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Economia

- Publicada em 24 de Janeiro de 2019 às 00:05

O que é preciso mudar na lei para impulsionar a recuperação judicial

Medeiros aponta medidas que criariam melhores condições para ajudar empresas em crise

Medeiros aponta medidas que criariam melhores condições para ajudar empresas em crise


MARCELO G. RIBEIRO/JC
Patrícia Comunello
Depois de 13 anos em vigor, a lei de recuperações e falências precisa de ajustes. Entre as mudanças necessárias, está a inclusão de todos os créditos tributários e de alienação fiduciária, defende o advogado João Adalberto Medeiros Fernandes Júnior, que atua na assessoria de empresas que encaram a recuperação e no posto de administrador judicial. Medeiros também considera crucial mudar a cultura empresarial sobre o uso do mecanismo. Nem sempre a luz amarela das dificuldades é acesa ou percebida no momento adequado pelos donos do negócio, adverte o advogado, que presidiu a Comissão de Falências e Recuperações Judiciais da OAB-RS entre 2016 e 2018. Com know how de fazer parte de escritório que acompanha mais de 50 processos de recuperação, entre eles o maior do Rio Grande do Sul, que é o da Ecovix, e 300 de falências, duas frentes que somam passivos de mais de R$ 10 bilhões, o advogado aponta a transparência das informações como fator que elevará a maturidade no uso do mecanismo. Este item mais incentivos a aportes de investidores já integram propostas que tramitam no Congresso Nacional. Em 2018, o Rio Grande do Sul somou 140 pedidos de recuperação, ante 162 de 2017, mas a busca do instrumento disparou em dezembro, com 30 pedidos, segundo a Serasa. Já solicitações de falência chegaram a 91, ante 62 do ano anterior.
Depois de 13 anos em vigor, a lei de recuperações e falências precisa de ajustes. Entre as mudanças necessárias, está a inclusão de todos os créditos tributários e de alienação fiduciária, defende o advogado João Adalberto Medeiros Fernandes Júnior, que atua na assessoria de empresas que encaram a recuperação e no posto de administrador judicial. Medeiros também considera crucial mudar a cultura empresarial sobre o uso do mecanismo. Nem sempre a luz amarela das dificuldades é acesa ou percebida no momento adequado pelos donos do negócio, adverte o advogado, que presidiu a Comissão de Falências e Recuperações Judiciais da OAB-RS entre 2016 e 2018. Com know how de fazer parte de escritório que acompanha mais de 50 processos de recuperação, entre eles o maior do Rio Grande do Sul, que é o da Ecovix, e 300 de falências, duas frentes que somam passivos de mais de R$ 10 bilhões, o advogado aponta a transparência das informações como fator que elevará a maturidade no uso do mecanismo. Este item mais incentivos a aportes de investidores já integram propostas que tramitam no Congresso Nacional. Em 2018, o Rio Grande do Sul somou 140 pedidos de recuperação, ante 162 de 2017, mas a busca do instrumento disparou em dezembro, com 30 pedidos, segundo a Serasa. Já solicitações de falência chegaram a 91, ante 62 do ano anterior.
JC Contabilidade - Os pedidos de recuperação judicial cresceram no fim de 2018 e o de falências no ano frente a 2017. O que este quadro mostra sobre o uso desses mecanismos?
João Adalberto Medeiros Fernandes Júnior - O aumento dos pedidos de recuperação no fim do ano é comum, principalmente pelo efeito do 13° salário no caixa das empresas que já enfrentam dificuldades financeiras. Já os pedidos de falência são provenientes da crise política e econômica que assola o Brasil nos últimos anos. Além destes elementos nefastos, 2018 ainda foi agravado pela greve dos caminhoneiros e o período eleitoral. Tivemos um pico em 2008 e 2009 de processos de recuperação e recrudescimento em 2016, 2017 e 2018. Não dá para ignorar que, entre 2013 e 2015, as empresas tomaram crédito muito facilmente e depois sofreram quando os bancos enxugaram a oferta. Quem estava neste ciclo vicioso, dependendo desse crédito, enfrentou problemas. Como a engrenagem trancou, empresas tiveram de buscar um mecanismo para gerir a situação financeira, como a recuperação judicial.
