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Contas públicas

- Publicada em 23 de Dezembro de 2019 às 16:13

Contencioso tributário brasileiro ultrapassa 50% do PIB

Receita vem aumentando a fiscalização de grandes contribuintes e o resultado impacta na arrecadação

Receita vem aumentando a fiscalização de grandes contribuintes e o resultado impacta na arrecadação


JOEL SANTANA/FOTOS VIA PIXABAY/DIVULGAÇÃO/JC
O estoque de crédito tributário contencioso da União, composto por crédito tributário da Receita Federal do Brasil (RFB) e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), alcançou R$ 3,4 trilhões em 2018, segundo dados do Balanço Geral da União. Esse valor é superior às receitas realizadas pela União e atingiu 50,5% do PIB em 2018. Se arrecadado, tornaria o patrimônio líquido da União positivo - número que desde 2015 encontra-se negativo.
O estoque de crédito tributário contencioso da União, composto por crédito tributário da Receita Federal do Brasil (RFB) e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), alcançou R$ 3,4 trilhões em 2018, segundo dados do Balanço Geral da União. Esse valor é superior às receitas realizadas pela União e atingiu 50,5% do PIB em 2018. Se arrecadado, tornaria o patrimônio líquido da União positivo - número que desde 2015 encontra-se negativo.
O levantamento faz parte do estudo "Os Desafios do contencioso tributário no Brasil". O mapeamento dos principais desafios desta prática no Brasil e as potenciais medidas mitigadoras foi elaborado pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO) e pela EY. O levantamento considera alguns aspectos relevantes do contencioso em comparação com outros países, como Alemanha, Austrália, Estados Unidos, Índia, México e Portugal, e indica em que soluções o País pode se inspirar.
Conforme o presidente do ETCO, Edson Vismona, é impressionante o volume financeiro que está sendo objeto de discussão nas vias administrativas e judiciais. "Não há parâmetro no mundo. Esse enorme montante dificilmente será recebido pela União, pois, além do principal, tem acrescido multas, juros, correção. Essa situação é dramática. O erário necessita desesperadamente de recursos e o contribuinte de boa-fé, que é maioria, deseja ter sua situação fiscal em ordem, ou seja, é algo totalmente irreal", enfatiza.
Segundo Vismona, "para o Brasil atrair investimentos, crescer e prestar os serviços públicos à população, é preciso que o estado arrecade os impostos que lhe são devidos e as empresas tenham segurança em relação às normas tributárias vigentes". "Hoje, o País enfrenta dificuldades em ambas as direções, o que compromete o desenvolvimento dos negócios", afirma Vismona.
Ainda segundo o executivo, a relação do fisco brasileiro com o contribuinte precisa mudar. "O governo não pode considerar os contribuintes de boa e de má fé da mesma forma. Hoje, já existem mecanismos elaborados para a identificação dos chamados devedores contumazes e é preciso que haja uma diferenciação no tratamento dos casos", completa Vismona.
Para a sócia da EY (Ernst & Young), Érica Perin, compreender o contencioso tributário do Brasil é importante tanto para os contribuintes quanto para o governo. "O alto estoque de crédito das autuações têm impactos no orçamento tributário, a morosidade na solução dos litígios e as estratégias da fiscalização para a eficiência dos entes federativos, na atividade empresarial e, de modo geral, na vida dos contribuintes", afirmou Érica.
O estudo revelou, ainda, que a conclusão de um processo de contencioso tributário no Brasil leva em média 18 anos e 11 meses, quando somadas as etapas administrativas e judiciais. O tempo foi calculado a partir de dados do Relatório Anual de Atividades de 2017 da RFB, de relatório sobre julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), disponibilizado pelo órgão em 2015 por ocasião da Operação Zelotes e do Relatório Justiça em Números de 2017 e 2018 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Nos últimos anos, a Receita Federal vem aumentando o foco na fiscalização de grandes contribuintes, que representaram 68,62% das autuações em 2016 e passaram a 82,05% em 2018. Por um lado, essa estratégia tem impacto na arrecadação. Em 2018, a investigação de 1.882 distorções de arrecadação relacionadas aos maiores contribuintes gerou um resultado de R$ 27,52 bilhões à Receita - um valor recorde para esse grupo específico.
Por outro lado, ela contribui para o aumento do contencioso e seu peso no balanço das empresas. As demonstrações financeiras de sociedades anônimas de capital aberto mostram uma alta representatividade do contencioso tributário nesse grupo de empresas. Em alguns casos, ele chega a ultrapassar o valor de mercado da companhia.
Os reflexos disso na sociedade e no ambiente de negócios brasileiros é enorme. "Os valores lançados nos autos de infração são declarados nos balanços e oneram as empresas, pois ficam em suspenso, afetando seu crédito e impondo, inclusive, a necessidade de obter fianças bancárias", destaca Vismona.
Ele salienta, ainda, que todo esse processo gera, além de prejuízos financeiros, uma grande insegurança jurídica. "Ninguém de boa - fé deseja ter essas pendências, que chegam em média há 19 anos de discussão", lamenta o especialista.

