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Reportagem especial

- Publicada em 17 de Outubro de 2021 às 15:00

Aerogeradores levam riqueza a Osório 15 anos depois da implantação

Município do Litoral Norte recebeu o primeiro empreendimento do gênero no Rio Grande do Sul

Município do Litoral Norte recebeu o primeiro empreendimento do gênero no Rio Grande do Sul


ENERFIN/DIVULGAÇÃO/JC
Quando a empresa Ventos do Sul Energia chegou a Osório, em 2002, dizendo que construiria 75 grandes torres de 100 metros de altura onde instalaria aerogeradores capazes de produzir eletricidade para abastecer uma cidade de 600 mil habitantes, boa parte da população daquele município do Litoral Norte demorou a se convencer da boa nova, já que ali o vento sempre fora sinônimo de transtornos.
Quando a empresa Ventos do Sul Energia chegou a Osório, em 2002, dizendo que construiria 75 grandes torres de 100 metros de altura onde instalaria aerogeradores capazes de produzir eletricidade para abastecer uma cidade de 600 mil habitantes, boa parte da população daquele município do Litoral Norte demorou a se convencer da boa nova, já que ali o vento sempre fora sinônimo de transtornos.
Bem que a incredulidade ganhou alento com as delongas no início das obras. Quando finalmente surgiram os sinais de que, três anos depois do primeiro anúncio, os construtores estavam chegando, alguns otimistas espalharam o boato de que a população osoriense ganharia um bom desconto na conta de luz. Seria uma compensação por danos de ventanias passadas e futuras, e uma forma de ressarcir perdas históricas do município, que amargara a emancipação de uma penca de distritos: Tramandaí (1968), Capão da Canoa (1982), Palmares do Sul (1982), Cidreira (1988), Imbé (1988), Xangri-lá (1992), Maquiné (1992), Capivari do Sul (1995) e Balneário Pinhal (1995).

A ilusão do bônus energético foi-se com o vento. Entretanto, à medida que a grande obra alterava a paisagem da região e alimentava as conversas em bares, praças e restaurantes, a maioria das pessoas passou a curtir a fama emergente da cidade como referência nacional em energias renováveis.
Do nada se impôs o slogan: "Osório, capital dos bons ventos", que daria origem ao logotipo do sesquicentenário do município fundado em 1857 com um nome de ressonância açoriana: Conceição do Arroio, descartado em 1934 pelo pragmatismo do governador Flores da Cunha, que decidiu homenagear o general Osório, nativo da região.
Com 150 anos de existência, o município tinha agora uma chance real de dar um salto econômico, após a sucessiva desativação de diversos empreendimentos históricos: o sistema misto de transporte hidroferroviário de Porto Alegre a Torres, compreendendo uma ferrovia de 54 quilômetros (com bitola de um metro) de Palmares do Sul a Osório (1921/1960); a Usina Santa Marta (1931), que nunca chegou a produzir etanol; a escola de pilotagem de planadores da Varig (1937); a Agasa, a única usina açucareira do RS (1961/1989). O que sobrou se contava nos dedos de uma mão: a rodovia RS-030, inaugurada em 1936; a BR-101 (aberta a partir de 1949); a Escola Rural Ildefonso Simões Lopes (1952); o terminal da Petrobras em Tramandaí e o oleoduto para Canoas (1961); e a Free-Way, em 1971.