Contabilidade - Em 2019, o quadro muda?
Medeiros - As eleições trouxeram ânimo, independentemente de viés político. Não vamos decolar em 2019, mas há sinais de recuperação econômica. No começo deste ano, podemos ter rescaldo de uma crise mais longa, que exigirá ajustes, e, com isso, podem surgir mais casos de recuperação (e até falências). Mas os empresários têm mais conhecimento dos mecanismos e podem buscar mais cedo o expediente para superar problemas. A retomada da economia também pode criar melhores condição para a reestruturação do passivo das empresas. 
Contabilidade - O que leva uma empresa à Justiça?
Medeiros - É uma soma de fatores. Uma empresa com melhor planejamento de fluxo de caixa consegue superar períodos de crise, normais no ciclo dos negócios. Mas muitas se alavancaram demais, fizeram investimentos muitos fortes, apostando na perspectiva promissora do País. Escândalos como a Lava Jato, trouxeram também dificuldades maiores, rompendo o ciclo. Mas há empresas que não se planejaram para passar por estas oscilações ou não sabem trabalhar com planejamento econômico-financeiro.
Contabilidade - A recuperação é a melhor solução?
Medeiros - A lei está na pré-adolescência, por isso ainda não há informação correta do êxito de uma reestruturação empresarial. Eu diria que a recuperação judicial é um dos remédios possíveis para se usar na crise, mas há outros mecanismos de negociações e até recuperações extrajudiciais que podem ser utilizadas com prioridade. Depende de cada caso. 
Contabilidade - Quando a recuperação judicial deve ser buscada?
Medeiros - Muitas empresas tentam antes a via extrajudicial, mas, por algum motivo, como a recusa de credor, não é possível. A recuperação judicial estabelece um período onde as obrigações deixam de ser exigidas o que dá fôlego para que a empresa possa se refazer, estruturar seu plano de recuperação e promover as mudanças necessárias. É o momento de fazer o dever de casa. Mas a maior parte dos empresários acha que a recuperação judicial é o único remédio e não é. Ela é apenas um tipo de tratamento mais invasivo e, por vezes, mais efetivo. Muitas vezes, o único caminho, mas a decisão da sua utilização depende de uma série de variáveis que devem ser bem analisadas.
Contabilidade - As empresas fazem essa revisão de hábitos?
Medeiros - O empresário, muitas vezes, tem uma visão equivocada da recuperação, pois acha que vai entrar um administrador judicial para comandar sua empresa. Não é nada disso. Ele será o link entre a empresa, o juiz e os credores, dá transparência ao processo e fiscaliza as atividades. Isso é importante: a empresa está pedindo um auxílio ao Poder Judiciário, então precisa ser transparente sobre seu ativo e passivo e também quanto a situação do negócio. Muitos donos de empresas ou administradores têm uma barreira cultural, pois acham que o instrumento é suficiente e podem seguir fazendo a mesma coisa. Quem usa a recuperação dentro do que a lei se propõe, tem de fazer o dever de casa, que é reestruturar a operação. Por exemplo, se o que a empresa faz não tem mais mercado, vai ter buscar outro caminho, se reinventar. Nem sempre o empresário tem esse discernimento. Outra situação que precisa ser muitas vezes contornada é, que no curso da crise, emergem problemas societários que devem ser solvidos, sob pena de prejudicar o processo de reestruturação.
Contabilidade - E qual é a incidência dessas divergências nos casos que o senhor acompanha?
Medeiros - Lamentavelmente, na maioria dos casos. Quando os sócios ou acionistas percebem que a empresa esta em dificuldade, precisam se unir para superar a crise. Isto é muito importante. O advogado deve apresentar soluções, mas o empresário tem de estar aberto as sugestões. É como ir ao médico, ouvir as recomendações e não fazer nada. É essencial que os gestores aceitem e que contemporizem os problemas societários para superarem juntos a crise da empresa. 
