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Protestos

- Publicada em 31 de Dezembro de 2018 às 01:00

Decisão sobre aviso-prévio fica para 2019

Críticos alegam que manifestações não podem interferir na liberdade de ir e vir

Críticos alegam que manifestações não podem interferir na liberdade de ir e vir


CARL DE SOUZA/AFP/JC
No mesmo dia em que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello tomava uma polêmica decisão liminar sobre a prisão em segunda instância, o tribunal esteve às voltas com outra importante questão constitucional. Na sessão do dia 19 de dezembro, o presidente da corte, Dias Toffoli, pediu vistas e interrompeu o julgamento sobre o recurso extraordinário nº 806.339, que trata do aviso-prévio em manifestações populares. Antes da parada, cinco ministros votaram contra a necessidade de aviso, enquanto três se manifestaram a favor.
No mesmo dia em que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello tomava uma polêmica decisão liminar sobre a prisão em segunda instância, o tribunal esteve às voltas com outra importante questão constitucional. Na sessão do dia 19 de dezembro, o presidente da corte, Dias Toffoli, pediu vistas e interrompeu o julgamento sobre o recurso extraordinário nº 806.339, que trata do aviso-prévio em manifestações populares. Antes da parada, cinco ministros votaram contra a necessidade de aviso, enquanto três se manifestaram a favor.
A votação vem se estendendo desde abril. Na primeira sessão, o relator Marco Aurélio havia se posicionado a favor da exigência, mas o próximo julgador, Alexandre de Moraes, pediu mais tempo para inteirar-se do conteúdo da ação. O ministro devolveu a questão para a pauta em agosto, e a retomada ficou originalmente prevista para outubro de 2018, antes de ser adiada para meados de dezembro.
Ao reabrir o julgamento, Moraes acompanhou o entendimento do relator, argumentando que o artigo 5, inciso XVI, exige expressamente o prévio aviso à autoridade competente. Em seu voto, o ministro frisou que a comunicação não deve ter caráter de pedido de autorização, embora tenha admitido que, sem dar ciência ao poder público, um eventual protesto poderia ser considerado ilegal. Além de Marco Aurélio e Alexandre de Moraes, o ministro Luiz Fux também manifestou o mesmo entendimento.
A divergência foi aberta pelo ministro Edson Fachin, sendo depois acompanhada por Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Em seu voto, Fachin alegou que a liberdade de expressão tem primazia, de forma que o aviso-prévio não pode ser visto como condicionante. Mesmo concordando com a leitura, os demais ministros admitiram que o poder público mantém o dever de intervir em situações de bloqueio de via, ainda que a simples ausência de aviso não dê caráter ilícito a uma reunião de pessoas em espaços públicos. Não há, no momento, previsão de quando o julgamento será retomado.
A questão em torno da necessidade de aviso para manifestações vem se arrastando no Judiciário brasileiro pelo menos desde os anos 1990 - uma incerteza ampliada a partir de 2013, quando uma série de protestos balançou o ambiente político do País. O atual recurso é impetrado pelo Sindicato Unificado dos Trabalhadores Petroleiros Petroquímicos Químicos e Plásticos dos Estados de Alagoas e Sergipe, que questiona multa recebida pelo bloqueio da BR-101, em Sergipe, durante protesto contra a transposição do rio São Francisco, em 2008. Uma liminar local, obtida a pedido da Advocacia-Geral da União, considerou o protesto ilegal, alegando que não havia sido feito informe prévio às autoridades competentes. Os sindicalistas mantiveram a realização do ato, sendo, posteriormente, multados pelo descumprimento da decisão.
A disposição do poder público de exigir prévia comunicação de atos públicos tem como principal alegação a garantia de outros direitos fundamentais, paralelos à livre manifestação - em especial, a liberdade de ir e vir. Também é alegado, por autoridades estaduais e municipais, a necessidade de garantir que protestos opostos não ocorram ao mesmo tempo, o que pode gerar conflitos, bem como o deslocamento de forças policiais e agentes públicos necessária para preservar direitos dos próprios manifestantes.
Em Porto Alegre, foi sancionada, em março de 2018 a Lei Complementar nº 832/2018, conhecida como Lei Antivandalismo. Nela, está estabelecida a necessidade de aprovação, por parte da prefeitura, de localização e horário propostos pelos organizadores de manifestações na Capital. Segundo críticos, essa exigência vai contra o texto constitucional, que não abre margem para que o poder público dê ou não aval à realização de manifestações.

Comunicado sobre protestos não deve virar pedido de autorização, dizem constitucionalistas

"A democracia, infelizmente, é uma exceção no Brasil. Meu receio é que o aviso-prévio acabe se transformando em uma limitação do regime democrático", diz Lúcio Antônio Machado Almeida, advogado e professor de Direito da Faculdade Dom Bosco. Em sua visão, uma eventual obrigatoriedade do aviso abriria margem para que grupos políticos subvertessem a previsão, transformando-a, na verdade, em um pedido de autorização para protestos, o que seria inconstitucional.
Almeida lista outros riscos abertos a partir de uma eventual exigência de comunicação prévia, como o monitoramento político e a criminalização de movimentos sociais. "A regra seria não exigir (o aviso-prévio), com a ressalva de casos excepcionais. Está dentro da razoabilidade e da proporcionalidade que haja aviso antes de bloquear a avenida Castelo Branco, por exemplo, mas não há necessidade de algo semelhante no Parque da Redenção, que é um lugar reconhecido de manifestações populares", argumenta.
Professor titular de Direito Constitucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e da Faculdade do Ministério Público, Eduardo Carrion frisa que o direito à reunião e manifestação, previsto no inciso XVI do artigo 5º da Carta Magna, é uma "liberdade meio", necessária para a concretização de uma "liberdade fim" - no caso, a livre manifestação do pensamento, citada no inciso IV do mesmo artigo. Ou seja, ao apreciar situações que envolvam reuniões de pessoas, é sempre preciso ter em mente o livre exercício do pensamento.
Carrion acredita que, em um cenário ideal, deve sempre haver comunicação às autoridades competentes. Mas considera a formalização dispensável em certas circunstâncias. Como exemplos, cita manifestações cuja realização seja amplamente divulgada pelos organizadores em redes sociais e veículos de imprensa, além de reuniões "rápidas, espontâneas e momentâneas" de pessoas.
"Evidente que é preciso respeitar os limites impostos pela lei, sem emprego de armas brancas ou de fogo, atos de depredação ou ações que impeçam, de forma prolongada, o fluxo de pessoas e veículos", ressalva. "Mas, em uma reunião de dez ou 15 estudantes para uma panfletagem, algo que duraria cerca de 15 minutos, penso que a exigência de prévio aviso seria demasiada. Da mesma forma, embora não seja conveniente, é aceitável que o caráter público e notório de uma manifestação seja considerado uma forma de comunicação, mesmo sem ato formal."