Concluída no prazo, obra revolucionou a economia da cidade

Pontilhada de atrasos e desencontros no início em outubro de 2005, a obra terminou no prazo, no final de 2006, quando todos já sabiam que a usina daria apenas 70 empregos qualificados, enquanto os royalties da produção beneficiariam não mais do que 42 pessoas cadastradas como donas, sócias e/ou herdeiras de 18 áreas rurais onde foram erguidas as torres-gigantes.
Fora os investidores espanhóis e seis sócios alemães, quem mais ganharia seria o município de Osório, que aumentou consideravelmente o orçamento municipal graças ao ICMS sobre a energia produzida. Em 2021, a receita líquida de Osório está estimada em R$ 232,6 milhões, mais de 100% acima do orçamento de 2006. Com um PIB acima de R$ 2 bilhões/ano, o município se classificou em 2017 como a 429º maior economia do Brasil. A exploração da energia eólica foi um avanço extraordinário num município onde o vento era motivo de brincadeiras do tipo "visite Osório antes que o vento acabe com ela".
Sem ter deixado de ser "uma cidade de passagem" (para as praias ou para Porto Alegre), Osório aumentou a população de 30 mil para 46 mil habitantes e viu chegar um Instituto Federal, cursos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e de faculdades particulares; e assistiu à abertura de restaurantes, lojas, escritórios e revendas de veículos. Mantendo ainda grandes contribuintes como a Petrobras, Calçados Beira-Rio, supermercados e os dois frigoríficos instalados no Morro Borússia, o município atraiu para os arredores do parque eólico uma unidade da Kömmerling, indústria alemã fabricante de esquadrias de PVC inaugurada em 2020.
Hoje, 15 anos depois da entrada em operação dos primeiros 75 cata-ventos, o Litoral Norte multiplicou por quatro sua força produtiva de energia. "Da última vez que contei, os aerogeradores do Litoral Norte já passavam de 300, espalhados por parques em Osório, Xangri-lá, Tramandaí e Palmares do Sul", diz Telmo Magadan, que dirigiu a Ventos do Sul por 12 anos.
No Litoral Norte se concentra um terço da potência eólica instalada no Rio Grande do Sul - 1800 MW, número que tende a crescer, pois há projetos de novos investimentos que aguardam a realização de leilões de energia pelo governo, além de outros projetos armados para operar no âmbito do livre mercado de energia elétrica - caso do projetado parque eólico de Tapes (239,1 MW), no qual está engajado Magadan, agora como sócio-diretor da Brain Energy Energias Renováveis.
Magadan exala otimismo quanto ao futuro da produção de energia eólica no Estado. "Cada um dos cinco polos de ventos mais fortes do Estado pode ter 1 mil MW de potência", explica, salientando que o Rio Grande do Sul está apto a se tornar, de novo, a bola da vez em energia eólica, recuperando o espaço perdido para o Nordeste. "Além dos ventos de qualidade", conta Magadan, "o Rio Grande possui mão-de-obra, tecnologia, linhas de transmissão seguras interligadas ao Sistema Nacional e o BRDE como fonte de financiamento". Estaria faltando alguma coisa? "Uma política energética consistente", foi a resposta.

Um negócio sem precedentes na história do Brasil

Telmo Magadan foi o principal responsável pela implantação do Parque Eólico de Osório.

Telmo Magadan foi o principal responsável pela implantação do Parque Eólico de Osório.


ANDRESSA PUFAL/JC
Ex-presidente da CEEE, vinculado ao MDB gaúcho, o arquiteto Telmo Magadan foi o mais importante artífice da obra que mudou a cara de Osório. Foi ele quem atraiu a espanhola Elecnor, que trouxe como sócia a Wobben Wind Power, fábrica alemã de aerogeradores que tem uma fábrica em Sorocaba (SP). Mesmo com parceiros tão grandes, Magadan penou para convencer o BNDES a emprestar 80% do investimento, orçado em R$ 670 milhões.
Embora produzisse bastante na Espanha, onde possuía uma potência instalada de 1400 MW, a Elecnor não tinha um bom cadastro no Brasil. O contrato de financiamento somente foi assinado em 5 de outubro de 2005, em pleno governo Lula, que tinha como ministra de Minas e Energia a economista Dilma Rousseff, defensora da diversificação das fontes de geração elétrica no Brasil. Ela concorreu para mostrar que era pequeno o risco de prejuízo numa usina que receberia R$ 231 por MWh entregue à Eletrobrás, mais do que o dobro do MWh de origem hidrelétrica.
Era um grande negócio para o qual não havia parâmetros no Brasil. Por isso mesmo o contrato da Ventos do Sul com a Eletrobrás estendeu-se por 18 páginas. Uma das cláusulas previa que, em caso de atraso por mais de 90 dias no início da operação comercial prevista para dezembro de 2006, a Ventos do Sul teria de pagar à Eletrobrás uma multa no valor da energia contratada.
O parque eólico de Osório foi o filho pródigo do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), criado em 2002, no último ano do mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, que havia amargado o apagão elétrico de 2001. Montado para viabilizar usinas eólicas, pequenas centrais hidrelétricas e centrais de biomassa - previa-se um total de 3 300 MW, potência não alcançada -, o Proinfa concedeu vantagens extraordinárias para atrair investidores. O alto valor do MWh foi decisivo. Nos anos seguintes, como previsto, o diferencial de preço entre as fontes caiu. Como programado, o Proinfa foi extinto. Hoje, o custo de produção eólica está equiparado ao das hidrelétricas.
No Rio Grande do Sul, que possui 9,4 GW de potência instalada, a fonte eólica representa 20% e a hidrelétrica, 49%; carvão 19%; fotovoltaica 8% e biomassa 4%, segundo dados da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Infraestrutura. É uma matriz energética 81% renovável, mas o Estado não é autossuficiente, pois importa do Sistema Interligado Nacional uma média de 34% do consumo.
 

