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Segurança Pública

- Publicada em 28 de Outubro de 2018 às 22:32

Estatuto do Desarmamento pode ser modificado

Estatuto do Desarmamento exige adequação a critérios específicos

Estatuto do Desarmamento exige adequação a critérios específicos


JOÃO MATTOS/JC
É difícil imaginar, mas, até 2003, a política de armas do País era totalmente diferente da que temos hoje. Até aquele momento, qualquer pessoa com mais de 21 anos poderia, sem muita burocracia, ter acesso a uma arma de fogo. Era possível, inclusive, comprá-la em lojas de artigos esportivos.
É difícil imaginar, mas, até 2003, a política de armas do País era totalmente diferente da que temos hoje. Até aquele momento, qualquer pessoa com mais de 21 anos poderia, sem muita burocracia, ter acesso a uma arma de fogo. Era possível, inclusive, comprá-la em lojas de artigos esportivos.
Ainda que se pudesse armar a população, os índices não pareciam favoráveis a um clima de paz. Pelo contrário: o Ministério da Saúde e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) indicam que, entre 1993 e 2003, as taxas de homicídio subiram cerca de 6,9% ao ano. Em 1983, o Brasil tinha 14 homicídios a cada 100.000 habitantes. Vinte anos depois, este número mais do que dobrou: alcançando 36,1 assassinatos para cada 100.000.
Foi nesse cenário que surgiu o Estatuto do Desarmamento. A Lei nº 10.826/2003, regulamentada pelo Decreto nº 5.123/2004, restringiu a posse de armas e dificultou o processo de obtenção do porte. Conforme estudo do Ipea, somente entre 2004 e 2014, foram poupadas 133.987 mil vidas no País em razão do estatuto.
Com base em dados de 2014 da Polícia Federal - responsável pelo controle das armas desde 2004 -, um estudo do Mapa da Violência com apoio da Unesco quantificou em 15 milhões o número de armas nas mãos dos brasileiros. Dessas, mais de oito milhões não estavam registradas, eram ilegais. Outras cerca de quatro milhões estavam nas mãos de bandidos.
A proposta que deu origem à legislação atual começou a ser debatida durante o último mandato do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, a partir de um projeto de lei do então ministro da Justiça Renan Calheiros, e tornou-se efetivamente lei durante o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O tema foi objeto do primeiro e único referendo de origem infraconstitucional após a abertura democrática de 1988, realizado em 23 de outubro de 2005.
Segundo o estudo Controle de Armas no Brasil: O caminho a seguir, realizada pela Fundação Friederich Ebert Stiftung Brasil, o referendo não versou sobre a totalidade da lei, apenas quanto à proposta de proibição da comercialização. O trabalho explica que "este não foi o entendimento da população, na medida em que 63,94% dos votos registrados mantiveram o comércio de armas de fogo no País. Todas as demais regras trazidas pela Lei nº 10.826/2003 permaneceram inalteradas, e o comércio de armas de fogo continuou autorizado conforme o resultado do referendo".
Segundo o Atlas da Violência de 2018, no começo da década de 1980, a proporção de homicídios com o uso de armas girava em torno de 40%. O índice cresceu ano a ano até 2003, quando atingiu o patamar de 71,1%, ficando estável até 2016. Embora pesquisadores entendam o estatuto como o principal meio de estagnação dos homicídios, ele não é e nem deve ser a única ferramenta para garantir um país sem violência. Ainda assim, segundo Felippe Angeli, gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz, "o estatuto foi a ação isolada que melhor impacto teve em relação à crise de homicídios".

Normas para adquirir arma de fogo

Art. 4o Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos:
I - comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal;
I - comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos; (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008);
II - apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;
III - comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta lei.

Número de homicídios e cenário contrafactual, por estado brasileiro

Número de homicídios e cenário contrafactual

Número de homicídios e cenário contrafactual


JC
Para compreender o cenário brasileiro caso o Estatuto do Desarmamento nunca fosse sancionado, o Ipea realizou um cálculo, feito com base na diminuição de armas de fogo em cada Unidade Federativa do País e seu impacto em vidas poupadas. O estudo - dados apresentados na tabela abaixo - indica que para cada 1% a menos de armas, haveria 1% a menos na taxa de homicídio no estado.
JC