ETCO recomenda que o Brasil se inspire nas boas práticas de outros países

Adoção de mediação é uma das formas de evitar ações na Justiça

Adoção de mediação é uma das formas de evitar ações na Justiça


/OKAN CALISKAN VIA PIXABAY/DIVULGAÇÃO/JC
A experiência e as práticas adotadas em outros países apontam caminhos que podem orientar uma reforma para dar mais segurança jurídica e reduzir a geração de contencioso no nosso sistema tributário. O estudo analisou seis países mais bem posicionados do que o Brasil (80º colocado) no ranking do Relatório de Competitividade Global 2017/2018 do Fórum Econômico Mundial e a conclusão é que, pelos exemplos de outros países devemos, o Brasil deve "urgentemente, rever o processo tributário no Brasil", diz Edson Vismona, da ETCO.
Foram feitas comparações com Estados Unidos (2º), Alemanha (5º), Austrália (21º), Índia (40º), Portugal (42º) e México (51º), escolhidos por apresentar modelos distintos de soluções de conflitos ou por sua influência direta (Portugal) ou semelhanças econômicas com o Brasil (México). A Índia foi incluída por também demonstrar alto nível de litigiosidade entre o fisco e os contribuintes e por não ter atacado esse problema na profunda reforma tributária realizada em 2017.
Todos os países pesquisados incentivam a busca de uma solução o início do processo, inclusive com a adoção de mediação, conciliação e arbitragem. Facilitando o rápido pagamento e não deixando intermináveis discussões. "Esse é o caminho. Iniciativas como a Lei dos Conformes do Estado de São Paulo e a recente MP 899/19, chamada de MP do Contribuinte Legal, são indicativos desse caminho, alerta o especialista.
Para mudar de patamar, o Brasil precisa enfrentar uma das principais razões que explicam o alto grau de litígio no País: o grande número de mudanças nas regras referentes aos impostos. Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação e citado no trabalho da EY contabilizou 390.726 normas tributárias federais, estaduais e municipais criadas entre 1988, ano de promulgação da Constituição Federal, e 2018. Uma média de 774 normas por dia útil - ou 1,92 por hora.
Os tributos representam o principal fator de insegurança jurídica das empresas brasileiras, de acordo com estudo feito pela FGV em balanços de 2014 de companhias de capital aberto. Para se ter uma ideia, naquele ano, os valores discutidos em processos de natureza fiscal somavam mais de R$ 283 bilhões.
 

O que incluem as boas práticas dos países pesquisados

Alemanha
Favorece o diálogo entre o Fisco e o contribuinte durante a fiscalização, possibilitando acordos informais que previvem a geração de contencioso.
Austrália
Oferece amplo espaço para defesa e negociação entre o contribuinte e o Fisco na fase de recurso administrativo, incluindo mediação, avaliação do caso, conciliação, conferência e avaliação neutra.
Estados Unidos
Possibilita acordo antes ou depois da emissão do auto de infração, com processos rápidos de mediação e de arbitragem independente de conflitos.
Índia
Possui mecanismos alternativos para a solução de conflitos em casos complexos, mas a judicialização, que não foi alvo da reforma tributária em 2017, segue elevada. No total, os processos tributários podem durar até 31 anos.
México
Permite a negociação entre o contribuinte e o Fisco ainda durante a fase de fiscalização, autorizando a celebração de acordo conclusivo.
Portugal
Disponibiliza sistema de arbitragem ao contribuinte logo após a emissão do auto de infração.
Fonte: ETCO
 

