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Reportagem especial

- Publicada em 15 de Maio de 2022 às 15:00

Elevação nos custos e escassez de matéria-prima são entraves para o mercado de bicicletas

No primeiro ano da pandemia, forte alta nas vendas chegou a 6 milhões de unidades no País

No primeiro ano da pandemia, forte alta nas vendas chegou a 6 milhões de unidades no País


LUIZA PRADO/JC
Se há um setor que viveu um "boom" no período da pandemia de Covid-19, foi o da bicicleta. O ano de 2020 marcou um crescimento nas vendas de 50% em comparação ao ano anterior, chegando aos 6 milhões de unidades comercializadas. Apesar de 2021 ter marcado um recuo de 2% em relação a 2020, o número total de vendas ainda foi elevado: 5,8 milhões de unidades.
Se há um setor que viveu um "boom" no período da pandemia de Covid-19, foi o da bicicleta. O ano de 2020 marcou um crescimento nas vendas de 50% em comparação ao ano anterior, chegando aos 6 milhões de unidades comercializadas. Apesar de 2021 ter marcado um recuo de 2% em relação a 2020, o número total de vendas ainda foi elevado: 5,8 milhões de unidades.
Entretanto, questões como o desabastecimento do mercado, falta de peças e um salto também no dólar e no preço dos fretes de importação, fizeram com que o período fosse marcado por uma intensa demanda reprimida, com demora na entrega e falta principalmente das chamadas "bicicletas de entrada", de preço entre R$ 800 e R$ 2 mil, destinadas principalmente a novos ciclistas. Assim, lojistas e fabricantes acreditam que poderiam ter vendido muito mais.

O Brasil já é um dos maiores produtores mundiais de bicicletas, atrás somente de países asiáticos como China e Taiwan: levando em conta dados do IBGE de 2005 a 2019, a média de fabricação anual foi de 3,7 milhões de unidades. No caso de vendas internas (que incluem também unidades importadas), o Brasil comercializou, nos anos de 2018 e 2019, cerca de 4,5 milhões de unidades, segundo a Aliança Bike, que reúne empresas do setor de bicicletas em todo o País.
Porém, as medidas de isolamento que passaram a vigorar a partir de março de 2020 ajudaram, de certo modo, a aumentar o interesse pelas bikes. Os riscos envolvidos tanto na prática de esportes coletivos, como futebol, o uso do transporte público, o fechamento das academias e de cinemas, teatros e shoppings, tornaram a bicicleta um atrativo para todas as possibilidades: ela proporcionou atividade física, transporte e lazer de uma maneira individualizada e, portanto, mais segura.
"Foi o melhor período de venda de bicicletas nos últimos 20 anos, e isso foi sentido por todo mundo", constata Pablo Weiss, dono da Maiss Bike Store, de Porto Alegre, ao lado do sócio Eduardo Macedo. A loja registrou o "boom" principalmente a partir dos meses de junho e julho de 2020, período justamente de baixa sazonal na venda de bikes, por causa do inverno. A alta procura provocou até mudanças na loja, fundada em 2017. Do endereço inicial da dupla, uma pequena loja na Cidade Baixa, o comércio se mudou para um amplo galpão no bairro Santa Cecília, na movimentada Silva Só. A operação inicial continuou com outro nome e a incluiu a entrada de um novo sócio, o que marcou a expansão dos negócios de Macedo e Weiss.
As vendas continuaram aquecidas nos meses seguintes. "Foi um estouro. Vendemos praticamente tudo o que havia dentro da loja, não importando o tipo de bicicleta. E aí, começamos a comprar. Fomos até outubro vendendo muito bem", relembra.
Porém, a realidade de Macedo e de um contingente gigantesco de lojistas se deparou com o esgotamento de estoques de atacadistas e fábricas, não só para bikes, mas também para peças e acessórios e as compras desses comerciantes foi ficando "pingada". "Chegou um ponto em que havia procura, gente querendo comprar e disposta a pagar, mas não tínhamos mais produtos", conta o empresário.
O momento atual é considerado de estabilização. A partir do fim de 2021, o abastecimento foi se normalizando. No caso da Maiss Bike Store, a estratégia foi de fazer compras maiores para segurar os aumentos do horizonte e estocar unidades para escoar no resto do ano.

