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Passageiros

- Publicada em 25 de Agosto de 2020 às 03:00

Abertura de transporte interestadual deflagra guerra judicial

Com a mudança, não há necessidade de intervenção do poder cedente e a tarifa é praticada livremente

Com a mudança, não há necessidade de intervenção do poder cedente e a tarifa é praticada livremente


GERV/ABR/JC
O transporte interestadual de ônibus começou a viver uma nova fase de abertura de mercado desde dezembro do ano passado, quando o governo publicou um decreto presidencial para facilitar a entrada de novas empresas no setor, ampliando a concorrência, os destinos de viagens e o preço das tarifas. Nove meses depois do decreto, a mudança começa a mostrar resultados, mas o setor acabou convertido em campo de batalha judicial.
O transporte interestadual de ônibus começou a viver uma nova fase de abertura de mercado desde dezembro do ano passado, quando o governo publicou um decreto presidencial para facilitar a entrada de novas empresas no setor, ampliando a concorrência, os destinos de viagens e o preço das tarifas. Nove meses depois do decreto, a mudança começa a mostrar resultados, mas o setor acabou convertido em campo de batalha judicial.
Dados da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável por regular e fiscalizar o transporte interestadual, apontam que, em nove meses, as mudanças já são alvos de 22 ações judiciais movidas por empresas e associações do setor, medidas que incluem uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). O governo já venceu em 18 ações e foi derrotado em apenas uma. Outras três seguem em tramitação.
O governo evita falar sobre o assunto, mas vê com preocupação as tentativas do setor em derrubar as mudanças. O Ministério da Infraestrutura, que é o principal defensor das mudanças que passaram a vigorar em dezembro, enfrenta um lobby pesado das empresas dentro do Congresso. Elas tentam derrubar o decreto presidencial.
Pelo regime que vigorava até então, as empresas de ônibus atuavam por meio de um "regime de permissão" dado pela ANTT, que exigia a atuação do governo para garantir o equilíbrio dos contratos, regulando as tarifas e os serviços (itinerário e frequência). Com a mudança, não há necessidade de intervenção do poder cedente para manter esse equilíbrio e a tarifa é praticada livremente, com liberdade de itinerário e frequência. A concorrência, portanto, ocorre nos mercados.
O governo alega ainda que a prestação de serviços favorecia a formação de monopólios. O decreto passou a estabelecer que a prestação de serviços não tem mais limites por empresas, aumentando a concorrência criando oportunidades para novos mercados. A atuação passa a se dar por meio de manifestação de interesse, comprovadas as condições mínimas de prestar os serviços. Além disso, os próprios interessados avaliam os riscos e as oportunidades de empreender em determinado trecho. Basicamente, é dessa forma que funciona hoje, por exemplo, a concessão de terminais portuários privados.

Reação de quem atua no setor

As empresas que atuam no setor, porém, afirmam que as medidas precarizam a prestação de serviços e querem derrubar as mudanças. Senadores tentaram deliberar - em votação simbólica - no dia 6 de agosto um projeto que pode inviabilizar o modelo atual. De autoria do senador Weverton Rocha (PDT-MA) e relatado pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO), o projeto de decreto legislativo (PDL) tem a missão específica de derrubar o decreto editado pelo Executivo no fim do ano passado. A votação, que acendeu um alerta no governo, acabou sendo suspensa.
Pelos dados da ANTT, desde que o setor foi aberto, 27 novos destinos já foram aprovados pela agência. O potencial de crescimento do setor é exponencial. O Brasil tem hoje cerca de 40 mil destinos interestaduais em viagens de ônibus, com 187 empresas que atuavam no setor. O número de municípios atendidos por linhas regulares é de 2.060. Segundo levantamento da ANTT, caso todas as autorizações acumuladas na agência entrassem em vigor, o setor viveria uma revolução, com cerca de 90 mil destinos, atuação de 260 empresas e cobertura de 2.585 cidades.
Essa não é a versão das empresas do setor. O diretor executivo da Associação Nacional das Empresas de Transporte Rodoviário de Passageiro (Anatrip), Clayton Vidal, afirma que o governo, ao estabelecer que a outorga de prestação regular do serviço seja concedida mediante simples autorização, passa a permitir que as viagens sejam feitas "às margens, portanto, de qualquer controle ou seleção pelo Estado".
Segundo o executivo da Anatrip, que representa 21 empresas do segmento, o cenário atual permite "a abertura completa desse mercado à iniciativa privada e, consequentemente, a submissão dos usuários ao risco de precarização ou, até mesmo, a paralisação dos referidos serviços, e sem a ampla participação popular na discussão desse assunto e, consequentemente, sem a análise do impacto regulatório, previsto em lei".
 

Causas e efeitos da medida segundo a Anatrip

A Associação das Empresas de Transporte Rodoviário de Passageiros - Anatrip enumera diversas consequências que, em seu entendimento, são causadas pelo decreto presidencial, como restrição aos direitos dos usuários, por causa do reflexo direto na qualidade dos serviços prestados.
Também preocupa a limitação do direito de locomoção dos idosos, das pessoas portadoras de deficiência, e dos estudantes, devido à extinção dos direitos relacionados ao passe livre.
Outro reflexo apontado pela Anatrip é o fim do caráter de regularidade do serviço, pois as empresas passarão a realizar as viagens só depois que a lotação assegurar a sua rentabilidade. A associação afirma ainda que a obrigação das empresas de fazerem a contínua renovação de suas frotas de ônibus seria extinta.
Os empresários criticam ainda a afirmação de que promovem um monopólio no setor. Argumentam que, em 2.014, o sistema interestadual era operado por 168 empresas, por meio de 54.766 ligações e transportava 99 milhões de passageiros por ano.
Dados de 2018 mostram que o sistema era operado por 217 empresas, com 89.137 ligações e transporte 84 milhões de passageiros.
"Embora a demanda de passageiros tenha diminuído cerca de 16%, a oferta de serviço aumentou 62% e a quantidade de operadores, também aumentou cerca de 30%", diz Clayton Vidal.
A Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati), que também representa as empresas, declarou que "confia na capacidade de diálogo e construção dos Poderes Legislativo e Executivo em formatar o regime jurídico que atenda aos anseios da sociedade, aos direitos e à segurança dos passageiros".
Segundo a associação, "o Brasil passa por um momento de enormes desafios e a segurança jurídica e previsibilidade regulatória são valores irrenunciáveis para que haja investimentos e preservação de empregos".