Contabilidade - Os empresários seguem as soluções indicadas pelos advogados?
Medeiros - É uma pergunta difícil porque alguns seguem, mas outros não. Empresário, por natureza, é um sonhador, um visionário, por isso é um empreendedor. Muitas vezes espera por uma solução mágica, que venha um investidor, alguém que queira comprar a empresa ou parte dela e isso não é possível, especialmente pelo risco existente. Estas alternativas são legais e viáveis, mas devem ser utilizadas através do próprio plano de recuperação a ser aprovado pelos credores. Faz parte de um planejamento. Por menor que seja a crise, é importante buscar um especialista para diagnosticar o que está ocorrendo, se é problema de gestão, endividamento, mercado ou até de produto. A partir daí, pode-se utilizar os remédios legais e a medida em que devem ser ministrados.
Contabilidade - O repasse de informações é feito com profundidade e a contabilidade é aberta sem subterfúgios?
Medeiros - A gente parte do pressuposto de que uma empresa que busca a recuperação está em real crise, que não usará o instrumento para fraudar credores. A legislação, com acerto, é pesada nesses casos. Um processo de recuperação tem de ter bons profissionais, com expertise para fazer o diagnóstico da operação, além de juízes experientes e administradores judiciais com estrutura necessária. Por exemplo, uma das maiores dificuldades é atrair eventuais interessados em comprar ativos ou trazer dinheiro novo ao negócio. Por isso, é tão importante que quem estiver envolvido dê transparência aos números. Uma das exigências da lei é que o administrador judicial apresente mensalmente o relatório de atividades. É uma forma de mostrar ao magistrado do processo, credores e interessados o que está efetivamente acontecendo para conseguirem avaliar riscos e identificar as atitudes que estão sendo adotadas para a recuperação da empresa.
Contabilidade - Já vimos casos em que empresas estavam em recuperação e aí surge o pedido de falência, com impacto aos empregos. O que tem de pesar nesta hora: questões objetivas e técnicas ou o olhar social é importante?
Medeiros - Depois que há o ingresso do pedido de recuperação e o deferimento do processamento pelo juiz, há uma espécie de blindagem da empresa, que já se expôs ao mercado ao ingressar com a medida e precisa renegociar suas dívidas. Por isso, a lei lista as causas para a convolação (transformação automática) da recuperação judicial em falência, como a rejeição ou não apresentação do plano ou seu descumprimento. Estes critérios são objetivos, mas é importante que todos os envolvidos tenham consciência que o espírito da lei é de viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Dependendo do porte da empresa e de onde ela se situa, o impacto de uma falência tem efeitos nefastos na comunidade local e isso não é bom para ninguém.
Contabilidade - Qual é a estatística de empresas que conseguem recuperar e sair do processo?
Medeiros - Diria que 50% dos casos têm sucesso, mas a questão é o tempo que usam esse recurso. O mercado está mais aberto hoje, como os bancos que representam os maiores volumes de passivos, à negociação extrajudicial para reestruturar as dívidas. Os empresários começaram a usar mais esse instrumento, pois a via judicial gera transtornos. As instituições financeiras passaram, então, a chamar devedores para conversar, oferecendo mais prazo para alongar passivo e até taxas menores. Os bancos preferem negociar do que enfrentar um processo longo na Justiça.
Contabilidade - O fato da alienação fiduciária não ser alcançada pelo processo acelerou isso?
Medeiros - A lei impede que alguns créditos como os da alienação fiduciária sejam incluídos na recuperação judicial. Por isso, os bancos quase não usam mais a garantia real nos contratos, justamente para não correrem risco em eventual processo judicial. Mas o impacto disso é grande e é alvo hoje de discussões por especialistas. Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 10.220, que muda a atual legislação e traz inovações importantes, muitas fruto da jurisprudência desde a vigência da nova lei de recuperações e falências, que é de 2005, mas não procurou alterar nada em relação a isso.