Antes da construção, muitas negociações em Osório

"O Parque Eólico de Osório foi uma obra que não teve pai. Se houve um pai, foi o vento." Aos 80 anos, o ex-prefeito Eduardo Renda não cansa de repetir a frase que lhe ocorreu em 2005/2006, ao ver deslanchar a obra prometida desde 2002, o ano em que recebeu na prefeitura os emissários espanhóis desejosos de implantar um conjunto de grandes moinhos de vento no município. Ele se emocionou quando um dos visitantes se declarou dirigente do Deportivo La Coruña e lhe ofereceu uma camiseta autografada do time onde jogava o brasileiro Bebeto. Candidato à reeleição, Renda acabou sendo derrotado por Romildo Bolzan Junior (PDT), que ficaria até 2010 no cargo.
Concessionário da estação rodoviária de Osório, Renda acolheu o projeto espanhol como uma dádiva para a cidade, mas avisou os visitantes: teriam de enfrentar a retranca dos fazendeiros osorienses, que não cederiam facilmente espaço para a fixação das torres eólicas em suas propriedades. "São muito conservadores", admitiu. Como conhecedor do seu eleitorado (é do PP), passou a conversar diariamente com José Arthur Raupp, o maior dos arrozeiros do município. "Tu só tens a ganhar!", dizia Renda ao produtor rural. Em vez de um aluguel fixo, Raupp exigia um percentual da produção de energia. Acabou ganhando a parada.
Quando correu a informação de que ele havia fechado contrato, os vizinhos aderiram em massa. Alguns, que já haviam concordado com o aluguel fixo, pediram para mudar. Sem ter visto os cata-ventos girando, o velho Raupp morreu em 2003 com mais de 80 anos, mas deixou para a família a renda de 16 torres. Depois, com a ampliação do parque, os Raupp hospedam hoje 60 aerogeradores, o que lhes garante cerca de R$ 90 mil por mês, segundo estimativa atualizada de uma fonte amiga da família.

Chico Moro, o fiel de balança nas negociações

Dona de uma loja de artigos de cama e mesa na praça central de Osório, Iracema Dariva consta como a primeira pessoa a receber em 2002 a visita de três representantes da empresa espanhola Elecnor, os quais declararam o interesse em arrendar um pedaço da fazenda dela, no Capão da Areia, para estabelecer o canteiro da obra de construção de um pioneiro parque eólico no Rio Grande do Sul. Previam ainda construir uma dúzia de torres dentro da propriedade.
Ela respondeu que precisava pensar. Convencida de que "em negócio novo e com gente desconhecida, é preciso se precaver", consultou o veterano Francisco Moro, seu contador e advogado. Escolado em contratos de aluguel de imóveis - era bem o caso ali, só que inédito -, ele estudou o assunto e a aconselhou a "não trancar o progresso de Osório". Ou, seja, que aceitasse arrendar 40 dos 270 hectares para o acampamento das empreitadas; e fechasse contrato por 20 anos, renováveis por mais 15, para receber royalties proporcionais à produção de 12 aerogeradores que seriam construídos em suas terras - renda variável, não aluguel fixo. "O parque eólico será um divisor de águas na história de Osório", ela disse, e sua frase se tornou o mantra dos moradores da cidade e/ou forasteiros chegados para trabalhar no projeto.
Ex-secretário municipal da Fazenda em diversas gestões, o doutor Chico Moro acabou sendo contratado pela própria Ventos do Sul para convencer todos os outros proprietários. Ao todo, ele foi o fiel do arrendamento de 3 295 hectares para a implantação das 75 torres interligadas por estradas de serviço e linhas de transmissão. Os maiores hospedeiros de cata-ventos foram os Boeira (25 torres) e os Raupp (16), ambos arrozeiros; o menor dos contemplados foi um sitiante que "ganhou" cata-vento - a outra metade ficou para o vizinho de cerca.
A promessa inicial era de que cada aerogerador poderia gerar uma receita em torno de R$ 1 mil mensais. A remuneração mais baixa era para a hipótese de uma operação de 2401 a 2700 horas/ano. O percentual aumentava a cada 300 horas adicionais de vento, chegando ao máximo de 3600 horas/ano, o equivalente a 42% do total de horas de um ano. Para que a transparência dos contratos fosse total, só faltou divulgar os percentuais e o respectivo valor. As partes mantiveram o segredo. No entanto, quando os primeiros valores foram parar nas contas bancárias dos locadores, surgiram reclamações contra o desconto de 27% para o Imposto de Renda. A parte do Leão, surpresa inesperada.