Buscar soluções no início do processo é fundamental

Edson Vismona, presidente do ETCO Crédito ETCO Divulgação

Edson Vismona, presidente do ETCO Crédito ETCO Divulgação


/ETCO/DIVULGAÇÃO/JC
O presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial destaca que as empresas também devem concentrar todos os esforços para antes de qualquer autuação fiscal. Com toda a transparência e legalidade, as organizações devem identificar exatamente o que é devido e procurar o pagamento e não deixar para agir depois da autuação realizada.
"Devemos alterar a relação do fisco com o contribuinte, procurando essa definição do eventual montante devido com objetividade logo no início do apontamento e não no final", diz Vismona. Além disso, ele sugere que seja feita uma auditoria do montante em contencioso tributário.
Uma possibilidade, segundo ele, seria verificar o que é principal - "acredita-se que seja em torno de R$ 900 bilhões", e realizar um acordo em parcelas. "Por exemplo, se esse montante fosse pago em dez anos, o erário teria R$ 90 bilhões por ano, o mesmo que a reforma previdenciária deve economizar. Teria um impacto muito significativo. Do jeito que está esse passivo só vai aumentar prejudicando todos, fisco e contribuintes", destaca.
O estudo aponta que o valor anual dos créditos lançados pela Receita Federal em seus procedimentos de fiscalização aumentou 68% em 2017, em comparação ao ano anterior. Em 2018, houve crescimento das autuações que resultaram em Representações Fiscais para Fins Penais (29,48% do total contra 25,42% um ano antes), com aplicação de multa aprovada (em dobro).
Esses números coincidem com a ampliação das obrigações acessórias e outros métodos de monitoramento de grandes contribuintes e com a entrada em vigor da Lei nº 13464/2017, que instituiu bônus de produtividade aos fiscais. No caso das multas agravadas, o histórico dos julgamentos nas esferas administrativa e judicial é mais favorável aos contribuintes, como mostrou estudo realizado pela Associação Brasileira de Jurimetria em 2014: elas foram mantidas em 36% e derrubadas em 45% dos casos - os demais tiveram resultados parciais.
 

Principais fatores que contribuem para o alto grau de litigiosidade do sistema tributário brasileiro

  • complexidade da legislação
  • quantidade de obrigações acessórias
  • extensão do território e das fronteiras do País
  • carga tributária elevada
  • aspectos relacionados às penalidades, à correção da dívida fiscal e aos programas de regularização tributária que acabam tornando a via contenciosa uma alternativa de financiamento empresarial
Fonte: Estudo Os Desafios do contencioso tributário no Brasil
 

Reforma tributária pode ajudar a diminuir a burocracia

A reforma tributária em tramitação no Congresso que prevê a criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) em substituição a cinco tributos cobrados atualmente (PIS, Cofins e IPI, de competências federais; ICMS, de competência estadual; e ISS, municipal) e a unificação da alíquota para todos os bens e serviços pode ajudar a diminuir as discussões ao reduzir a complexidade tributária. Para o presidente do ETCO, simplificar e desburocratizar são medidas necessárias e urgentes.
Para Vismona, reformar substancialmente o processo tributário é urgente. "O Brasil não pode continuar sobrevivendo com esse passivo fiscal de trilhões de reais, que só aumenta. O Fisco precisa receber e o bom contribuinte quer pagar", reflete Vismona.
Para o especialista, a atual situação vivida no País é anacrônica e só beneficia os chamados devedores contumazes, que se estruturam para não pagar impostos, gerando lucros abusivos que pervertem a concorrência leal e causam enormes prejuízos ao fisco. "Para estes, a situação atual é a melhor, pois fica discutindo por anos empurrando qualquer pagamento", adverte.
Contudo, para que a reforma venha para melhor é preciso que sua essência seja preservada. "Resta saber se essas propostas de reforma tributária não irão ocasionar mais disputas, agravando a situação dramática que temos.