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Jornal da Lei

- Publicada em 02 de Outubro de 2018 às 01:00

'No Judiciário, temos decisões, não necessariamente justiça'

Sergio Francisco Sobrinho é um dos 23 autores que debatem o caso no livro

Sergio Francisco Sobrinho é um dos 23 autores que debatem o caso no livro


ARQUIVO PESSOAL/DIVULGAÇÃO/JC
Laura Franco
O único condenado entre milhares de manifestantes que tomaram as ruas do Brasil por razões diversas, em junho de 2013, foi o jovem Rafael Braga. Morador de rua e negro, levava consigo dois frascos de produtos de limpeza, avaliados pela polícia como conteúdo explosivo. Para muitos especialistas, o caso é emblemático para entender a seletividade no Judiciário, e é esse debate que cerca o livro "Seletividade do sistema penal: o caso Rafael Braga". A obra é composta por 13 artigos de 23 pesquisadores. Em entrevista ao Jornal da Lei, um dos coordenadores do livro, o advogado Sergio Francisco Sobrinho, indica as razões para compreender uma seletividade na justiça e se há possibilidade de solução para esse problema.
O único condenado entre milhares de manifestantes que tomaram as ruas do Brasil por razões diversas, em junho de 2013, foi o jovem Rafael Braga. Morador de rua e negro, levava consigo dois frascos de produtos de limpeza, avaliados pela polícia como conteúdo explosivo. Para muitos especialistas, o caso é emblemático para entender a seletividade no Judiciário, e é esse debate que cerca o livro "Seletividade do sistema penal: o caso Rafael Braga". A obra é composta por 13 artigos de 23 pesquisadores. Em entrevista ao Jornal da Lei, um dos coordenadores do livro, o advogado Sergio Francisco Sobrinho, indica as razões para compreender uma seletividade na justiça e se há possibilidade de solução para esse problema.
Jornal da Lei - De onde data a origem dessa seletividade na Justiça? Percebe-se desde sempre?
Sergio Francisco Sobrinho - No Brasil e em várias partes do mundo, essa ideia do racismo ligado ao sistema penal ocorre desde sempre. O caso do Rafael Braga não é isolado. O que aconteceu com ele é o que ocorre diariamente no sistema de justiça criminal. Há estudos que mostram isso, e, dentro da nossa experiência como advogados e professores universitários, entende-se, a partir do olhar da criminologia crítica, que não se trata mais de uma determinada pessoa, mas de um determinado grupo de pessoas que é mais criminalizado que outros. Essa seletividade é mais que pessoal, é institucional. Por exemplo, no meu artigo, trabalho com a ideia institucional, que as instituições, por si só, trazem isso. Polícias, Ministério Público, essa questão da seletividade perpassa por isso. O que percebemos é um estado de exceção não declarado. O estado de exceção ocorre quando você suspende as regras válidas e atua de forma arbitrária, acontece nos momentos de conflito social. O que vivemos hoje, no Brasil, curiosamente, são vários momentos de estado de exceção. Temos regras democráticas, Constituição, só que, por conta dessa seletividade e necessidade de se punir e de se misturar conceitos religiosos e morais nas decisões, a justiça é feita a partir de critérios pessoais, e não a partir dos democráticos.
JL - Por que o caso do Rafael Braga é tão emblemático nesse sentido?
Francisco Sobrinho - O caso do Rafael Braga é "o caso perfeito para o sistema". Ele foi o único preso e condenado nas manifestações de 2013 e está no perfil ideal de criminalização: jovem, negro e da periferia. Isso é absolutamente normal no sistema. Ele foi preso porque era morador de rua, catador de lixo. Ele estava carregando frascos (um de Pinho Sol e um de água sanitária) quando dois policiais civis o prenderam alegando que estava com material explosivo. Pouco tempo depois, veio a condenação, mesmo com um laudo mostrando que o material não seria explosivo nem isolado, nem em conjunto. Ele se encaixa nesse perfil, o perfil do condenado. Rafael teve uma saída autorizada pela justiça e foi, novamente, preso quando estava em uma padaria comprando pão e os policiais, supostamente, o flagraram com algumas gramas de maconha. Foi condenado de novo. Dessa vez, a 11 anos de prisão por tráfico de drogas e organização criminosa. Foi vitimado diversas vezes, e isso é extremamente comum. Ele já tem a tendência natural de ser criminalizado, e, quando entra no sistema, essa tendência se agrava.
JL - Há possibilidade de se resolver essa seletividade? Essas resistências sociais possibilitam isso?
Francisco Sobrinho - Não existe possibilidade de se resolver isso. O que se pode ter é um horizonte de resistência para trazer esse debate à tona. Imaginar que isso, em algum momento, pode acabar, é difícil. Hoje, o discurso de ódio que fomenta essa seletividade está cada vez maior no âmbito político e social, e isso não deveria, mas tem impacto no Judiciário. O juiz deveria ser isento e imparcial, mas é uma pessoa como todas as outras, que tem ideologias, problemas, subjetividades e pode acabar as levando para as decisões. No Judiciário, temos decisões judiciais, não necessariamente justiça. Esses conflitos sociais estão desembocando lá.
 
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