O corredor do vento Nordeste junto aos limites da cidade

Tradicionalmente, os ventos de Osório são mais fracos no período de fevereiro a maio

Tradicionalmente, os ventos de Osório são mais fracos no período de fevereiro a maio


ENERFIN/DIVULGAÇÃO/JC
A escolha de Osório não foi aleatória. No varjão emparedado pelo Morro Borússia, o vento Nordeste acelera, formando "um corredor de ventos" bastante conhecido, mas não se sabia que, quanto mais longe do chão, mais forte sopra o vento. Por isso foram fundamentais as medições feitas desde 1999 pela IEM - Intercâmbio Eletro Mecânico, empresa fundada em Porto Alegre nos anos 1950 pelo imigrante alemão Hans Dieter Rahn, nascido em 1928.
Nos arredores de Osório, Rahn mandou instalar várias torres com anemômetros em diferentes alturas, inicialmente de 50 a 100 metros do chão. Consolidados depois no Atlas Eólico do Rio Grande do Sul (2002), custeado pela Secretaria de Energia do Estado, esses dados convenceram a Elecnor a ampliar de 50 m para 100 m a altura das torres; e de 1 para 2 MW a potência dos aerogeradores. Com a duplicação do projeto, aumentou a expectativa de que o Parque Eólico de Osório poderia apresentar um desempenho muito acima da média mundial, situada ao redor de 33% da potência instalada. Expectativa confirmada, mas sem comemorações ostensivas, para não espicaçar a concorrência.
Predomina em Osório o vento Nordeste. Quando sopra forte, ele é chamado de Nordestão - amistoso no verão, chato no inverno. "Trabalha" mais setembro a janeiro, quando amaina. Tradicionalmente, os ventos de Osório são mais fracos de fevereiro a maio. No inverno, de junho a setembro, predominam os ventos sul e sudoeste, geralmente acompanhados de frio e chamados genericamente de minuano porque vêm dos Andes argentinos. Também sopram mais raramente os ventos leste e oeste, conhecidos historicamente como sotavento e carpinteiro - são ventos com fama de "bandidos", porque ao longo dos séculos afundavam e destruíam embarcações nas praias da costa e até nas lagoas do litoral.
O Atlas Eólico do RS teve uma segunda edição em 2014, quando ficou provado por medições realizadas em 70 pontos do território que, com ventos maiores ou iguais a 7m/s, o potencial gaúcho é de 102,3 GW à altura de 100 metros e de 245,3 GW se extrapolado para a altura de 150 metros. As regiões mais promissoras são o Sudoeste, com 43,20 GW, e Sudeste, com 37,99 GW. Sobressaem-se municípios como Santa Vitória do Palmar (9,99 GW), Uruguaiana (7,24) e Alegrete (7,05).
 

