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Jornal da Lei

- Publicada em 24 de Dezembro de 2018 às 01:00

'O conservadorismo resolveu sair do armário'

Maria Berenice Dias lançou 
livro sobre pessoas intersexuais

Maria Berenice Dias lançou livro sobre pessoas intersexuais


/MARCO QUINTANA/JC
Maria Berenice Dias foi a primeira mulher a ingressar na magistratura gaúcha e a primeira desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Voltada a iniciativas para as minorias, coordenou a elaboração do Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero e liderou a campanha que coletou 100 mil assinaturas para apresentação, por iniciativa popular, perante o Senado Federal (PLS 134/2018). Além disso, foi responsável por incluir o I, de intersexual, na sigla LGBTI no Brasil. Em sua última publicação, intitulada Intersexo, Maria Berenice aborda a despatologização da intersexualidade. Em entrevista ao Jornal da Lei, ela fala do seu livro e dos problemas enfrentados pelos LGBTI no Brasil.
Maria Berenice Dias foi a primeira mulher a ingressar na magistratura gaúcha e a primeira desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Voltada a iniciativas para as minorias, coordenou a elaboração do Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero e liderou a campanha que coletou 100 mil assinaturas para apresentação, por iniciativa popular, perante o Senado Federal (PLS 134/2018). Além disso, foi responsável por incluir o I, de intersexual, na sigla LGBTI no Brasil. Em sua última publicação, intitulada Intersexo, Maria Berenice aborda a despatologização da intersexualidade. Em entrevista ao Jornal da Lei, ela fala do seu livro e dos problemas enfrentados pelos LGBTI no Brasil.
Jornal da Lei - Intersexo é uma obra pioneira no Brasil. Hoje, quais são as leis voltadas aos intersexuais no País?
Maria Berenice Dias - O tema é obscuro no Brasil e até perverso. Intersexo é o termo correto para identificar quem era chamado de "hermafrodita", ou seja, quem nasce com ambiguidade genital. Mas a ambiguidade não é só na genitalidade, ainda existem sequelas hormonais. Nós temos uma Resolução do Conselho Federal de Medicina (1.664/2003) que autoriza os médicos a fazerem a cirurgia que elege um gênero. É uma castração. Os pais ficam vulneráveis ao ver que o filho idealizado não é menino ou menina, não é rosa ou azul. Então, o médico como autoridade, diz que pode resolver aquele "defeito" e que é melhor nem contar para a criança. Assim, se procura um gênero preponderante, mas, no geral, o que mais prevalece é o aspecto externo. A grande maioria dos intersexuais se tornam meninas porque é mais fácil transformar o pênis em uma vagina. Após algum tempo, o adolescente tem que começar a tomar hormônios. Muitos nem sabem o que estão ingerindo e o porquê. No livro, temos relatos de intersexuais que só descobriram sua condição aos 28 anos. Nesse momento a pessoa se questiona "quem sou eu?". Ela se sente diferente, mas não sabe o que é.
JL - Além dos aspectos físicos existem as questões psicológicas. Como são vistas estas sequelas? Quais seriam as formas jurídicas de resolver ou reduzir os problemas desta parcela da população?
Maria Berenice - Há um desleixo generalizado. Poucos países do mundo proíbem a cirurgia. O que queremos, primeiro, é que a portaria que permite a cirurgia seja revogada. Os intersexuais representam 1,7% da população mundial. De todos os seguimentos inseridos, foi o que demorou mais para entrar na sigla LGBTI . A justificativa era a falta de representatividade. É um grupo muito recluso. Foi quando vi que precisávamos inserir o I, para buscar essas pessoas e permitir que elas criassem identificação. Quando eu botei na Comissão da Diversidade, essas pessoas começaram finalmente a se conhecer e se aproximar. Notamos também a necessidade de criar obras e artigos que abordassem o tema. Eu falava do aspecto jurídico, mas tinha que ser mais colorido. Busquei médicos, psicólogos e assistentes sociais. Tratamos de tudo. Demorou mais de um ano para ser feito. As pessoas tinham dificuldade de achar materiais. Foi como quando escrevi sobre o Direito Homoafetivo, pela 1ª vez no Brasil, nos anos 2000 - não temos informações. É importante mobilizar a sociedade. De todos os seguimentos vulneráveis este é o pior: há uma castração logo que as crianças nascem. Não têm ninguém por elas. Há um índice de suicídio muito significativo. Cabe à sociedade dar voz. A sensação que eu tive é que os LGBTI nunca tiveram voz. Quando eu surgi, como autoridade por ser magistrada, tivemos avanços muito significativos. Sempre quis falar por quem não tem voz ou vez.
JL - Quais são as expectativas de futuro?
Maria Berenice - A discriminação racial, a violência doméstica, os idosos, são questões de exclusão social que tem lei para proteção. Mas os LGBTI têm a violência legitimada: é uma questão social de origem religiosa. A felicidade que a igreja vende está dentro do casamento. Se o gay não pode casar, ele não pode ser feliz. Eu não sei porque isto gera tanta aversão social. As pessoas poderiam não "aprovar", mas hoje há legitimação para agredir. E isto vem de família, pois ninguém nasce com preconceito. Agora estamos numa onda avassaladora de conservadorismo que não sei de onde surgiu. Acho que estava dentro do armário. O discurso homofóbico e conservador teve adesão. Agora a violência está chancelada pelo presidente que "prefere ter um filho morto a um filho gay". Além disso temos uma "comissão da família". Um nome horrível! Não existe mais família. Existem famílias. Famílias tem vários formatos, não mais um só. Aos poucos nós avançamos. Com o casamento homoafetivo, por exemplo, que hoje corre risco de retrocesso. Está tramitando o Estatuto da Família, que é muito perigoso. Eu sempre defendi que falta de lei não significa falta de direito. O juiz precisa julgar mesmo quando não tem lei.
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