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Jornal da Lei

- Publicada em 10 de Julho de 2018 às 01:00

Bom na letra, trágico na prática

Prisões brasileiras não atendem integridade física e moral dos presos

Prisões brasileiras não atendem integridade física e moral dos presos


SIDINEI JOSÉ BRZUSKA/DIVULGAÇÃO/JC
Igor Natusch
Em qualquer democracia, tudo começa pelo cumprimento da Constituição. Um conceito simples em seu enunciado, mas difícil de conciliar com boa parte dos problemas que assolam o Brasil, em especial, quando se observa a situação desastrosa das casas prisionais. Estabelecido a partir da Constituição de 1988 como um dos alicerces do ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da dignidade humana passa longe de prisões superlotadas, onde réus primários ainda não julgados dividem espaço com condenados perigosos e reincidentes, e nas quais, não raro, o Estado simplesmente não entra, com galerias sob total controle de facções criminosas.
Em qualquer democracia, tudo começa pelo cumprimento da Constituição. Um conceito simples em seu enunciado, mas difícil de conciliar com boa parte dos problemas que assolam o Brasil, em especial, quando se observa a situação desastrosa das casas prisionais. Estabelecido a partir da Constituição de 1988 como um dos alicerces do ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da dignidade humana passa longe de prisões superlotadas, onde réus primários ainda não julgados dividem espaço com condenados perigosos e reincidentes, e nas quais, não raro, o Estado simplesmente não entra, com galerias sob total controle de facções criminosas.
No artigo 5º da Constituição, são estabelecidos os direitos fundamentais que devem nortear a aplicação das leis em todos os entes da Federação. Entre eles constam o cumprimento de pena em estabelecimentos diferenciados pela gravidade do delito (inciso XLVIII), o respeito à integridade física e moral dos presos (XLIX) e a garantia de que o cidadão brasileiro não perderá a liberdade ou os bens sem o devido processo legal (LIV). Mais do que uma questão exclusiva das pessoas encarceradas, a dificuldade de atender a esses padrões básicos coloca em xeque a capacidade da Carta para regular a sociedade, e põe o Brasil na contramão do que vem sendo construído, há, pelo menos, 80 anos, pela comunidade internacional.
De acordo com o advogado Vitor Monacelli Fachinetti Junior, professor de Direito Penal na Universidade de Mogi das Cruzes e membro do Conselho Penitenciário do Estado de São Paulo, a primazia da pessoa, com foco na dignidade humana, é um conceito diretamente ligado à derrota dos movimentos fascistas na Itália e do nazismo alemão, no contexto da Segunda Guerra Mundial. Ainda que tenham chegado ao poder em seus países de origem sob o manto da legalidade, essas ideologias restringiam, de forma profunda, a liberdade e os direitos básicos de grandes parcelas da população - e é como reação a esses desmandos que se consolidam, no período pós-guerra, as grandes organizações internacionais de direitos humanos.
Em 1948, surge a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que acolhe conceitos fundamentais, opostos aos regimes autoritários. Entre eles estão a universalidade (as garantias se aplicam a todos os indivíduos, sem qualquer distinção); a indivisibilidade (os direitos do cidadão não podem ser vistos isoladamente, mas como parte de um todo e dependentes uns dos outros para o efetivo cumprimento); a imprescritibilidade (direitos humanos não perdem a validade com o passar do tempo); e a vedação do retrocesso (nenhuma reforma jurídica ou constitucional pode limitar o alcance ou o acesso a direitos fundamentais).
Diante dessa onda de valorização da dignidade humana, os legisladores brasileiros não se mostraram impassíveis. "O Brasil, necessariamente, por força dos tratados internacionais, adotou, em 1988, a dignidade humana como premissa. Antes, tais garantias eram timidamente expressas em regras processuais e leis esparsas, e resguardadas por poucos julgados", explica Fachinetti.
A partir da segunda metade dos anos 1980, também se fortalece um movimento internacional que, usando a Declaração Universal de Direitos Humanos como norte, busca minimizar os efeitos das penas sobre as pessoas encarceradas. Em 1990, um congresso da Organização das Nações Unidas estabeleceu as chamadas Regras de Tóquio, que estimulam o emprego de medidas não privativas de liberdade e a adoção de garantias mínimas para as pessoas-alvo desse tipo de punição. Indo em direção semelhante, a Constituição de 1988, no artigo 5º, parágrafo 1º, determina a aplicação imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais. Ou seja, não é preciso esperar a decisão de um juiz para garantir, a todos que residem no País, o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
Na visão de Vanessa Chiari Oliveira, advogada e professora de Direito Penal da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), o texto constitucional em vigor no Brasil atende bem aos anseios internacionais de proteger o indivíduo de crueldades e desmandos. "Nossa Constituição é extremamente preocupada com os direitos da pessoa encarcerada, por exemplo, e isso decorre não só da vontade do legislador constituinte, mas também da disposição em aderir a esse cenário de proteção dos direitos humanos e de restrição aos autoritarismos de origem estatal."
Segundo ela, todos os princípios estabelecidos nos primeiros cinco artigos da Constituição brasileira são "extremamente adequados", sintonizados com textos semelhantes das mais civilizadas sociedades do planeta. "Me parece que, em especial, os dispositivos constitucionais que constam no artigo 5º, que se preocupam com a execução da pena, são muito interessantes. No que diz respeito, especificamente, à pessoa encarcerada, nosso texto proíbe a pena de morte, proíbe trabalhos forçados e qualquer tipo de pena cruel. Proíbe, inclusive, a prisão perpétua, e nisso ele é até mais humanizado do que o próprio Tribunal Penal Internacional, que admite esse tipo de pena", acentua.
 
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