Início da construção atraiu olhares na região

O primeiro sinal da obra foi a presença de guardas armados da Prossegur em duas porteiras da fazenda-sede na Estrada do Retiro (para Passinhos e Palmares do Sul). A partir de outubro de 2005, começou a operar ali dentro a Geyer, empresa de fundações contratada para furar as bases das torres; na mesma área, a Redimix instalou a usina que forneceria o concreto das bases armadas com aço da Gerdau.
Fora do perímetro da obra, a primeira empreiteira a entrar em ação no varjão de Osório foi a Ribas Engenharia, contratada para elevar em 40 centímetros (25 cm de saibro e 15 cm de brita) a estrada vicinal que liga a asfaltada RS-030 (Porto Alegre-Tramandaí) a fazendas de gado e lavouras de arroz próximas da cidade. Esses dois insumos foram fornecidos pela vizinha Jazida Tatuira, uma das maiores areeiras de Osório, cuja produção de areia fina é trocada com a areia grossa extraída do baixo Jacuí.
Sitiantes do trajeto de quatro quilômetros foram beneficiados com acessos, bueiros e valos de drenagem. Um dos beneficiários foi a Penitenciária Modelo, construída no meio do caminho em 1996. O reforço da estrada era necessário para que trafegassem sem problemas os caminhões carregados de insumos e equipamentos. Com 35 metros de comprimento, cada pá dos aerogeradores feita com fibra de vidro pesa 8 toneladas.
Em seguida, foram chegando outras empreiteiras: Coesul, Conpasul, Archel Engenharia, Peixoto, Zandoná. Com a instalação das prestadoras de serviços, a fazenda cancelou o plantio de arroz para uma pesquisa da Embrapa Terras Baixas, de Pelotas, sobre a integração orizicultura-pecuária. A pesquisa fora iniciada em 2003.
Todo esse movimento de pessoas e máquinas estava tão cercado da descrença da comunidade que, no início de 2006, a Ventos do Sul Energia promoveu uma temporada de palestras para "ajudar a cair a ficha", como disse o engenheiro-chefe da obra, João Junqueira. Aos sábados, pela manhã, a empresa passou a receber no canteiro da obra grupos de 20 visitantes aos quais era exibido um audiovisual com dados econômicos e detalhes ambientais do projeto. A seleção dos visitantes era feita na prefeitura por Marcos Bolzan, irmão mais novo do prefeito Romildo Bolzan Junior. A campanha deu resultado.
Logo até os próprios guardas nas porteiras eram capazes de responder às perguntas dos curiosos: as torres de 98 metros ficariam a 200 metros uma da outra para não atrapalhar o movimento das aves da planície costeira; os geradores pesando 100 toneladas seriam acionados por três pás de 35 metros de comprimento que começariam a girar com ventos de 7 metros por segundo e, por segurança, não poderiam dar mais do que 22 voltas por minuto (ventos de 36 km/h), tudo controlado por computadores, que acionariam os freios em caso de ventania. Já o guindaste Liebherr, que içava as peças até o limite de 100 metros de altura, era equipado com um sensor eólico na ponta da lança: com mais de 20 km/h, o trabalho era suspenso.
 

Construção dos aerogeradores inclui diversas etapas

A sequência da montagem das torres tinha nove etapas: furação, estaquamento, armação de ferro, concretagem, fixação do conjunto transformador-alternador na base das torres, colocação dos anéis de concreto, fixação do aerogerador no alto, içamento e aoarafusamento das pás e, finalmente, lançamento dos cabos para ligação do aerogerador com os equipamentos da base. De cada torre sai uma linha subterrânea de 34 kva para a subestação de 138 kva, orçada em R$ 3,6 milhões.
Em cada base eram feitos 32 furos com profundidade variando de 14 a 28 metros - cada furo recebeu em média 50 toneladas de aço e 402 metros cúbicos de concreto. Na construção da primeira base, ocorreu a fervura do cimento, problema resolvido com um reforço na concretagem.
Cada torre comporta 16 anéis de concreto fabricados em Gravataí pela centenária Construtora Ernesto Woebcke, que dobrou sua capacidade de concretagem, operação assumida pela própria Wobben. Para amenizar o impacto das torres na paisagem, a Fepam mandou pintar de verde os três anéis inferiores das torres. A tinta veio do Chile. Com atraso. Na base de cada torre, o ruído não deveria ultrapassar 60 decibéis - "ruído de trânsito".
Na "inauguração" presidida por Lula em 19 de abril de 2006, quando já estavam prontos 10 aerogeradores, o cata-vento acionado por um gerador estacionário girou no sentido anti-horário, mas poucos dos 500 convidados perceberam o equívoco. As seis falas consumiram 52 minutos. O mais falante foi Lula, 15 minutos. Os mais breves: o prefeito Bolzan e a ministra Dilma Rousseff - 5 minutos cada. O governador Germano Rigotto, candidato à reeleição, gastou 9 minutos. O ministro Silas Rondeau, 10. O diretor espanhol Guillermo Planas Rocca falou por 8 minutos e revelou que teve o primeiro encontro com a secretária de Energia do RS, Dilma Rousseff, em 1999.