O que dizem os planos de governo dos presidenciáveis

Polarização entre eleitores esquentou o clima nas redes sociais

Polarização entre eleitores esquentou o clima nas redes sociais


Arte sobre fotos de Fernando Frazão/Agência Brasil e Nelson Almeida/AFP
  • Fernando Haddad: “Nesse contexto, a política de controle de armas e munições deve ser aprimorada, reforçando seu rastreamento, por meio de rigorosa marcação, nos termos do estatuto do desarmamento. A redução da violência causada pelo uso de arma de fogo passa por utilizar inteligência acumulada para retirar armas ilegais de circulação e represar o tráfico nacional e internacional.”
  • Jair Messias Bolsonaro: “As armas são instrumentos, objetos inertes, que podem ser utilizadas para matar ou para salvar vidas. Isso depende de quem as está segurando: pessoas boas ou más. Um martelo não prega e uma faca não corta sem uma pessoa... Reformular o Estatuto do Desarmamento para garantir o direito do cidadão à legítima defesa sua, de seus familiares, de sua propriedade e a de terceiros!".

Como é em outros países

  • Alemanha - Para conseguir uma arma de fogo no país, é necessário comprovar que se corre risco ou que há intenção de garantir a segurança de um objeto, o que se aplica, também, a políticos ou serviços de segurança. A cada três anos essa concessão é verificada e pode ser retirada por diversos motivos, entre eles, receber multa equivalente a 60 dias ou mais do salário líquido, ou pena de prisão de pelo menos um ano.
  • Estados Unidos - O direito de portar armas é garantido pela Segunda Emenda da Constituição, de 1791. Em 36 estados não há exigências legais para o registro de armas, nenhuma permissão ou licença é necessária para comprar e possuir armas de fogo como rifles, espingardas ou revólveres. Em alguns estados, como Massachusetts, a venda e o porte de arma são proibidos. Devido à falta de regulamentação, bem como à facilidade de compras on-line, em feiras de armas e até em supermercados, a maioria das armas dos EUA não é registrada.
  • Argentina - O cidadão se habilita a portar uma arma através de curso, prova e teste psicotécnico. A cada dois anos, a habilitação é renovada, com a realização do psicotécnico. A lei restringe bastante o uso. Apesar disso, há algumas habilitações fraudadas que aumentam o número de armas em circulação.
  • França - Os candidatos a um porte de arma no país devem ter ao menos 18 anos e são obrigados a determinar uma razão para possuir uma arma, por exemplo, prática de esportes como caça e tiro ao alvo, ou proteção pessoal, segurança ou atividade de colecionador. As autoridades verificam os antecedentes criminais do candidato, além dos registros referentes à saúde física e mental. O processo pode durar seis meses.
  • Reino Unido - A permissão só é dada a quem apresente bons motivos, que a polícia não considere ameaça à segurança pública. Os cidadãos condenados a três anos ou mais de prisão não podem possuir armas. As autoridades realizam uma série de verificações que, geralmente, incluem entrevistas, visitas domiciliares e checagem de antecedentes criminais e referências de amigos. Além disso, o médico pessoal do requerente pode ser contatado.
  • Espanha - Para solicitar o porte de armas do tipo B (pistolas e revólveres), o cidadão deve ser maior de idade e apresentar seus motivos que justificam a posse; defesa de pessoas ou bens, por si só, não justifica a concessão. As licenças são concedidas pelo diretor-geral da Guarda Civil e têm vigência de três anos. Após esse prazo, não há renovação, e o interessado tem que entrar com um novo pedido. Entre os documentos necessários estão certificado de aptidão física e psicológica, antecedentes criminais e documentos justificando a necessidade da licença.
  • Japão - O cidadão precisa frequentar um dia inteiro de aulas e passar numa prova escrita e outra de tiro ao alvo, com mínimo de 95% de acertos. Além disso, exigem-se exames psicológicos e antidoping; e a polícia verifica antecedentes criminais e eventuais ligações com grupos extremistas. A licença se refere exclusivamente a espingardas de caça e rifles de ar comprimido. O porte de armas de mão é proibido.
 

