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Jornal da Lei

- Publicada em 22 de Janeiro de 2019 às 01:00

O impacto da bancada evangélica no Estado laico

Coelho aponta dificuldade da Justiça em coibir abuso do poder religioso

Coelho aponta dificuldade da Justiça em coibir abuso do poder religioso


CLETUS VINICÍUS/DIVULGAÇÃO/JC
A bancada evangélica está crescendo em representação no Congresso. De acordo com o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a partir da última eleição, serão 91 parlamentares ligados à frente. Em entrevista ao Jornal da Lei, o professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRB-USP) na área de Teoria e Filosofia do Direito, Nuno Coelho, fala sobre o possível conflito entre a laicidade do Estado e a ascensão dos parlamentares ligados à religião.
A bancada evangélica está crescendo em representação no Congresso. De acordo com o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a partir da última eleição, serão 91 parlamentares ligados à frente. Em entrevista ao Jornal da Lei, o professor da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRB-USP) na área de Teoria e Filosofia do Direito, Nuno Coelho, fala sobre o possível conflito entre a laicidade do Estado e a ascensão dos parlamentares ligados à religião.
Jornal da Lei - No artigo 4º, a Constituição estabelece que o Estado é laico. Na prática, o que isso quer dizer?
Nuno Coelho - A laicidade significa que o Estado não pode privilegiar nenhuma religião, não pode adotar ele mesmo nenhuma religião e tampouco perseguir qualquer religião. Ou seja, a postura deve ser de absoluta indiferença a todos os credos. O Estado pode apenas estabelecer, com as diferentes igrejas, parcerias que possam promover a cidadania e a realização da própria Constituição. Mas ele próprio não pode abraçar nenhuma fé.
JL - Considerando os valores da bancada evangélica, o que esse crescimento representa?
Coelho - Esse aumento é importante e implica uma alteração no funcionamento do Parlamento. O sistema político brasileiro é organizado a partir de partidos. Não temos um sistema político construído através de perspectivas religiosas. Mas, na prática, o sistema não funciona de acordo com sua estrutura ou lógica partidária, mas conforme outros interesses que organizam a opinião pública - especialmente a perspectiva religiosa. Isso traz certa distorção do ponto de vista da representação e da opinião nacional no Congresso. Esse é um problema: não temos um regime político funcionando como prevê a Constituição, porque não são efetivamente os partidos que funcionam e conseguem representar as pessoas, mas as igrejas ou outras perspectivas. Neste momento, a casa legislativa passará a funcionar influenciada por uma perspectiva religiosa que não apresenta necessariamente a opinião pública. Uma igreja é uma coligação de pessoas que visam ao bem dos outros e da humanidade. As igrejas cristãs têm esse fundamento. Essa vontade de decência acaba por ser manipulada por líderes políticos. Esse engano é feito através da manipulação da boa vontade das pessoas.
JL - Em um momento de partidos desacreditados, é possível que os políticos prefiram exaltar seus trabalhos junto a frentes religiosas a defender os partidos?
Coelho - Os atores do sistema político, procurando atingir seus objetivos, manipulam as ferramentas que pareçam assertivas para atingir suas finalidades. Há, novamente, uma absorção do sistema político e das igrejas, pois as lideranças religiosas fazem acordos e manipulam suas comunidades para transferir votos para lideranças políticas. Ou, o que se torna cada vez mais comum, as próprias lideranças religiosas se tornam políticas. Há uma dificuldade da justiça eleitoral em identificar e reprimir o que chamamos de abuso do poder religioso. Há muito o que caminhar para evitar que lideranças religiosas possam ameaçar as pessoas e influenciá-las de maneira ilegítima. Assim como o diretor de uma escola e o chefe de uma empresa não podem aproveitar-se da hierarquia para interferir nas eleições, líderes religiosos também não podem. Mas, infelizmente, estamos tendo pouco sucesso na repressão desse tipo de desvio.
JL - A ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, declarou que "o Estado é laico, mas esta ministra é terrivelmente cristã". É possível governar dessa forma, considerando a Constituição?
Coelho - O Estado ser laico não significa que as pessoas que ocupam cargos no Estado não podem ter suas crenças. Elas podem, e é comum que tenham. A laicidade do Estado impede que elas imponham às políticas públicas suas perspectivas religiosas particulares. O Estado, desde a modernidade, não assume perspectiva religiosa. O sistema público de educação, por exemplo, tem que ser fundado em postulados científicos e filosóficos, verificação e possibilidade de crítica. Nos ministérios, deve ser da mesma forma. O artigo 37 da Constituição, que fala de eficiência e transparência nas políticas públicas, mostra que elas devem ser guiadas por melhores resultados, independentemente do pensamento dos governantes. Damares, portanto, tem todo o direito de defender as ideias que quiser. Na igreja, em casa, com a educação dos filhos. Mas não tem direito de impor suas convicções nas políticas públicas do ministério.
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