Aos 150 anos, Osório colhe os frutos da energia eólica

Mobilização para construção do empreendimento reuniu empresários e poder público do município do Litoral Norte

Mobilização para construção do empreendimento reuniu empresários e poder público do município do Litoral Norte


ANDRé x/ARQUIVO/JC
Às vésperas de iniciar as comemorações dos seus 150 anos, Osório entrou num ciclo de crescimento inspirado no "case" da construção da usina eólica. A obra mudou o astral da cidade, que viu, enfim, o lado positivo do vento. Começou assim a se formar o consenso de que a região das lagoas na planície litorânea aos pés da Serra Geral possui vantagens comparativas que lhe permitiriam vender pacotes turísticos, em articulação com as praias, a Capital e a Serra Gaúcha.
"É uma oportunidade única", dizia o vereador Gilmar Luz, secretário do Desenvolvimento, Turismo e Agricultura, que largou a presidência da Câmara de Vereadores para trabalhar diretamente ao lado do prefeito Romildo Bolzan Junior com o objetivo genérico de promover a exploração sustentável dos recursos naturais da região e, dessa forma, gerar renda e empregos nos segmentos de serviços e turismo.
Além de mobilizar administradores públicos, o movimento em torno do desenvolvimento sustentável de Osório congregou empresários que, no mês de julho de 2006, visitaram parques eólicos da Espanha para captar a dimensão da mudança em vias de acontecer. Outra iniciativa interessante foi a troca de informações com profissionais do turismo e do marketing de Gramado. Foi a primeira vez que Osório buscou formas de participar da exploração do fluxo de turistas que circulam pelo seu entorno. Em outubro de 2006, mais de 200 pessoas se reuniram no auditório da Câmara Municipal de Osório para ouvir especialistas em turismo de Gramado, município emancipado em 1954. O evento teve transmissão ao vivo da Rádio Osório AM, especialmente contratada pela prefeitura para divulgar o evento convocado para discutir o futuro do município.
Os palestrantes de Gramado inflaram o ego dos osorienses. Luiz Antonio Barbacovi, secretário de turismo e meio ambiente de Gramado, disse que Osório tem prontos, feitos pela natureza, o que em Gramado precisou ser construído pela mão humana: lagos/lagoas. Para mostrar que nada começa grande, Barbacovi lembrou como nasceu o Festival de Cinema de Gramado, o principal evento do calendário turístico do município. Em 1971, um grupo de artistas e técnicos esteve na cidade fazendo um filme. As estrelas eram Dina Sfat e Paulo José. Como atividade de lazer, inventou-se uma mostra de cinema, numa parceria bancada por um hotel e o cinema local. Isso foi no mês de janeiro. Na época, Gramado ainda era vista com uma estância climática propícia para veraneio. Nos meses quentes, atraía bastante gente. No inverno, era quase deserta.
A virada da cidade como polo de turismo de inverno deu-se após a abertura da Free Way, em 1972, quando o antigo fluxo de veranistas de Porto Alegre e do vale do Sinos começou a deslocar-se da Serra Gaúcha para as praias do Norte do estado. "Foi aí que Gramado começou a explorar o inverno", lembra Barbacovi. Uma das primeiras medidas da Secretaria de Turismo foi transferir a mostra de cinema para agosto, o que abriu caminho para a exploração do frio nos hotéis e restaurantes: lareira, calefação, vinho, fondue, fabricação de chocolate e confecção de malhas de lã.

Preservação ambiental é um dos diferenciais

Tudo que foi mantido virou ativo para os turismo ambiental

Tudo que foi mantido virou ativo para os turismo ambiental


ENERFIN/DIVULGAÇÃO/JC
O publicitário Gunther Staub, ex-secretário de Turismo do Rio Grande do Sul, recomendou aos osorienses a preservação do meio ambiente como principal medida de planejamento estratégico em direção ao desenvolvimento sustentável. "Tudo o que for preservado serão ativos do negócio turístico. Todo ecossistema destruído concorrerá para aumentar o passivo."
A construção da usina eólica redespertou a vocação turística de Osório, cujos dirigentes se deram conta de que o município mantinha uma série de atividades esportivas e turísticas: ciclismo de montanha, a exploração de trilhas a pé, motocross e jipismo, vôo a vela, wind surf e kite surf - tudo isso sem jamais ter investido na formação de pessoal de apoio aos turismos ecológico, de aventura e rural.
A mais notória consequência da obra eólica foi a valorização do Morro Borússia, onde foi construído um mirante de onde se contempla toda a planície ocupada por arrozais, pastos, lagoas e torres eólicas. Tanto o mirante quanto o asfaltamento dos quatro quilômetros até o topo do morro foram custeados pela Ventos do Sul como parte da compensação pelo impacto ambiental do parque eólico.

* Geraldo Hasse é jornalista especializado em agricultura. Trabalhou por mais de 30 anos na mídia do Sudeste e escreveu uma dezena de livros.