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Jornal da Lei

- Publicada em 12 de Novembro de 2019 às 03:00

'Valeu o ronco da Constituição', diz Lenio Streck sobre 2ª instância

Streck (c) participou de julgamento no STF sobre prisão após segunda instância

Streck (c) participou de julgamento no STF sobre prisão após segunda instância


/FABIO RODRIGUES POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL/JC
Após quatro sessões, o Supremo Tribunal Federal (STF) reverteu o entendimento que, há três anos, permitia a prisão antes do trânsito em julgado, ou seja, o fim do processo e do esgotamento dos recursos. O julgamento dividiu opiniões dentro e fora do STF. O jurista e professor Lenio Streck participou efetivamente das discussões sobre o assunto, defendendo o que consta na Constituição. Em entrevista ao Jornal da Lei, Streck falou sobre o impacto da decisão.
Após quatro sessões, o Supremo Tribunal Federal (STF) reverteu o entendimento que, há três anos, permitia a prisão antes do trânsito em julgado, ou seja, o fim do processo e do esgotamento dos recursos. O julgamento dividiu opiniões dentro e fora do STF. O jurista e professor Lenio Streck participou efetivamente das discussões sobre o assunto, defendendo o que consta na Constituição. Em entrevista ao Jornal da Lei, Streck falou sobre o impacto da decisão.
Jornal da Lei - O que o resultado do julgamento no STF representa para o ordenamento jurídico brasileiro? A decisão tem impacto além dos casos em que ela incide de fato?
Lenio Streck - Trata-se da consagração do valor do texto constitucional. Contra a voz das ruas, valeu o ronco da Constituição. O impacto, os condenados que estejam presos e que tenham feito recursos ao STF e Superior Tribunal de Justiça (STJ), e que tenham condições pessoais favoráveis. Por exemplo, quem estava preso na hora da condenação em segunda instância fica preso. Não basta recorrer ao STJ e ao STF para ficar livre esperando o trânsito em julgado. Se há requisitos para prisão, o condenado em segunda instância será preso. O STF não proibiu prender.
JL - Em sua sustentação oral no STF, o senhor disse que a questão se tornou uma polêmica em razão da politização, com a discussão sendo moralizada. O senhor é um crítico do que chama de moralização do Direito. O que seria isso e como afeta a garantia dos direitos e a execução da Justiça?
Streck - O direito não pode ser corrigido por juízos políticos ou morais. Por exemplo: quando entrei com a ADC 44 em nome da Ordem dos Advogados do Brasil, junto com os colegas Andre Karam, Juliano Breda e Cláudio Lamachia, o presidente Luis Inácio Lula da Silva não era nem réu. O caso encrespou por causa da politização. Muita gente ficou contra por causa do Lula. Moralizaram o Direito.
JL - Acredita que, se o País vivesse um outro momento político, sem as polarizações e os radicalismos, em que o conservadorismo não tivesse tanta força - como demonstrado nas urnas -, essa questão da prisão após segunda instância seria resolvida sem gerar tamanha discussão?
Streck - Claro. A situação atual dificulta qualquer discussão racional. Fizeram terrorismo dizendo que, se ganhássemos, o STF proibiria prisões em segunda instância. Fake news. Mentiras. Hoje, alguns grupos de WhatsApp viraram células terroristas.
JL - Também em sua sustentação oral no STF, afirmou que "a Constituição é um remédio contra as maiorias". O senhor poderia falar um pouco mais sobre isso?
Streck - A Constituição é sempre uma garantia contra maiorias. Se você é judeu e vai morar com dez pessoas antissemitas e elas decidem, por maioria, jogar você do décimo andar, você acha justo? É a Constituição que garante que os dez não podem jogar você pela janela.
JL - A opinião pública, em sua maioria, defende a prisão em segunda instância como uma forma de impedir a impunidade em um sistema com muitos recursos, protelando o trânsito em julgado. À população comum, leiga em relação ao Direito, como o senhor explicaria a importância de que a presunção da inocência seja garantida até a última instância?
Streck - Não há pesquisa séria e segura que confirme este ditado "a maioria quer que". Pago para ver. A população pode pensar assim, mas pensa errado, porque é emprenhada de ouvido. Parte dos jornalistas é culpada dessa desinformação. Aqui mesmo, no Rio Grande do Sul, teve muito jornalista espalhando mentiras.
JL - O que o senhor, como jurista, acredita que a imprensa deveria levar em consideração na hora de tratar sobre um assunto como esse?
Streck - Deveria consultar experts na matéria e evitar dar palpites. Por que a imprensa não discute operação cardíaca? Porque não entende. Então por que acha que pode falar sobre questões complexas de Direito Penal ou Constitucional? Não quero ensinar o padre a rezar a missa, porém a ciência é algo que precisa ser prestigiado. Direito é ciência. Não é uma questão de opinião, como muita gente da própria área jurídica pensa. Talvez os culpados sejam os próprios juristas. As faculdades cada vez mais formam néscios.
JL - O senhor acredita que a guinada conservadora no País teve influência para a construção do imaginário de que a prisão em segunda instância é necessária?
Streck - Também. O Brasil caminha perigosamente em direção ao fascismo. O Direito é antídoto do fascismo. Se o Direito vai mal, a democracia enfraquece. Só a Constituição salva a democracia. Por isso, temos que ser ortodoxos no cumprimento da Constituição Federal (CF). Sou um dinossauro da CF. Um jurássico. Digamos que eu seja a antítese do ministro Luís Roberto Barroso em termos de hermenêutica constitucional.
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