Setor sentiu apagão de matéria-primeira e elevação dos custos

Modelo retrô da Camp Trail subiu 50% e hoje é vendida da R$ 1.000,00

Modelo retrô da Camp Trail subiu 50% e hoje é vendida da R$ 1.000,00


camp trail/divulgação/jc
Atuando tanto no varejo, quanto no atacado e na indústria, o empresário Tiago Lumertz dos Santos confirma o apagão vivido inclusive na falta de matéria-prima para a fabricação de quadros, com a subsequente alta nos preços. No pico de produção, a Camp Trail, localizada em Taquara, no Vale do Paranhana, fabricava 120 quadros de bicicleta por dia. "A gente pagava cerca de R$ 4 reais no quilo do ferro, e passou a pagar R$ 12,00, R$ 14,00. E, mesmo assim, havia demanda", salienta.
A Camp Trail passou a ter problemas também na aquisição de peças para sua linha de montagem. "Um de nossos fornecedores, de Santa Catarina, que estava trabalhando em três turnos, começou a demorar para mandar pedal e selim. Eles e outros fornecedores levavam entre quatro a seis meses para enviar material", lamenta. A solução que Santos encontrou foi fazer de tudo para garantir estoques, não importa o preço. "Quem tinha para vender, colocava o preço para cima. Muitos se recusavam a pagar, mas eu comprava igual. Era melhor ter caro, do que não ter nada", admite o empresário.
Foi inevitável repassar esse aumento ao preço das bicicletas. Atualmente, os modelos da Camp Trail custam 50% a mais. Uma das bicicletas mais vendidas da marca, com visual "retrô" e voltada a passeio e transporte, com mecânica simples, agora sai para o consumidor final por cerca de R$ 1.000,00.
A alta de vendas gerou investimentos. Além de melhorias no parque industrial da Camp Trail, em Taquara, Santos salientou ainda a ampliação do Centro de Distribuição do atacado da marca, em Araricá. A Camp Trail conta ainda com uma loja em Novo Hamburgo, que distribui não só os equipamentos da empresa, como também outras marcas tradicionais do mercado ciclístico. Com isso, a Camp Trail pretende tentar expandir sua atuação para mais estados, já que atualmente 95% de seu mercado está no Rio Grande do Sul, e os 5% restantes, em Santa Catarina.
 

Aliança Bike alerta para nova fase 'perigosa' no varejo de bicicletas

Daniel Guth explica que, com o afrouxamento das regras sanitárias, demanda começou a diminuir no setor

Daniel Guth explica que, com o afrouxamento das regras sanitárias, demanda começou a diminuir no setor