Aperfeiçoamento do rastreamento de armas carece de efetividade

No Brasil, existem dois sistemas de registro de armas: o Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), do Exército, e o Sistema Nacional de Armas (Sinarm), da Polícia Federal (PF). O Sigma é exclusivo para registro de armas para militares e, no caso de civis, para caçadores, atiradores e colecionadores. À PF, cabe a concessão do porte - direito de transitar em  casos devidamente justificados e autorizados - e da posse - direito de ter uma arma em casa.
O sistema para registro de armamento realizado pela Polícia Federal não possui comunicação com o rastreamento do Exército e das demais forças policiais. A integração do sistema, proposta pelo estatuto, ainda não foi efetivada e gera dificuldades para identificar o número de armas que circulam no Brasil, por exemplo, dificultando ainda investigações da polícia.
Além disso, o analista de programa do Escritório das Nações Unidas sobre drogas e crimes e associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Eduardo Pazinato, indica um segundo problema: a incapacidade de rastreabilidade de projéteis para se identificar o lote de origem. "Precisamos qualificar esse sistema. Hoje não temos banco de dados e não temos conhecimento do número de armas que circulam legalmente no Brasil, apenas estimativas", avalia.
Essas questões, para Felippe Angeli, gerente de advocacy do Instituto Sou da Paz, geram problemas graves. Ele usa como exemplo o caso da ex-vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, assassinada em março deste ano. A investigação descobriu que as munições utilizadas no crime vinham da Polícia Federal em um lote de mais de dois milhões de projéteis, o que inviabilizaria quase que completamente uma busca da origem. Segundo o especialista, os lotes deviam ter, no máximo, 500 munições. "Essa munição era do Estado, tinha dinheiro da população ali e não podemos ser responsáveis por essa barbárie."
O aprimoramento de políticas públicas que corroborem com o estatuto também foi indicado como uma das principais modernizações necessárias para legitimar essas normas. Os pesquisadores apontam que a lei deve acompanhar a sociedade e o que se deve buscar, de fato, é uma política moderna e responsável para o controle de armas.
"A população disse que deve manter a venda. Ok, mas que seja rígido, porque falamos de um instrumento que tem intenção de matar, o fim é gerar dano, o que defendemos não é acabar com as armas ou uma posição ideológica, o que queremos é uma política responsável de controle de armas", ressalta Angeli.

Flexibilização do estatuto gera incertezas

Proposta em 2012 pelo deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), o Projeto de Lei (PL) 3.722/2012 disciplina as normas sobre aquisição, posse, porte e circulação de armas de fogo e munições, cominando penalidades e dando providências correlatas. Com o projeto, se altera o Decreto-lei nº 2.848, de 1940, e revoga a Lei 10.826, o Estatuto do Desarmamento. Atualmente o projeto está em tramitação, pronto para o plenário.
Com a normativa, algumas alterações importantes seriam feitas, entre elas a renovação de registro de armas. Hoje, a renovação deve ser realizada a cada três anos. Com a proposta, o registro passaria a ser permanente. O projeto também possibilitaria um limite maior de compra de munições: de um limite de cinco armas e 50 munições por cidadão, passaria para até nove armas e 600 munições por ano. Além disso, o projeto indica uma mudança com relação à idade dos portadores de arma de fogo, passando de 25 para 21 anos.
Angeli explica que, além desse projeto, considerado o de maior relevância em tramitação, também existem outros pequenos textos para porte de categorias específicas. Para ele, há duas questões que chamam atenção. A primeira delas é a proposta com relação à legítima defesa patrimonial. O Código Penal considera legítima defesa quando se repele uma agressão na mesma medida em que ela foi feita. A proposta, no entanto, indica que é possível utilizar arma de fogo para defender bens e patrimônio, mesmo que a outra pessoa não esteja armada. Além disso, avalia a proposta de porte em locais com grande número de pessoas, como aviões, ônibus e restaurantes. "Com isso, chegaremos a um nível de bang bang, é uma insanidade completa", avalia.
Para Gilberto Thums, professor de Direito Penal da Fundação do Ministério Público (FMP) e procurador da Justiça Criminal, a população tem se equivocado ao imaginar que estará segura na presença de uma arma. "Quanto mais armas, maior a possibilidade de gerar violência, mais pessoas vão morrer se isso acontecer", indica.
Além disso, um outro problema preocupa: o armamento comprado de forma legal pode acabar na criminalidade. Conforme Angeli, nos últimos dois anos houve um aumento na comercialização e isso causou estatisticamente maiores níveis de homicídio. "Armas envolvidas em crimes como assaltos e latrocínios muitas vezes foram, em algum momento, de pessoas que insiste-se em se chamar de "cidadãos de bem", e esse é o risco que se corre", avalia.
Pizato acrescenta ainda que pesquisas do Ipea e do Instituto Sou da Paz com o Ministério Público de São Paulo mostram que cerca de 40% das armas apreendidas de forma irregular foram fabricadas no País e comercializadas de forma legal, acabando na mão de criminosos.

