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JC Contabilidade

- Publicada em 11 de Julho de 2018 às 01:00

Clubes e jogadores de futebol ainda têm dificuldades tributárias

Silva destaca a importância da governança corporativa e do compliance

Silva destaca a importância da governança corporativa e do compliance


/FBT/DIVULGAÇÃO/JC
Roberta Mello
Quem acompanha futebol ou assistiu à Copa do Mundo, percebe que a maior parte dos jogadores brasileiros está jogando no exterior. Paralelamente, acompanhamos notícias sobre atletas com problemas com a Receita Federal - na maior parte das vezes, porque abrem empresas no Brasil para gerir sua carreira, e não seguem todos os trâmites necessários para manter-se em conformidade.
Quem acompanha futebol ou assistiu à Copa do Mundo, percebe que a maior parte dos jogadores brasileiros está jogando no exterior. Paralelamente, acompanhamos notícias sobre atletas com problemas com a Receita Federal - na maior parte das vezes, porque abrem empresas no Brasil para gerir sua carreira, e não seguem todos os trâmites necessários para manter-se em conformidade.
O mesmo vem ocorrendo com clubes de futebol brasileiros, que vêm deixando de lado a governança corporativa e o compliance nas suas contas. O professor e diretor da Faculdade Brasileira de Tributação (FBT), Felipe Ferreira Silva, é um dos especialistas mais importantes em tributação de jogadores e clubes de futebol profissionais no País, e alerta que ambos devem estar mais atentos a legislações como o Profut e à Lei Pelé.
JC Contabilidade - Como surgiu a ideia de se debruçar sobre esse assunto?
Felipe Ferreira Silva - A necessidade de trabalhar esse tema da tributação no esporte surgiu, em primeiro lugar, porque pouquíssimas pessoas se arriscam a falar sobre a tributação no esporte no Brasil. Na época em que eu comecei a despertar para o tema, foi justamente quando o Felipão foi autuado pela Receita Federal e perdeu o caso no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Quando eu li a decisão, me chamaram a atenção alguns pontos, e resolvi colocar o conhecimento na área tributária em uma área específica, que é o esporte. Há pouca bibliografia sobre tributação no setor esportivo - o que encontramos são profissionais que tratam da área de gestão, marketing e direito. E, mais especificamente no direito, eles tratam da questão trabalhista e das regras esportivas. Não vão para a área tributária. Só mais recentemente, há mais ou menos dois anos, com a Lei do Profut, os profissionais começaram a atentar também para essa necessidade, pois a lei trabalha com o parcelamento de dívidas tributárias dos clubes de futebol e também tem dispositivos sobre a questão do compliance dentro dos clubes, confederações e federações. A partir dessa lei, de 2015, foi que se começou a trabalhar o compliance e a focar muito mais na gestão e na responsabilidade dos administradores de desporto e também a área tributária. Meu trabalho sobre esse tema foi tese de doutorado em Direito Tributário na PUC-SP. Recentemente, também escrevi e publiquei um livro - que acredito que seja o único no Brasil sobre este assunto, chamado Tributação no futebol dos clubes e dos atletas - e um artigo publicado na revista italiana Diritto e Pratica Tributaria Internazionale, uma das mais conceituadas do mundo em Direito Tributário, fruto de estudos que eu já fiz durante muito tempo sobre a área tributária focada no esporte.
Contabilidade - O Brasil tem uma legislação especifica sobre tributação no futebol, para clubes e atletas?
Silva - Temos uma legislação para o jogador de futebol, mas ela é muito mais voltada às questões trabalhistas do que à tributaria. Na área tributária, aplicam-se os conceitos e a legislação como se fossem para qualquer pessoa física.
Contabilidade - Mas é muito comum também que o atleta constitua empresa para cuidar de sua carreira. Neste caso, a empresa também é tributada como qualquer outra pessoa jurídica?
Silva - Sim. Até a alteração da Lei Pelé, se discutia se o atleta, ao constituir uma pessoa jurídica, poderia receber os direitos de imagem pela empresa. A Lei Pelé foi alterada e tem um dispositivo que diz que os clubes não podem pagar mais de 40% do valor dos salários dentro de direitos de imagem. A discussão se isso burlava ou não a legislação trabalhista caiu. Ocorre, porém, que os atletas, muitas vezes, abrem uma pessoa jurídica no Brasil sendo que vão jogar fora. O ideal era que ele colocasse essa pessoa jurídica fora do Brasil, porque provavelmente ele vai ter outros contratos de patrocínio e poderia colocar em outro país com tributação menor do que no Brasil. Muitos não têm essa percepção de que podem abrir a empresa em outro país para receber não só o direito de imagem do clube como de outros contratos. Muitos desconhecem isso. O Neymar é um exemplo de jogador que foi autuado e tem uma série de erros na forma como operou a empresa dele no Brasil.