ARQUIVO PESSOAL/divulgação/jc
Apesar de, em números gerais, o mercado ciclístico ainda viver um cenário de faturamento maior do que o vivenciado na pré-pandemia, o setor passou por momentos distintos ao longo de 2021. Segundo a Aliança Bike, o primeiro semestre do ano passado ainda apontou crescimento de 34% em relação ao mesmo período de 2020, em decorrência da recuperação das importações de componentes. Contudo, o segundo semestre de 2021 registrou uma retração de 36% nas vendas de bicicletas em comparação aos últimos seis meses do ano anterior, resultando na baixa de 2% na comparação do ano inteiro. Os dados foram obtidos em uma pesquisa da entidade junto a lojistas, realizada anualmente.
De acordo com o diretor executivo da entidade, Daniel Guth, o pico de vendas e de demanda gerou como reflexo também um boom de contratações não só de vendedores, mas também de montadores nas fábricas. Quando houve a normalização nas importações, verificada a partir do fim de 2020, atacadistas e varejistas inflaram a demanda represada por bikes e componentes. "O primeiro semestre de 2021 foi absurdo. A importação de quadros cresceu 150%; de câmbio, 180%. Os importadores entregaram muito", diz.
Na mesma toada, varejistas que já tinham expandido seus negócios, como Macedo, da Maiss Bike Store, dizem que a concorrência também aumentou muito. "Onde havia 10 lojas, agora há 20, fora a internet. Mesmo com montagem e pós-venda, nós precisamos equiparar nossos preços aos da internet, senão o cliente vem aqui, conhece e testa a bicicleta, mas compra mesmo é nos sites", critica.
Entretanto, Guth alerta que o setor acabou entrando em um terreno perigoso. "Com o afrouxamento das medidas de isolamento da pandemia, já houve um arrefecimento abrupto da demanda, a partir do segundo semestre de 2021. Como as lojas achavam que o 'boom' continuaria, fizeram pedidos superiores. E já não tinham a mesma demanda", relata. Segundo o diretor executivo da Aliança Bike, "as fábricas estão tendo problemas porque não conseguem mais escoar o que produziram. Montadoras já estão demitindo, colocando em férias coletivas, porque produziram demais".
Segundo Guth, dados do Caged no Brasil mostram que, na fabricação, o saldo de empregos saiu de um número positivo de 53, em julho de 2021, para um saldo negativo de 319 postos em dezembro do mesmo ano. Nas lojas, o movimento foi parecido: em abril de 2021 o saldo empregatício foi positivo em 245 vagas, mas em dezembro, ele chegou a um número negativo de 104 empregos. "Estamos em um vale, mas ainda não sei quando vamos bater no fundo. E o mercado de bicicletas é muito sensível aos momentos da economia. Além da reabertura de estabelecimentos que houve, agora o país atravessa uma nova crise econômica e queda no consumo das famílias brasileiras", constata.
O Rio Grande do Sul, no entanto, não parece ainda ter sofrido essa queda. Em 2020, o varejo do setor empregava 556 trabalhadores formais e, em 2021, fechou em 611 vagas preenchidas; na fabricação, os postos eram 563 em 2020 e, em 2021, chegaram a 624. No comércio atacadista, o número se manteve estável: 125 postos em 2020 contra 124 em 2021. Nas lojas, a remuneração média é também maior: R$ 1.533,27 no Rio Grande do Sul contra uma média nacional de R$ 1.412,25.
Por outro lado, segundo Guth, a pesquisa também aponta que o trabalho nas oficinas mecânicas, serviço presente na maioria das bicicletarias, aumentou em 30% em relação a 2020 e já representa mais de 27% do faturamento de uma loja de bicicletas. "Outros movimentos paralelos também aconteceram, como o aumento na venda de bicicletas usadas e, consequentemente, um mercado de validação e rastreamento de origem dessas bicicletas, para evitar a aquisição de produtos ilícitos."
 

Setor pede por mais políticas públicas de incentivo

Daniel Guth, da Aliança Bike, alerta que, para consolidar a atuação do setor da bicicleta, são necessárias, além de políticas públicas de infraestrutura, a redução tributária, não só no IPI – que já vigora com uma redução que incide 10% sobre as bicicletas – mas também na importação. “Hoje, o imposto incide não só sobre o que foi pago na origem, mas ainda sobre o custo do frete e do seguro internacional. A oscilação do frete faz com que o imposto aumente. O Brasil adota uma fórmula de arrecadação que teve um impacto duplamente negativo no setor”, critica.
Apesar dos riscos no horizonte, segundo o levantamento da Aliança Bike, os lojistas ainda têm uma boa expectativa para fechar 2022, não pela perspectiva de vendas, mas justamente pelo crescimento do serviço de mecânica e revisão de bicicletas e pela compra de acessórios e vestuário, que é por si só um mercado que vem ganhando volume e variedade nos últimos anos.