Como a legislação de armas é e como ela pode ficar

Posse e registro de arma de fogo e munições
Como é hoje?
Civis podem ter até seis armas desde que declarados: I) efetiva necessidade; II) não possuir antecedentes criminais ou estar respondendo a processos criminais ou inquéritos policiais; III) ocupação lícita; IV) residência certa; V) capacidade técnica; VI) aptidão psicológica e idade mínima de 25 anos. Civis podem comprar o limite de 50 munições por arma por ano. Renovação do registro a cada três anos.
Como é com o substitutivo do PL nº 3.722/2012?
Civis podem ter até seis armas (não há necessidade de demonstrar efetiva necessidade, seja para compra da primeira arma, seja para as demais). Civis podem comprar o limite 100 munições por arma por ano e também 300 unidades mensais de cartuchos de caça e calibre 22. Idade mínima de 21 anos para compra de armas. Registro válido por tempo indeterminado. Requerente não pode ser condenado por crime doloso, mas caso esteja sendo investigado por qualquer crime, inclusive homicídio, poderá comprar arma de fogo.
Porte
Como é hoje?
É proibido ao civil andar armado. O porte é concedido apenas em casos excepcionais, com justificativa. Licença de porte é restrita a algumas categorias e civis com efetiva necessidade e é renovada a cada cinco anos. Nesse momento, é preciso comprovar que o solicitante segue atendendo todos os requisitos (capacidade técnica, psicológica, idoneidade etc.)
Como é com o substitutivo do PL nº 3.722/2012?
Pessoas poderiam voltar a andar armadas nas ruas sem precisar comprovar necessidade. Idade mínima: 25 anos. Necessidade de 10h de curso prático de tiro. Necessidade de renovação a cada 10 anos. Há vedação genérica a que pessoas armadas entrem em estabelecimentos públicos. Não fica claro se pessoas poderão portar armas em restaurantes ou bares. Há previsão de regulação do porte de arma em transportes públicos, incluindo aviões. Idade mínima para porte para residentes em áreas rurais é 25 anos.
Órgãos responsáveis
Como é hoje?
Há centralização do controle. Exército - competência para as armas militares e de uso restrito. Polícia Federal - competência para controlar as armas de civis, Polícias Civis, guardas e empresas de segurança privada.
Como é com o substitutivo do PL nº 3.722/2012?
Compartilha competências da Polícia Federal, que fica obrigada a conveniar com os estados para a criação de órgãos executivos estaduais do Sistema Nacional de Armas. Instituições públicas podem emitir documento de porte a seus funcionários que detenham porte funcional. Retira competências regulamentares do Exército Brasileiro e as cristaliza na lei. Também prevê possibilidade de importação de armas de fogo pelos órgãos policiais sem que haja autorização do Exército.
Recarga de munições
Como é hoje?
Permitida a academias de polícia e guardas municipais. No entanto, o Decreto 5.123/2004, que regulamenta a Lei 10.826, determina que o Comando do Exército é o responsável pela regulação no que se refere à recarga por agremiações esportivas e empresas de instrução de tiro, colecionadores, atiradores e caçadores. Já a Portaria 51/2015, delimita as condições para a prática de recarga.
Como é com o substitutivo do PL nº 3.722/2012?
Recarga de munições autorizada para confederações e as federações de tiro, as agremiações de caça e de tiro, as escolas de tiro, as empresas de instrução de tiro, os atiradores, os caçadores, os instrutores de tiro, empresas de formação profissional de agentes de segurança privada e proprietários e trabalhadores maiores de 21 anos residentes na área rural.
Anistia para armas irregulares/ilegais
Como é hoje?
Prazo de sete anos para que os proprietários de armas as regularizem junto aos órgãos competentes.
Como é com o substitutivo do PL nº 3.722/2012?
Permite o registro de armas de fogo ilegais a qualquer tempo, bastando o requerente prestar uma declaração de que a arma é lícita, sem que haja necessidade de apresentar a arma.
Entrega Voluntária de Armas/Destruição de Armas
Como é hoje?
É instituída a perenidade da Campanha de Entrega Voluntária de Armas em que qualquer cidadão pode entregar uma arma de forma anônima e será indenizado pelo enorme ganho público da retirada de uma arma de circulação. Armas apreendidas devem ser devolvidas ao proprietário, doadas ou destruídas rapidamente.
Como é com o substitutivo do PL nº 3.722/2012?
Acaba com o anonimato da entrega.