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Informações Falsas

- Publicada em 10 de Dezembro de 2019 às 03:00

A repercussão legal da mentira

Primeiro ano do governo Bolsonaro ficou marcado por declarações controversas

Primeiro ano do governo Bolsonaro ficou marcado por declarações controversas


NÍCOLAS CHIDEM/EDITORIAL J/DIVULGAÇÃO/JC
Na última semana de novembro, uma transmissão ao vivo nas redes sociais do presidente Jair Bolsonaro movimentou a internet por alguns instantes. Na ocasião, ele acusou, sem apresentar provas, o ator norte-americano Leonardo DiCaprio e a ONG World Wide Fund for Nature - Brasil (WWF) de financiarem as queimadas na Amazônia, que tomaram proporções alarmantes neste ano.
Na última semana de novembro, uma transmissão ao vivo nas redes sociais do presidente Jair Bolsonaro movimentou a internet por alguns instantes. Na ocasião, ele acusou, sem apresentar provas, o ator norte-americano Leonardo DiCaprio e a ONG World Wide Fund for Nature - Brasil (WWF) de financiarem as queimadas na Amazônia, que tomaram proporções alarmantes neste ano.
Após a acusação ter gerado polêmica dentro e fora do Brasil, o ator e ativista se manifestou afirmando não ter doado dinheiro para as ONGs. Também na semana passada, o ministro da Educação
Abraham Weintraub foi convidado pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições de Ensino Superior para explicar sua acusação de que as universidades federais possuem plantações de maconha.
Ambas as situações fazem parte de um quadro que está se tornando muito comum: o de declarações falsas. Pesquisa do Datafolha, divulgada no dia 7 de dezembro, indica que, de 2.948 entrevistados em 176 municípios brasileiros, 43% nunca confiam em afirmações de Bolsonaro, enquanto 37% disseram confiar às vezes. Segundo a agência de checagem de informações Aos Fatos, o presidente fez mais de 520 declarações falsas ou distorcidas desde 1 de janeiro deste ano.
Diante de afirmações sem provas, estão previstos judicialmente pelo Direito brasileiro, no Código Penal, três crimes contra a honra: calúnia, difamação e injúria. O primeiro consiste em acusar alguém publicamente de um crime. O segundo, por sua vez, representa o ato de disseminar inverdades acerca de uma pessoa. Já o terceiro acontece quando uma pessoa desonra, ofende e prejudica outra diretamente. Nesses casos, por ser uma ação personalíssima, cabe ao ofendido recorrer à Justiça.
Para a advogada criminalista especialista em Crimes Eletrônicos e Crimes Econômicos Carla Rahal Benedetti, no caso da acusação do envolvimento do Leonardo DiCaprio, o presidente poderia responder por calúnia. "Ele não tem a isenção e a total imunidade em relação a isso. Se ele publicizar essa acusação, tem até aumento de pena. Porque ele está passando para a frente e continua divulgando a informação", explica.
Já para o advogado constitucional e Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político Cristiano Vilela, acusações como essas se encaixam na Lei de Improbidade Administrativa. "Situações como essa acabam adquirindo um outro fator, que é a dimensão do poder público. Justamente uma coisa como essa acaba atentando contra os deveres de probidade do exercício da coisa pública. Quando um agente público pratica um ato desses, ele está praticando uma irregularidade, seja no sentido de ferir os princípios da administração pública, seja no sentido de contradizer o próprio interesse do Estado. Até porque a verdade é um dos interesses do Estado."
Segundo a Lei nº 8.429/1992, a improbidade pode ser manifestada em três ações diferentes: enriquecimento ilícito, atos que causem prejuízo ao erário e atos que violem os princípios da administração pública. A terceira ação, na qual se encaixam as ações do presidente Bolsonaro, é composta por condutas que violem princípios de imparcialidade, honestidade, lealdade e legalidade às instituições públicas. Ainda que a improbidade administrativa não seja crime, a Constituição Federal prevê uma série de penas para quem comete algum desses atos. Entre elas, o pagamento de multas e, até mesmo, a perda da função política.
"Supondo que um prefeito de uma cidade qualquer faz uma acusação desse tipo no rádio da cidade, por exemplo, cabe ao promotor da cidade analisar a situação. Se ele identificar que existe um indício firme de ilegalidade nessa prática, tem que ingressar com a competência civil pública de improbidade administrativa para que a Justiça faça essa avaliação e veja se ultrapassou algum limite. O fato de ingressar com a ação não significa, necessariamente, que esse prefeito será punido, tudo tem que ser avaliado", exemplifica Vilela.