Contabilidade - O que ficou de fora?
Medeiros - Se uma empresa está em dificuldades, todos os credores têm de ser submetidos ao processo, criando mecanismos que os coloquem em posições diferentes de acordo com as garantias que possuem e com a qualidade do crédito. Mas o projeto traz outro problema. Era o momento de estabelecer uma solução para os débitos tributários. No entanto, de acordo com o projeto de lei, além de não haver uma disciplina para a resolução do endividamento tributário, dá super poderes para a Receita Federal interferir no andamento do processo e até mesmo pedir a falência da empresa. Isso é nefasto. Por outro lado, a proposta amplia mais o alcance da recuperação judicial acrescentando produtores rurais entre aqueles que podem pedir recuperação judicial o que é muito bom diante da grave crise do setor. No entanto, o PL não está maduro e é fruto de muitas críticas pontuais.
Contabilidade - O senhor atua nos dois lados, ora como administrador judicial, ora como assessor jurídico das empresas em recuperação. Como é estar no outro lado lidando na defesa de quem busca o instrumento?
Medeiros - Ainda existe um problema cultural em relação à recuperação judicial que muitas vezes é vista como doença, quando na verdade é um remédio para a doença da empresa. O que acho interessante é que 99% dos empresários dizem: “Bah, porque não fiz isto antes, porque não tomei estas medidas antes?” Eles veem que é um mecanismo eficaz e que, se a doença se agravar, mais dificuldades terão. Então, quanto antes eles buscarem o tratamento, melhor.
Contabilidade - A exposição gerada pelo processo atrapalha?
Medeiros - Se atrapalhar é muito mais por desconhecimento, pois a visão geral é que, se está em recuperação judicial, é porque a empresa está falida. Mas não é nada disso. Não está falida. Está em processo de reestruturação. O empresário tem de abrir o coração (da empresa) e dar transparência a tudo. Se os credores identificarem que a empresa é viável e que a proposta de pagamento é satisfatória para os dois lados, eles vão dar seguimento ao negócio. Tem de mostrar a realidade e, em contrapartida, o que pode ser feito. Se o processo de recuperação for sério e transparente com os credores e o juiz, a chance de sucesso é muito grande.
Contabilidade - Como detectar que é a hora de analisar este instrumento?
Medeiros - Normalmente, o empresário começa a perceber o problema quando surge dificuldades de caixa. Mas muitas vezes a luz amarela tem de ser acesa a partir do momento em que o negócio em si não oferece uma margem tão boa como tinha ou deveria ter. Muitas vezes se percebe que a concorrência é grande, a empresa está muito alavancada, e, para conseguir se manter no mercado, acaba vendendo com margem muito baixa ou até com prejuízo, para fazer caixa e girar produtos. O melhor feeling é o do empresário. A partir do momento em que ele detecta problemas no dia a dia já deve buscar um especialista para fazer um diagnóstico.
Contabilidade - Quais mudanças na lei ajudariam as empresas a reverter as dificuldades?
Medeiros - A questão é complexa e envolveria uma série de fatores, mas citaria três mudanças que seriam bem-vindas e importantes. A primeira seria sujeitar todos os credores ao procedimento recuperacional, estabelecendo pesos de voto diferenciado de acordo com a qualidade do crédito e o tipo de garantia. A segunda é criar incentivo para atrair aporte de dinheiro novo para fomentar empresas em recuperação judicial. O recurso injetado teria de ter garantias efetivas de prioridade sobre os pagamentos frente aos outros credores. A lei brasileira não tem regras claras para este tipo de financiador, que é muito importante para ingresso de dinheiro novo durante a restruturação empresarial. Nos Estados Unidos, por exemplo, quem investe em uma empresa nessa condição recebe com prioridade o que investiu. A terceira medida é encontrar uma solução para os débitos tributários, como melhores condições de pagamento, que hoje, no âmbito Federal, é limitado a 84 parcelas, o que é muito pouco para quitar os passivos, especialmente porque a maioria dos débitos das empresas é com bancos e tributos.
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