Venezuelanos fogem da crise e encontram no Brasil um ref�gio
Oscar Valera, que � administrador de empresas, buscou Gravata� para conseguir trabalho em sua �rea
CLAITON DORNELLES /JC
Sem acesso a medicamentos, tratamento médico e alimentação adequada, milhares de famílias venezuelanas têm buscado no Brasil seu novo lar. A crise política, econômica e social do governo do presidente Nicolás Maduro vem se agravando nos últimos anos e, em 2018, chegou ao ápice. No Rio Grande do Sul, até novembro, 734 imigrantes foram acolhidos pelo governo federal e centenas de outros vieram por conta própria, atrás de empregos, qualidade de vida e o mais importante: paz.
Oscar Valera, de 51 anos, fez o possível para continuar em Valencia, cidade industrial na Venezuela, com sua família. Administrador de empresas com duas pós-graduações, foi gerente de distribuição, de custos e auditor corporativo em empresas do setor automotivo, como a Bridgestone.
Contando também com o salário de sua esposa, Luisana Molano, de 32 anos, que era chefe da contabilidade de uma grande empresa de tintas, eles viviam bem. Contudo, o poder aquisitivo da família começou a minguar conforme a inflação subia - o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que ela chegue a 1.000.000% em 2018.
O salário, que era bom, passou a ser insuficiente, e o casal, que tem três filhos - de 17, nove e dois anos -, teve que vender sua casa - cotada em US$ 85 mil - por US$ 40 mil e comprar uma mais simples, por US$ 13 mil. O dinheiro foi gasto em cinco anos só para comprar comida, e a família começou a vender móveis e eletrodomésticos. "Às vezes, só conseguíamos comprar mandioca. Aí, comíamos mandioca todos os dias, de manhã, de tarde e à noite", conta Valera.
Para complementar a renda, o administrador passou a atuar como motorista de Uber, até que um dia foi chamado para uma corrida, sequestrado e levado para um barranco. Os bandidos apontaram um revólver para ele e atiraram. A arma falhou e Valera conseguiu fugir.
A família decidiu, então, ir embora da Venezuela. Pesquisou destinos possíveis e descobriu que Gravataí era uma cidade industrial, parecida com Valencia, e decidiu morar ali, mesmo sem conhecer ninguém. Vendeu a casa, comprada a US$ 13 mil, por US$ 6,5 mil e usou todo o dinheiro na viagem, em agosto, e no pagamento de seguro-fiança de seis meses para a locação de um imóvel. Agora, estabelecidos, tiram o sustento da venda de doces e salgados venezuelanos, chamados "tekeños", uma espécie de croissant.
O grupo, no entanto, não está completo: somente a filha mais velha, Sofia, de 17 anos, fez o trajeto com o casal. Como apenas o administrador de empresas possuía passaporte e a espera para obter o documento chega a dois anos na Venezuela, a travessia da fronteira precisava ser feita a pé.
A família julgou perigoso fazer o trajeto com as crianças mais novas e mais perigoso ainda levá-las para Pacaraima, primeira cidade brasileira após a fronteira com Roraima, onde brasileiros chegaram a atear fogo em acampamentos de venezuelanos. Por isso, os meninos ficaram com os avós, na Colômbia, até que se encontrasse uma forma segura de trazê-los para o Brasil. Os Valera procuram, agora, acertar o pedido de refúgio dos filhos junto à embaixada brasileira e juntar dinheiro para buscá-los.
"Dignidade é ser tratado como um ser humano, saber que uma pessoa precisa ser tratada com direitos humanos, ser tratada com respeito, com igualdade, como gostaria de fosse tratado. Uma pessoa precisa de tudo isso para ter oportunidade de sair da condição em que está, e não ser tratada com desprezo, nem ser tratada com lástima. Quando é tratada com lástima, não é vista com capacidade de fazer suas coisas. Nós podemos, só precisamos de uma oportunidade para fazê-lo."
Oscar Valera
Mauricio com a mulher Editta (centro) e os filhos Alondra (primeira, na direita), Santiago e Maury. Foto: Claiton Dornelles/JC
Mauricio Arango Escobar, de 47 anos, chegou ao Brasil em dezembro de 2017, com a esposa, Editta, e seus três filhos, Alondra, Maury e Santiago. Antes, moravam em La Victoria, estado de Aragua, onde ele era comerciante de morangos. Como já tinha uma irmã que morava em Gravataí e a crise na Venezuela não estava tão grave na época, teve menos dificuldades, tanto no trajeto como no aluguel de uma casa. A família ainda não conseguiu emprego, mas ganha dinheiro preparando queijo colonial e refeições venezuelanas.
Encantado com o acolhimento dos gaúchos, Escobar elogia a qualidade de vida que adquiriu desde a sua chegada. "Não somos ricos, mas estamos tranquilos. No Brasil, há muita segurança, tranquilidade, respeito, comida de qualidade, saúde. A lei se cumpre", celebra. Ele relata que teve um acidente de moto, quebrou a tíbia e foi muito bem-atendido no hospital. Há poucas semanas, sua irmã teve uma filha e elogiou tanto o pré-natal como o serviço oferecido no parto. Tudo foi feito gratuitamente, pelo Sistema Único de Saúde. Sua filha de 14 anos, Maury, frequenta o 7º ano de uma escola estadual e concorre a uma bolsa de estudos em um colégio privado.
Valera e Escobar gostariam de voltar à Venezuela. "Nossas raízes estão lá, mas não acho que a situação vá melhorar em curto prazo. A única forma seria o governo cair e outro assumir e reerguer o país, mas, do jeito que a Venezuela está caída, demoraria a melhorar", observa Escobar. Enquanto isso não acontece, a expectativa é melhorar os ganhos financeiros e ajudar os familiares que ainda não conseguiram sair do país vizinho.
"Aqui no Brasil nos têm tratado com dignidade, muito apreço e amor. Há que ser agradecidos, estamos muito felizes de estarmos aqui no Brasil."
Mauricio Arango Escobar