendação que veda ataques de cunho pessoal e diz que a liberdade de expressão não pode ser usada como desculpa para se engajar em atividade político-partidária.
O professor do Departamento de Administração da Universidade de Brasília (UnB) Jorge Fernando Valente de Pinho, especialista em recursos humanos, estratégia organizacional e marketing, entende não ser necessário uma lei - que precisa ser aprovada pelo Congresso - para disciplinar as manifestações de servidores. Mas diz ser possível a edição de normas administrativas para tratar da questão, desde que elas não firam a liberdade de expressão e opinião, e se limitem a condutas consideradas desrespeitosas e ofensivas.
"Manifestar-se em uma rede social é um direito, desde que faça em termos respeitosos, desde que não calunie, não incite a violência, não faça coisas que possam ser consideradas procedimentos ilícitos", afirmou Pinho.
Tanto ele como o advogado Marcio Pestana, professor de Direito Administrativo na Fundação Armando Alvares Penteado (Faap), entendem que as regras devem ser diferenciadas para algumas categorias, como juízes e integrantes do MP.
"Por vezes, temos observado algumas manifestações de agentes do Ministério Público, ou mesmo da magistratura, que ultrapassam os limites funcionais do seu exercício", ressaltou Pestana. E acrescentou: "Não vejo necessidade de ter nada mais específico (para outras categorias de servidores públicos)".
Pestana também chamou a atenção para a necessidade de conscientizar as pessoas sobre o uso das redes sociais. Uma pesquisa divulgada em 30 de novembro pelo CNJ, em que foram ouvidos 3.519 juízes, cerca de um quinto da magistratura brasileira, 78,5% afirmaram não ter recebido treinamento sobre como usá-las. A maioria também afirmou restringir seus perfis a amigos e familiares. De acordo com o levantamento, 97,6% usam as redes sociais para fins pessoais e 48,4%, para fins profissionais. Além disso, 80,6% não se identificam como juízes e 13,8% dizem que trabalham em um tribunal.