Até que ponto uma figura política pode mentir e não ser punida?

O grupo de jornalistas da Aos Fatos verifica, diariamente, a veracidade das declarações de diversos políticos e autoridades nacionais. Mas até que ponto uma figura política pode contar inverdades na mídia? Para a cientista política e professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Silvana Krause, a margem de permissão não existe. "Fofocas e boatos fazem parte do jogo político. E isso não é mentira, é apenas a divulgação de fatos que correm de boca a boca. O significado do que estamos vendo, porém, são mais que boatos. São formas de deixar o cidadão e o leitor com muita dificuldade de avaliar e de compreender o fato", defende.
Por outro lado, o cientista político Álvaro Oxley Rocha acredita que esse limite é traçado pelas instituições. "Pode mentir até o ponto em que as instituições permitirem. Nenhum político pode falar e fazer o que bem entende. Em países como o Brasil, que não tem tradição democrática, as pessoas - mesmo as mais instruídas - tendem a entender os cargos de administração pública como se fossem cargos da monarquia. Mas, nesse caso, têm duas atrapalhações: a lei e a Constituição. Esses instrumentos existem justamente para que não se cometam abusos."
Os cientistas políticos atentam que esse fenômeno não é exclusivamente brasileiro e que está frequentemente presente nas democracias do século XXI. Silvana reconhece que algumas lideranças usam acusações falsas e distorcidas como forma de governo. "Imaginava-se que fake news fossem apenas uma estratégia eleitoral. O que estamos percebendo é que, cada vez mais, os governos estão dando informações dúbias e utilizando isso como forma de governar. Isso acaba aprofundando uma tradição que existe no Brasil, na qual predomina a desconfiança nas relações entre cidadãos e instituições. E, onde se predomina a desconfiança, não tem projeto público", alerta.
Assim como Silvana, Rocha também considera essa prática uma técnica. "Antes, a técnica utilizada por políticos e empresários era sonegar informação. Eles só soltavam informações que interessavam a eles. Mas, quando entrou a internet, ficou muito fácil de ter informação. Então como fazer para acobertar as informações que não querem que sejam usadas contra eles? Soltando uma quantidade absurda de informações. As pessoas estão afogadas em informações", esclarece.
Diante dessa situação, Rocha e Silvana entendem os cidadãos como vítimas. Conforme o cientista político, o cidadão médio está desprotegido e sendo manipulado. Já a professora acredita que esse cenário exige demais da população. "O cidadão está pouco maduro e tem poucas ferramentas para poder avaliar o que está acontecendo", afirma.
Para Vilela, as mais de 520 afirmações falsas de Bolsonaro representam um número alarmante. "É impensado para um agente público - seja prefeito, governador, presidente ou ministro - proferir um número tão grande de inverdades como esse. Foge completamente do razoável", expõe. "Parece-me que uma situação como essa deve ser analisada com cuidado pela Procuradoria-Geral da República para ver se essa conduta está extrapolando o limite da razoabilidade e se pode configurar uma prática ilegal."
Em entrevista à Folha de S.Paulo, o ministro do Supremo Tribunal de Justiça Marco Aurélio Mello afirmou que uma possível solução para as declarações falsas e irresponsáveis do presidente é a criação de um aparelho de mordaça. Procurado pelo Jornal da Lei, Marco Aurélio não quis se manifestar sobre o assunto. Da mesma forma, a Ordem de Advogados do Brasil (OAB-RS) preferiu não falar sobre o tema.