Bikes artesanais, de maior valor, miram público "premium"

Fabricante Spino trabalha com bicicletas customizadas; o preço médio por unidade chega a R$ 9.200,00

Fabricante Spino trabalha com bicicletas customizadas; o preço médio por unidade chega a R$ 9.200,00


spino/divulgação/jc
A fase hiperaquecida de vendas de bicicletas proporcionada pelas medidas de isolamento impulsionaram várias áreas dentro do mercado ciclístico. Não somente as bicicletas "de entrada", mas também os equipamentos preferidos por ciclistas mais experientes e que buscam veículos de maior valor agregado. Um segmento "premium", voltado não só a marcas importadas de alta performance e materiais de ponta como carbono, mas especialmente a bicicletas fabricadas sob medida, artesanais.
Diferentemente da maior parte das empresas brasileiras de bike, que atuam principalmente como montadoras que nacionalizam produtos importados principalmente do leste asiático, e entregam entre centenas e milhares de unidades todos os meses, essas empresas se denominam "construtoras", porque produzem não somente o quadro e o garfo, que são a "alma" estrutural da bicicleta, mas guidões, bagageiros, suportes e outras peças, todas servindo ao propósito determinando pelo usuário final. Por isso mesmo, têm uma escala de produção totalmente diferente das grandes empresas.
Uma dessas iniciativas é a Spino, de Porto Alegre, fundada pelo publicitário Luiz Assis Brasil Neto em 2016 e que trabalha com bicicletas customizadas, sob encomenda. Aficionado pelo universo das bikes e disposto a incentivar as pessoas ao uso da bicicleta, antes de iniciar formalmente as atividades da Spino, Assis Brasil fez um curso de "framebuilding", literalmente construção de quadros, em Portland, capital norte-americana da cultura da bicicleta.
"A ideia da Spino é baseada em três pilares: ergonomia e experiência de pedalar, versatilidade e funcionalidade, além de identidade: entregar uma bike que 'veste', que tem a ver com quem usa", resume. Segundo Assis Brasil, o cliente nota a qualidade da bicicleta não apenas porque ela é bonita e bem pintada, mas porque ela dá uma resposta diferente ao ser pedalada.
A Spino possui uma gama variada de bicicletas e "framesets" (conjunto de quadro, garfo e às vezes outras peças complementares): estrada, mountain bike, touring (usada para cicloturismo), entre outras. Atualmente, os modelos mais populares são as "gravel", com uma versatilidade que abarca o uso no asfalto mas também em terrenos mais acidentados. A periodicidade média de produção é de "2,5 bicicletas por mês", crava Assis Brasil.
Como são feitas por encomenda, a fila de espera para receber uma Spino chega a 100 dias, prazo que o construtor pretende diminuir para até 40 dias, buscando otimizar processos em seu galpão na Zona Sul de Porto Alegre. "Para conseguir viabilizar isso, estamos focando em uma grade menor de produtos; algumas partes da bicicleta nós padronizamos, e estamos fazendo com mais eficiência, inclusive para baixar custos", explica.
O preço médio, dentre todos os modelos da Spino, é de R$ 9.200,00, contando o frameset, complementos como bagageiro - feitos também na empresa - e peças importadas de alta qualidade, como câmbio, freios, rolamentos e outros.
Esse novo modelo de produção e trabalho entrou em funcionamento em setembro de 2021, já em uma segunda fase da pandemia, depois de uma pausa de cerca de três anos. "Como a gente trabalha por encomenda, não dá para dizer que houve uma demanda reprimida, que acho que foi gerada mais por novos ciclistas. Nosso público é muito maduro. Ele já sabe o que quer, e que talvez a entrega demora. Mas nunca esteve tão bom de vender como agora", admite.
Outro fator que faz com que a Spino encontre um cenário um pouco diferente é a convicção de, dentro do possível, usar peças e complementos de fabricantes nacionais que preencham os critérios de qualidade da empresa. "Trazemos iniciativas como a Be Wood, empresa brasileira que fabrica paralamas de madeira naval. Compramos selins e fitas de guidão de couro da SRD, de São Paulo, que tem excelente acabamento, e vendemos guidões da Big Frames, de Santa Catarina", enumera. Um dos planos da Spino é justamente diversificar sua oferta de produtos por meio de colaborações e parcerias, anuncia Assis Brasil.

