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reportagem especial

- Publicada em 04 de Julho de 2021 às 20:05

Pandemia muda realidade dos aplicativos de transporte

Sem reajuste da tarifa e com redução nos passageiros, cenário é de desafio para os motoristas

Sem reajuste da tarifa e com redução nos passageiros, cenário é de desafio para os motoristas


PATRICIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC
 
 

Poucos segmentos de mercado registraram crescimento tão acelerado nos últimos anos como o dos aplicativos de mobilidade urbana. Esse modelo de transporte privado, que caiu definitivamente nas graças dos brasileiros a partir de 2014, com a chegada da norte-americana Uber, virou uma alternativa atraente tanto para passageiros, por ter tarifas inferiores à dos táxis, quanto para quem começou a dirigir profissionalmente para driblar o desemprego ou complementar a renda.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Covid-19, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em outubro passado, cerca de 1,12 milhão de pessoas exerciam essa atividade no início da pandemia de Covid-19. Em 2012, não eram nem 500 mil. Um levantamento anterior do instituto, realizado em 2019, indicava 3,8 milhões de brasileiros trabalhando com aplicativos, mas incluía também a atividade de entregador. Além disso, muitos condutores são adeptos de mais de uma plataforma, o que torna difícil mensurar esse número.
A quantidade de passageiros também impressiona: em um cálculo simples, contando apenas os cadastrados nas duas principais plataformas (que também podem coincidir), chega-se a 40 milhões de usuários. Ou seja, quase 19% dos 211,8 milhões de brasileiros.
No Rio Grande do Sul, estimativa do Sindicato dos Motoristas de Transporte Individual por Aplicativo do Rio Grande do Sul (Simtrapli-RS) indica que há, hoje, em torno de 100 mil condutores registrados no Estado, sendo 35 mil da Região Metropolitana, e, entre esses, 25 mil somente da capital gaúcha. A título de comparação, em 2020, Porto Alegre tinha cerca de 5,3 mil motoristas de táxi cadastrados, conforme a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC).
Mesmo com a popularidade do serviço, os motoristas de aplicativos sentiram na pele os efeitos do coronavírus. O isolamento social representou uma queda brusca no número de passageiros (no início da pandemia, a queda passou de 70%, segundo entidades da categoria e as próprias empresas), obrigando muitos profissionais a fazerem uma carga horária pesada para sobreviver. Contribuem com esse cenário de incertezas a alta dos combustíveis, a redução de ganhos percentuais por corrida e a falta de uma legislação específica para a categoria.

Rendimento caiu 85% no início da pandemia

Covid-19 afetou ganhos, diz Carina Trindade, representante sindical

Covid-19 afetou ganhos, diz Carina Trindade, representante sindical


MARIANA ALVES/JC
Moradora do bairro Mathias Velho, em Canoas, Carina Trindade, 42 anos, trabalha com aplicativos há cerca de cinco anos. Há quatro, atua como secretária-geral do Simtrapli - função que também exerce na Associação Liga dos Motoristas de Aplicativos do Rio Grande do Sul (Alma). Segundo ela, a circulação reduzida de pessoas por causa do coronavírus teve impacto imediato no serviço, e somente agora é que a situação parece estar melhorando.
"O ganho médio de um motorista antes da pandemia ficava em torno de R$ 4 mil (mensais). Na pandemia, baixou bastante. Muitos tinham carro locado, pagavam R$ 2 mil só de aluguel, e começaram a entregar os veículos porque não estava dando: ou tu tiravas para comer, para viver, ou para pagar o veículo. Outros, que tinham carro financiado, precisaram devolver e renegociar dívidas", explica Carina.
Conforme a representante sindical, a queda nos rendimentos chegou a 85% no início da pandemia, a ponto de as entidades terem se mobilizado para arrecadar cestas básicas para os profissionais que estavam sem trabalhar. Com a reabertura do comércio e a ampliação do horário de expediente em bares e restaurantes, o movimento começou a aumentar, mas ainda está longe do ideal. Hoje, informa ela, o rendimento médio semanal de um motorista de app fica entre R$ 1 mil e R$ 1, 5 mil. "Isso é o valor bruto, sem descontar combustível, que representa um gasto de cerca de 45%. E tem a manutenção, pois o desgaste do veículo é grande".
Além dos impactos da pandemia e do combustível inflacionado, a redução nos ganhos tem outro motivo. De acordo com o sindicato, a Uber deixou de repassar aos condutores o valor da tarifa dinâmica, que é o adicional cobrado quando há alta demanda. Para piorar, o repasse por quilômetro rodado teria caído de R$ 1,45, no início das operações, para R$ 0,90.
Presidente da União Gaúcha de Motoristas Autônomos (Ugama), Mauro Souza, concorda que o cenário já foi melhor. "Alguns aplicativos estão espremendo a categoria com valores e taxas absurdas, mudando meios de pagamento e baixando valores." A categoria pede um reajuste de 42%, índice que, conforme o Simtrapli, representa as perdas sofridas em seis anos de operação da Uber na Capital, e defende o fim das tarifas promocionais.
 

