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Saúde pública

- Publicada em 02 de Abril de 2019 às 03:00

Acesso a aborto legal ainda é uma questão de informação

Manifestações pela legalização do aborto tem se tornado comuns nos últimos anos em todo o Brasil

Manifestações pela legalização do aborto tem se tornado comuns nos últimos anos em todo o Brasil


/FERNADO FRAZÃO/AGENCIA BRASIL/JC
O Brasil está no rol dos países com as leis mais restritivas em relação ao aborto no mundo. O método é permitido por lei em apenas três casos: violência sexual, anencefalia do feto e risco de morte materna. A violência sexual é o maior impulso para a busca do direito. Porém, apesar dos esforços da saúde pública para que as mulheres conheçam seus direitos, as contas não fecham: há grande disparidade entre a quantidade de ocorrências de cunho sexual que resultam em gravidez e os abortos legais realizados em decorrência disso.
O Brasil está no rol dos países com as leis mais restritivas em relação ao aborto no mundo. O método é permitido por lei em apenas três casos: violência sexual, anencefalia do feto e risco de morte materna. A violência sexual é o maior impulso para a busca do direito. Porém, apesar dos esforços da saúde pública para que as mulheres conheçam seus direitos, as contas não fecham: há grande disparidade entre a quantidade de ocorrências de cunho sexual que resultam em gravidez e os abortos legais realizados em decorrência disso.
Os dados mais recentes da relação estupro, gravidez e aborto são de 2011. Naquele ano, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Sistema Único de Saúde (SUS) registrou 43.869 estupros, dos quais cerca de 7% (3.070) resultaram em gravidez. O índice é resultado de um levantamento do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), com base em dados do Sinan. Em contraponto, o SUS indica a realização de 1.489 abortos legais no decorrer do período, pouco menos da metade do casos de gravidez notificados. Em 2016, foram 1.680, e, em 2017, 1.636. A neutralidade de crescimento pode ser um indicador de que poucas mulheres têm acesso a informações sobre seus direitos.
No Anuário Brasileiro de Segurança Pública, os dados mais recentes sobre estupros são de 2015, com uma ocorrência a cada 11 minutos no País, totalizando 45,4 mil casos. Porém, os dados não mostram, de fato, a realidade, uma vez que o crime possui as maiores taxas de subnotificação em todo o mundo - e no Brasil não é diferente. A estimativa do Ipea é que ocorram mais de 500 mil estupros por ano - ou seja, cerca de 90% não são denunciados. No Rio Grande do Sul, entre janeiro e fevereiro de 2019, foram registrados 242 casos de violência sexual.
Em Porto Alegre, foram realizados 26 abortos legais em 2015 e 41 em 2016. De acordo com o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), a maioria das pacientes que buscam o procedimento de forma legal tem uma renda mais elevada. As de baixa renda, de populações mais vulneráveis, não têm conhecimento da lei - acabam, então, recorrendo a procedimentos caseiros, que as levam aos hospitais já com risco de morte.
Desde 1940, o artigo 128 do Código Penal isenta de punição o médico que realizar aborto para salvar a vida da mulher (artigo 128, I) ou se a gravidez resultar de estupro (artigo 128, II), com o consentimento dela ou de representante legal. Em 2012, casos de anencefalia do feto, que resultariam em inviabilidade de vida extrauterina, foram incluídos entre os casos de abortamento legal em decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), tornando-se parte da jurisprudência nacional. Fora das hipóteses previstas no Código Penal, o médico somente poderá realizar o abortamento mediante autorização judicial. Caso contrário, estará assumindo o risco de responder a processo judicial (cível e criminal) e ético-profissional.
Em agosto 2013, foi sancionada a Lei nº 12.845 - que obriga os hospitais do SUS a prestarem atendimento emergencial, integral e interdisciplinar às vítimas de violência sexual, com o objetivo de garantir os cuidados às lesões, o amparo social e psicológico, e métodos de prevenção - seja para doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) ou gravidez. É em último caso que esses mesmos hospitais têm de informar a mulher da possibilidade de interromper a gravidez. O ideal é que o procedimento corra com até 20 semanas de gestação e que o peso fetal seja de menos de 500 gramas.
Hoje, no Rio Grande do Sul, sete hospitais são referência para interrupção de gravidez por estupro e possuem equipes multidisciplinares para atenção integral às pessoas em situação de violência sexual. Na Capital, o hospitais de Clínicas, Fêmina, Materno Infantil Presidente Vargas e Conceição fazem o procedimento. Na Região Metropolitana, o Hospital Universitário de Canoas; na Serra, o Hospital Geral de Caxias do Sul; e, na zona Sul, o Hospital Universitário de Rio Grande. Neste, o serviço passou a ser oferecido em março.
De acordo com o Ministério da Saúde, porém, qualquer estabelecimento público que conte com atendimento de obstetrícia pode acolher mulheres que buscam o serviço de acordo com a lei. Para Nadiane Lemos, coordenadora da Seção da Saúde da Mulher da Secretaria Estadual de Saúde (SES), o papel dos médicos e dos profissionais de saúde é trabalhar na orientação das questões sexuais e reprodutivas, como em métodos anticoncepcionais e no aconselhamento, para que as mulheres fujam de situação de violência.
"Quando falo disso (situação de violência), não é sobre roupas ou comportamento, mas sobre evitar ambientes violentos com maridos, pais ou familiares", ressalta Nadiane. Segundo o Ipea, a maioria dos abusos ocorre por pessoas próximas. Em relação às crianças, por exemplo, 24,1% dos agressores são os próprios pais ou padrastos, e 32,2% são amigos ou conhecidos da vítima. Em relação aos estupros, 70% são cometidos por parentes, namorados ou amigos/conhecidos da vítima. Em 2018, o SUS no Estado teve 19.482 notificações de violência contra mulheres.
A expectativa é que os serviços de saúde trabalhem com as questões referentes à integridade da vítima. "Não queremos procurar culpados ou fazer investigações criminais. Nosso propósito é o atendimento às saúdes física e mental do paciente", afirma Nadiane. Para buscar o procedimento, não é necessário que haja boletim de ocorrência ou que se entre em um processo. A coordenadora explica apenas que o relato temporal deve estar de acordo com o tempo previsto da gestação. "Não é preciso dizer o que sofreu, mas saber a data em que está gestante". Nadiane comenta que havia preocupação de que se usasse do artifício para se ter acesso aos serviços de saúde para a interrupção. "É improvável, do ponto de vista emocional que alguém simule essa situação", afirma.

Médicos podem alegar objeção de consciência

O Ministério de Saúde informou que, entre 2014 e 2016, foram qualificados 376 profissionais, em 22 estados brasileiros, para o atendimento às vítimas de violência. Os médicos, porém, não são obrigados a realizar o procedimento.
O profissional pode se negar alegando objeção de consciência - conflito com questões pessoais, sejam elas éticas, morais ou religiosas. Segundo o presidente do Cremers, Eduardo Trindade, "como há previsão legal, a maioria dos profissionais realiza".
De todo modo, é importante que as instituições mantenham o serviço previsto em lei. Ou seja, o profissional tem sua independência funcional, mas deve ser coberto por outro médico que realize o procedimento. "Nós mantemos os profissionais informados que, se quiserem realizar o procedimento, há previsão legal", assegura Trindade.