Mercado de bicicletas elétricas no País cresce 35% em 2021

Um segmento do setor ciclístico permaneceu estável mesmo durante o sobe-e-desce de vendas e estoque de fornecedores durante a pandemia: o das bicicletas elétricas, que mantém um ritmo firme de crescimento ano a ano, de acordo com o boletim anual do setor divulgado pela Aliança Bike.
A constatação é de que as e-bikes não foram alvo da procura do consumidor durante a pandemia, o que aconteceu em relação às bicicletas convencionais, mas tampouco houve retração em 2021.
No ano passado, o volume de bikes elétricas comercializadas alcançou 40.891 unidades, 27,3% a mais que 2020, em uma movimentação de vendas que gerou R$ 289,3 milhões ao longo de 2021. Atualmente, o preço médio das e-bikes é de R$ 7.075,21.
Apesar de ficar dentro da variação histórica do segmento (desde 2016), entre 25% e 30%, o destaque ficou para as e-bikes montadas no Brasil. O crescimento entre 2020 e 2021 foi de 35%. Do montante das unidades vendidas, 61% foram de bicicletas montadas no Brasil, das quais 14,6 mil fora do Polo Industrial de Manaus. O segmento de bicicletas importadas já montadas também cresceu: foram 11,8% a mais no mesmo período.
A Aliança Bike projeta para 2022 um crescimento de 22% no cenário mais conservador, com 49,8 mil unidades. Porém, se a previsão otimista da entidade se confirmar, o país poderá fechar o ano com 61,3 unidades, 50% a mais que em 2021.
 

Empresa muda foco de atuação para se adequar ao mercado

Modelo Gravel, da República das Bicicletas, é produzido sob encomenda

Modelo Gravel, da República das Bicicletas, é produzido sob encomenda


República Bicicletas/divulgação/jc
Outra empresa especializada em bicicletas sob medida encontrou, nesse período de transição, a necessidade de mudar seu público-alvo quase que completamente: a República Bicicletas.
Desde seu início, em 2013 e até o início da pandemia, a República construía suas próprias bikes, tanto para encomendas personalizadas quanto para marcas locais como a Solabici, tendo como público principal os adeptos da bicicleta fixa: um tipo de "magrela" sem marchas que, em movimento, mantém o pedal girando ininterruptamente. São as mais usadas na modalidade do ciclismo de pista e, no uso urbano, pelas empresas de mensageria e entrega por bicicleta. Pela mecânica mais simples e de fácil manutenção, as "fixas" têm um custo bem mais acessível.
O "boom" de vendas e o consequente desabastecimento afetaram também esse modelo. "Tivemos uma falta muita grande nos materiais mais básicos e isso fez com que perdêssemos muitos pedidos", conta Fernando Pavão, um dos sócios da República. "Tivemos de rever todos os preços e tivemos de focar num mercado de maior valor agregado, até porque, nesse segmento, não havia tanta falta de peça". Porém, como o aumento de preços foi inevitável em todas as faixas de produtos, os valores das bikes produzidas pela República também subiram. Atualmente, em média, um projeto customizado junto ao cliente, chega a cerca de R$ 12 mil.
Os preços maiores se justificam, pontua Pavão. "Melhoramos a qualidade da construção como um todo. As peças utilizadas, os tubos usados nos quadros, por exemplo". Enquanto o material das bicicletas mais baratas é o aço-carbono, bicicletas como as da República e da Spino são feitas de Cromo-Molibdênio, ou Cromoly, um tipo de aço mais nobre, com mais resistência ao tempo e à intensidade de uso, cuja matéria prima também é importada.
"Acabamos atraindo um outro público que está empolgado com a qualidade do produto e, por isso, dispostos a pagar mais", diz. Segundo Pavão, são pessoas que já têm mais de uma bicicleta e buscam uma alternativa para usos de performance, como provas de duração mais longa.
Em vez da fixa, consagrada ao uso urbano, os modelos atuais da República são as gravel. São entre duas e três bicicletas entregues a cada mês e um tempo de espera que, entre as primeiras conversas entre cliente e fabricante, tomada de medidas, conferência do projeto, até a entrega da bicicleta pronta, pode levar até seis meses.
Uma das principais vitrines da República, explica Pavão, são competições como a Misiones, uma prova de 167km realizada em 11h na Região das Missões. A empresa participa da prova com o sócio de Pavão, Angelo Trois, que encara a disputa usando, é claro, uma bicicleta da República. "A venda não acontece na hora, mas depois. Não há muitas bicicletas nossas circulando e, quando as pessoas conhecem, podem comprovar a qualidade na hora. O Angelo é um modelo vivo", brinca.
 

