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Direito penal

- Publicada em 08 de Janeiro de 2019 às 01:00

STF julgará porte de drogas em junho de 2019

Maconha foi droga mais apreendida na região Sul entre 2015 e 2017

Maconha foi droga mais apreendida na região Sul entre 2015 e 2017


/DON MACKINNON/AFP/JC
Liberada para julgamento desde novembro, a ação que discute a criminalização do porte de drogas para consumo pessoal já tem data para apreciação pelo Supremo Tribunal Federal (STF): o dia 5 de junho de 2019. O caso estava parado na corte há mais de três anos, desde que o então ministro Teori Zavascki, hoje falecido, interrompeu a sessão ao fazer um pedido de vistas.
Liberada para julgamento desde novembro, a ação que discute a criminalização do porte de drogas para consumo pessoal já tem data para apreciação pelo Supremo Tribunal Federal (STF): o dia 5 de junho de 2019. O caso estava parado na corte há mais de três anos, desde que o então ministro Teori Zavascki, hoje falecido, interrompeu a sessão ao fazer um pedido de vistas.
O recurso julgado averígua se o artigo 28 da atual legislação de drogas - que define como crime o porte de entorpecentes para uso pessoal - é constitucional ou não. Até o momento, já há três votos, dos ministros Edson Fachin, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso, todos com o entendimento de que criminalizar o usuário é inconstitucional. Especialistas apontam para uma tendência do Supremo de aprovar a descriminalização.
Em pesquisa, o Instituto Sou da Paz verificou que a maior parte dos casos envolvendo drogas na Região Sul entre 2014 e 2017 foca no usuário. A percepção é de que houve um aumento no número de apreensões de entorpecentes, com prevalência das ocorrências de posse no Paraná e no Rio Grande do Sul - apenas em Santa Catarina se sobressaem os casos de tráfico. No total da Região Sul nesse período, houve 116.381 (53,2%) ocorrências por posse de pequenas quantidades para uso e 102.054 (46,8%) por tráfico. No Rio Grande do Sul, foram 46.292 (55,5%) ocorrências por posse e 37.115 (44,5%) por tráfico.
Ao longo do período analisado, houve redução no número de ocorrências de posse em Santa Catarina e aumento na participação dos casos de tráfico - de 2014 a 2017, foi registrado aumento de 51,8% nas ocorrências de tráfico e de 5,4% nas de posse no estado. Já o Paraná teve aumento muito maior no número de casos de posse (36,6%) do que no de casos de tráfico (16,5%). O Rio Grande do Sul, por sua vez, teve redução em ambos os registros de ocorrências ao longo do período estudado, mas com diminuição muito mais elevada nos casos de posse (-26,3%) do que nos de tráfico (-7,1%).
Com relação à massa de drogas apreendida, a maconha figura como campeã disparada em quantidade, em comparação com a cocaína e o crack. O Paraná, por sua vez, apreendeu em proporção muito maior. Enquanto, entre 2015 e 2017, o Rio Grande do Sul recolheu 30.669 quilos de maconha e Santa Catarina, 71.602, o Paraná, que faz fronteira com o Paraguai, recolheu 306.031 quilos no mesmo período. Nos registros das secretarias de Segurança, contudo, não há distinção entre massa apreendida em ocorrências de tráfico e de posse, o que, conforme conclusão do Instituto Sou da Paz, seria importante para entender os perfis das apreensões.
Segundo Leonardo Carvalho, coordenador de projetos do Sou da Paz, a percepção é de que as polícias ocupam muito de seu tempo em ocorrências envolvendo drogas, e que grande parte dos casos envolve posse para uso, e não para tráfico - justamente o que o STF discute se é crime ou não. "Não sabemos se todo o recurso que está sendo empenhado na realização dessas ocorrências por posse tem grande impacto na logística de distribuição de drogas. Sabemos que não serve para inibir o uso, então a relevância para o impacto na segurança pública é questionável", avalia. Para Carvalho, seria mais eficiente focar a atuação nas ocorrências de tráfico.

Levantamento indica importância de focar trabalho policial em etapa intermediária do tráfico

O estudo é parte de uma pesquisa maior, envolvendo análise mais detalhada de dados referentes a São Paulo e Rio de Janeiro. Uma das conclusões em São Paulo, por exemplo, foi que mesmo as ocorrências de tráfico envolviam quantidades pequenas - a média em cada apreensão foi de 39,8 gramas de droga. Em torno de metade da maconha apreendida em São Paulo no total foi receptada nas 100 maiores apreensões, e a outra metade, nas outras centenas de milhares de ocorrências. "Quanto recurso policial foi necessário para registrar e tomar as medidas necessárias nessas centenas de milhares de ocorrências?", questiona o pesquisador Leonardo Carvalho.
O perfil das grandes apreensões é, também, muito diferente das pequenas. Em São Paulo, por exemplo, a maior ocorrência envolveu 15,9 toneladas de maconha, encontradas em uma carreta. "Em geral, grandes apreensões não são feitas em locais que geram confrontos, como favelas, e sim em ações que expõem os policiais a menos riscos, como abordagens em veículos, já que grandes quantidades não podem ser carregadas em uma mochila", observa Carvalho.
Em busca por grandes apreensões em matérias publicadas pela imprensa, os pesquisadores verificaram que boa parte não envolveu disparo de arma de fogo, por se tratarem de espaços limitados, sem muita possibilidade de fuga por parte do transportador. O resultado trouxe ao Instituto Sou da Paz uma compreensão de que é mais eficaz focar o trabalho policial na etapa intermediária da cadeia de distribuição das drogas, ou seja, o transporte em carros, caminhões ou aviões, do que a posterior, na ponta, quando os usuários já tiveram acesso aos entorpecentes, para evitar que o ilícito chegue às mãos dos usuários. Para tanto, é importante o investimento em ações em vias de grandes circulação e na investigação policial.
Outro ponto salientado por Carvalho é a possível subnotificação na quantidade de usuários de drogas. A última pesquisa realizada pelo governo federal sobre consumo de entorpecentes pela população geral é antiga, feita em 2005, e apontava que 8,8% dos brasileiros já tinham consumido maconha alguma vez na vida, 2,9% já haviam usado cocaína e 0,7% já utilizou crack. Os números, entretanto, podem ser maiores. "Precisamos entender quantos usuários temos, porque há usuários que não são alvos das ações de apreensão que podem ser um eventual público de políticas de saúde que não procura o sistema de saúde, hoje, pelo simples fato de que a criminalização do uso inibe a procura", analisa.