Contabilidade - Esse caso específico do Neymar, que foi um dos mais noticiados e discutidos, diz respeito às dificuldades atreladas a ter patrocinadores estrangeiros em uma empresa brasileira?
Silva - Esse não foi o problema que levou à autuação do Neymar, mas ele poderia ter evitado colocando uma empresa fora. Este caso tem uma série de problemas, como o fato de a empresa não ter funcionários que pudessem tocar o projeto. E outra, o Neymar, segundo a Receita Federal - o que, no meu entendimento, não é proibido -, entendia que, como ele licenciava imagem e para a empresa, ele fazia de graça; no fundo, ele estava colocando todos os bens na empresa - tinha iate, carro, apartamentos, usufruía de tudo, mas não era sócio da empresa. O pai e a mãe dele eram sócios e exploravam a imagem. O Neymar usufruía de todos os bens da empresa mas não tinha participação. Além de não ter participação, ele fez tudo a título gratuito. A Receita entendeu que isso era uma forma de disfarçar os ganhos que tinha. Em vez de receber na pessoa física, como rendimentos da licença de imagem, ele recebia em uma PJ da qual não fazia parte. A Receita entendeu que isso era uma forma de desviar e não pagar tributos. No meu entendimento, não há proibição legal nem dispositivo na lei brasileira que diga que é proibido eu licenciar a minha imagem para uma terceira pessoa. Não preciso ser sócio e posso licenciar a título gratuito. Mas tinham outros problemas, como, por exemplo, que quem administrava a carreira na época do Santos, em vez de ser funcionário da empresa dos pais do Neymar, eram funcionários do Santos. A Receita já viu aí outro problema: como a empresa não tem funcionário?
Contabilidade - Como garantir que a empresa desse jogador seja reconhecida?
Silva - Hoje, o que muito se tem discutido, inclusive em âmbito internacional, são as questões relativas ao propósito negocial daquela empresa. Se ela tem estrutura física, telefone, conta de e-mail, funcionários que operam nela, que dão sustentação ao negócio. Então tem que ter proposito, substância, operação. Não basta fazer uma coisa só na nota fiscal, e não ter mais nada. Outro problema é emitir notas sequenciais. Sempre emitir os mesmos documentos fiscais. Tem uma série de problemas fáticos, que fazem malfeito; e que depois, numa eventual fiscalização e autuação, é muito difícil de derrubar, porque o problema está na origem, é malfeito. Os jogadores não têm assessoramento de profissionais capacitados e cometem erros no início que depois não conseguem corrigir.
Contabilidade - Pode-se dizer que a Lei Pelé é a mais importante na gestão dos contratos?
Silva - A Lei Pelé é a lei geral do esporte. Ela vale em âmbito nacional, e toda a legislação do País tem que obedecer à Lei Pelé. Se tem um dispositivo estadual ou municipal que infrinja a Lei Pelé, ele é ilegal. Muitas cláusulas do contrato de trabalho, dos profissionais ou não, estão contidas na Lei Pelé.
Contabilidade - Inclusive de outras práticas esportivas que não o futebol?
Silva - Sim, ela vale pra todos os esportes. A Lei do Profut também é importante. Uma parte dela é dirigida ao parcelamento tributário dos clubes profissionais de futebol, mas veio também com alguns dispositivos que vêm dar conta da governança corporativa, do compliance, dentro de todas as instituições, não somente dos clubes de futebol. E muitos clubes não atentaram para isso ainda.
Contabilidade - Esse é outro tema importante. Começou a se discutir, há pouco tempo, essa questão de governança dentro dos clubes, pois muitos estavam com dívidas enormes. Como você avalia a situação atual dos clubes brasileiros? E o que ainda tem que melhorar?
Silva - A Lei do Profut veio para beneficiar os clubes profissionais de futebol, dar um fôlego para que eles pudessem colocar em dia suas dívidas tributárias e alongar essa dívida. Mas, junto com esses dispositivos, vieram outros que determinam que os clubes têm de manter os pagamentos dos tributos em dia. Na minha opinião - e eu venho sustentando isso desde 2008 -, desde 1997, os clubes profissionais de futebol já perderam o direito à isenção do Imposto sobre a Renda. Não é à toa que, a partir de 2006, 2007, inclusive em 2012, há autuações contra o Goiás, contra o Atlético Paranaense, contra o Paraná, contra o Corinthians, cobrando tributos que os clubes, até hoje, entendem que não é devido. Não adianta vir uma Lei do Profut e organizar a casa, dar condições para os clubes conseguirem fazer os pagamentos dos tributos atrasados mais os correntes - que, inclusive, muitos são recolhidos de terceiros, e não passados ao Fisco -, e, além disso, estar deixando de recolher o Imposto sobre a Renda. Têm algumas autuações especificas, mas os clubes estão deixando esse buraco para trás. A lei é bem clara, mas eles não estão provisionando em seus balanços.
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