Montagem de bicicletas foi solução para apagão de fornecedores

Carvalho, da DiBike, teve alta de 40% no faturamento e enfrenta desafios para continuar crescendo

Carvalho, da DiBike, teve alta de 40% no faturamento e enfrenta desafios para continuar crescendo


livia araujo/divulgação/jc
Para não perder consumidores em meio aos pedidos não atendidos de bicicletas e peças, uma loja da área central de Porto Alegre voltou prática de uma era anterior ao e-commerce e à variedade do mercado atual de bikes de entrada: a montagem de bicicletas básicas.
"Bem no começo do movimento, eu achei que encomendando se resolveria o problema do estoque esgotado", conta Giovani Costa Carvalho, que fundou a DiBike há cinco anos e meio. "Porém, prometiam a entrega em dez dias, e aquelas dez dias nunca aconteciam", lamenta. Em 2020 e 2021, o faturamento de sua bicicletaria aumentou de cerca de 40%, em comparação à média de crescimento anual de 20% desde sua abertura. Como em todo o setor, porém, sua ascensão esbarrou no esgotamento de estoques e suprimentos.
O principal público da bicicletaria de Carvalho, considerada uma loja "de bairro", mas em frente à ciclovia da avenida Ipiranga em Porto Alegre, é justamente o de quem usa a via e precisa de reparos ocasionais, e da própria vizinhança. A pandemia trouxe a já constatada demanda de novos ciclistas, usuários das chamadas bicicletas de entrada, de preço mais acessível - que na DiBike atualmente estão em torno de R$ 1.200,00. "As bicicletarias têm uma opção que as fábricas automotivas, por exemplo, não têm, que é usar uma quase infinita combinação de peças que não precisam ser exclusivas da marca", explica. "Por serem bicicletas simples, a gente começou a comprar um pneu de um fabricante, o quadro de outro, a roda de outro e assim por diante. Era uma ginástica, deu mais trabalho do que montar uma bicicleta pré-pronta, como as que vêm das fábricas, mas atendeu ao anseio dos clientes", pontua Carvalho.
O custo dessas bikes adaptadas à urgência do momento eram um pouco mais altas, ficando por volta de R$ 1.500,00, mas com a qualidade garantida pela oficina. "A maioria de quem busca a primeira bicicleta não vem atrás de um modelo específico. Decidimos montar uma bike que seria eficiente para esse público", diz Carvalho.
Segundo o empresário, o diferencial competitivo da bicicletaria de rua para a internet ou lojas esportivas de grande porte é poder acompanhar pessoalmente a necessidade do cliente - o que foi também a motivação para ele abrir sua própria loja. Ciclista há mais de 30 anos, Carvalho sentia falta de um atendimento mais personalizado. "Nas lojas que comecei a frequentar quando fiquei mais experiente no pedal, eu via os vendedores oferecendo bicicletas sem muita explicação. Era comum sempre se levar o produto mais barato e se decepcionar". Hoje, crê o empresário, essa realidade já é mais diferente, na medida em que, segundo ele, a grande maioria dos vendedores e mecânicos, é ciclista também. "Aqui na loja, somos muito comunicativos, mas sempre sugerimos, entrevistamos as pessoas, para saber para que elas querem a bicicleta."
A persistência permitiu que a bicicletaria de Carvalho mantivesse o fluxo de clientes, e o excedente da alta de vendas foi utilizado na ampliação de estoques, quando os pedidos se normalizaram, e ampliação de portfolio. Das cerca de 20 bicicletas em exposição do período pré-pandemia, agora DiBike tem disponíveis 90 bicicletas de marcas tradicionais do mercado, com ênfase na tradicional Caloi. "Para vender, tenho de comprar, e para isso, tenho de ter variedade de produtos", conclui.
 

*Lívia Araújo é jornalista formada pela Unesp, no estado de São Paulo. Trabalhou na editoria de política do JC entre 2014 e 2020 e atualmente é editora de livros e sócia na Diadorim Editora, de Porto Alegre.