Em um extenso e detalhado despacho, a juíza federal substituta Thais Helena Della Giustina pode ter acelerado o desfecho do impasse na desocupação total da Vila Nazaré e a retomada das obras para completar o
projeto de ampliação da pista do aeroporto de Porto Alegre, o Aeroporto Internacional Salgado Filho.
Foram concluídos os 920 metros da ampliação da pista operacional, elevando de 2.280 metros para 3.200 metros a extensão total. Mas falta a área de segurança, a chamada Resa, que engloba o terreno da Nazaré e é condição para habilitar o novo traçado. A ampliação permitirá o pouso de aeronaves maiores, impulsionando Porto Alegre na rota internacional de passageiros e transporte de cargas. O setor enfrenta
queda de fluxo e redução de voos devido à pandemia.
A juíza substituta decidiu nessa terça-feira (20) que parte das famílias que ainda permanecem na área, vizinha ao atual aérodromo e próxima à avenida Sertório, na Zona Norte da Capital, e que não serão transferidas ao loteamento erguido pela prefeitura receberão pagamento equivalente ao valor do bônus-moradia municipal para adquirir seus imóveis e se mudar.
Segundo o Departamento Municipal de Habitação (Demhab), havia 69 famílias no local em em 15 de abril. Cerca de 40 delas podem ser beneficiadas. O valor é de R$ 78.889,65.
Poderão receber o dinheiro, segundo o despacho, somente as famílias que não preencheram os requisitos do programa Minha Casa Minha Vida para ocupar apartamentos no Loteamento Irmãos Maristas, com riscos a suas vidas devido a questões ligadas ao tráfico e segurança pública, já documentados e que não tiveram moradia reconhecida pela prefeitura na Nazaré. Também pendências de documentos poderão se enquadrar.
As definições da juíza foram feitas dentro do processo da ação civil pública movida pelos Ministérios Públicos Federal (MPF) e Estadual (MP-RS) e Defensorias Públicas do Estado e da União, impetrada em julho de 2019, que questiona vários aspectos da transferência e as responsablidades da concessionária, que assumiu a gestão e os investimentos no aeroporto por 25 anos, que podem ser renovados por mais cinco anos.
A magistrada solicitou que a Defensoria do Estado analise com urgência casos que aguardam álvaras de tutela e de curatela para definir a realocação.
Os pagamentos devem ser bancados pela Fraport, mas a juíza não chega a indicar claramente esta orientação no despacho. A magistrada definiu que o depósito deve ser feito em juízo em até 30 dias. A desocupação das moradias deve ocorrer no mesmo prazo e, depois disso, o valor será liberado.
A quitação pela empresa seguiria o que já vem ocorrendo na apreciação de ações individuais contra as famílias feita pela própria Thais nas últimas duas semanas e movidas pela Fraport, desde o fim de 2020 devido à demora nas remoções. São ações de reintegração de posse.
Em nota, a Fraport informou que "tem a intenção de acatar" os valores definidos na ACP e nas ações individuais. A empresa diz que as definições, incluindo prazos para cumprimento, "são importantes para o andamento do projeto".
Além disso, os moradores também ingressaram com ações buscando indenização para a saída e alegando não se enquadrarem nos critérios para ocupar o Irmãos Maristas ou porque as construções não atendem às suas necessidades.
Uma das teses dos autores da ação civil púbila é que a concessionária deveria custear as moradias, mas a empresa, de capital alemão, contrapõe que cabe a ela apenas a realocação, prevista no contrato com a Agência Nacional de Aviação (Anac).
Com a demora nas remoções, agravada na pandemia, a Fraport acabou aceitando custear os valores. Em 2019, a concessionária acertou repasse de recursos, estimados em R$ 30 milhões, para melhorias em equipamentos públicos, como escola e posto de saúde, no loteamento. A verba não foi considerada como parte do compromisso do contrato com a Anac.
Em janeiro, a atual gestão na prefeitura chegou a
criar uma força-tarefa para tentar agilizar as remoções. Foram transferidas 41 famílias, mas a intenção de concluir em dois meses a transferência para poder liberar a execução da Resa não foi possível devido às especificidades ligadas aos ocupantes da área.
A juíza negou o pleito dos autores da ação para pagamento de R$ 150 mil a R$ 178 mil por família que não fosse transferida, dependendo do número de integrantes, faixa aplicada nas obras da segunda ponte do Guaíba. Segundo a magistrada, são empreendimentos diferentes e que não tiveram as mesmas definições na contratação.
A procuradora substituta da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, Ana Paula Machado de Medeiros, disse que "a solução indenizatória é adequada, mas o valor é discutível" e adiantou que está em avaliação eventual recurso à decisão da Justiça. Sobre o pagamento, a percepção é que deve ser feito pela concessionária, devido ao precedente das ações individuais. A procuradora reforça ainda:
"O MPF não defende a permanência das famílias no local, mas sim que lhes sejam assegurados os direitos a moradia, trabalho, saúde, educação e segurança. Sempre defendemos que tivessem uma alternativa aos empreendimentos Maristas e Bom fim, não aceitos por parte das famílias por diversas e justificadas razões".