"Não temos direito a nada", lamenta advogado de 27 anos

Germano Weschenfelder quer defender a causa dos motoristas

Germano Weschenfelder quer defender a causa dos motoristas


MARIANA ALVES/JC
"Pretendo defender os motoristas de aplicativos das injustiças que sofremos." A frase é de Germano Weschenfelder, 27 anos, cujo sonho pode estar muito próximo de se concretizar. Formado em Direito pela Ufrgs e aprovado recentemente na primeira fase do Exame de Ordem, a concorrida prova da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o jovem quer se utilizar do conhecimento acadêmico para auxiliar os colegas a lutar por seus direitos. "Esse trabalho dá pouco mais de um salário-mínimo para quem dirige oito horas diárias, mas não temos nenhum direito trabalhista. Não temos direito a férias, a descanso semanal remunerado, a décimo-terceiro, nada", desabafa.
Morador do bairro Independência, em Porto Alegre, Weschenfelder começou a trabalhar com aplicativo em 2019. Na época, fazia estágio na área jurídica, mas buscava uma remuneração um pouco melhor. Hoje, com a Covid-19, admite que está bastante complicado garantir uma renda razoável.
"Eu faço cerca de 10 horas por dia desde que começou a pandemia, para conseguir trazer o mínimo de dignidade para dentro de casa", diz ele, que ainda precisa dividir o tempo entre trabalho e estudos para a segunda fase da prova.
Weschenfelder considera o tratamento das plataformas injusto em diversos aspectos. Elenca, por exemplo, a falta de reajuste nos valores repassados, exclusões sem motivo e bloqueios temporários pelo fato de muitos motoristas não aceitarem corridas em área de risco - opção que, em tempos de coronavírus, acabou deixada de lado. "Não podemos nos dar ao luxo de negar corridas agora na pandemia."

Mudança radical na vida de uma dona de casa

Poucas vantagens que motoristas tinham foram sumindo, afirma Miria

Poucas vantagens que motoristas tinham foram sumindo, afirma Miria


/MARIANA ALVES/JC
A rotina da dona de casa Miria Raquel Teixeira Meneses, 54 anos, mudou em 2017. Durante muito tempo, ficou em casa cuidando da família, mas, com os três filhos criados, achou que era hora de mudar. "Precisava fazer algo para mim. Uma pessoa me falou sobre os aplicativos, fiquei curiosa. Quando consegui comprar meu carro, comecei a trabalhar", relata ela, que mora em Sapucaia do Sul, mas, como muitos motoristas da Grande Porto Alegre, garante boa parte do faturamento na Capital.
Segundo Miria, seu rendimento bruto gira em torno de R$ 5 mil por mês. Mas, para isso, ela precisa rodar muito. "Minha carga horária quem faz são as contas, normalmente", ri. "No começo era bem pouco, pois tinha outros compromissos, com filhos e netos na escola. Depois veio a separação e fiquei eu por eu mesma, então sempre trabalhei de acordo com os gastos, sem um horário fixo. Muitas vezes tive que trabalhar de 15 a 16 horas diárias."
Miria reclama que as poucas vantagens que os motoristas tinham quando os aplicativos surgiram foram sumindo. "Há quase seis anos não temos nenhum tipo de reajuste das tarifas, mudaram a forma de descontar a porcentagem deles, agora a última foi nos retirarem os valores dinâmicos nas horas de mais movimento e nos colocarem valores fixos."
Miria já foi assaltada duas vezes, "com arma na cabeça". Ainda assim, não desanima. "O medo de assalto é algo que nos acompanha diariamente, e muitas vezes existe desrespeito só por sermos mulheres. Mas isso não faz com que a gente baixe a cabeça e pare."

Empresas defendem utilização da tarifa dinâmica

Segundo a Uber, ferramenta testada não foi criada para reduzir os lucros de colaboradores

Segundo a Uber, ferramenta testada não foi criada para reduzir os lucros de colaboradores


MARCOS CUNHA/AGÊNCIA FREE LANCER/AE/JC
O Jornal do Comércio questionou a posição das plataformas mais utilizadas em Porto Alegre em relação às reivindicações dos motoristas, uma vez que elas foram rechaçadas durante as audiências de mediação. Sobre a tarifa dinâmica, a Uber destaca que o sistema que começou a ser testado na Capital no início de junho não foi criado para reduzir os lucros de seus colaboradores.
"Nos testes realizados de março a maio em outras cidades brasileiras, a Uber observou que os parceiros que usaram esse novo sistema ganharam a mesma coisa ou mais do que os que usaram os multiplicadores", justifica a startup, destacando que o valor da viagem é, sim, atualizado para mais ou para menos quando há mudança relevante nas estimativas de duração e de distância.
Criada no Brasil, mas adquirida dois anos atrás pela companhia global chinesa DiDi, a 99 apresenta argumento semelhante. "A tarifa dinâmica é uma maneira de balancear a plataforma, respeitando a lógica de oferta e demanda", justifica a plataforma. Carina Trindade, do Simtrapli, reclama que, durante as negociações em busca de melhor remuneração para os condutores, foi bloqueada injustamente pelo aplicativo. Sem entrar em detalhes, a 99 alega que a medida ocorreu por "violação dos termos de uso da plataforma".
Já o aplicativo russo inDriver trabalha de forma diferente, uma vez que não conta com tarifa dinâmica. Ainda assim, há um fator que gera críticas entre os condutores: o serviço permite aos passageiros escolherem quanto querem pagar, o que muitas vezes resulta em uma remuneração baixa por uma corrida de longa duração.
A gerente de Operações e Marketing Anastácia Vilas Boas da inDriver no Brasil, Anastácia Vilas Boas, ressalta que esse é um diferencial da empresa, e que não acarreta prejuízos ao motorista. "Ele apenas precisa ficar atento às distâncias a serem percorridas e só aceitar a negociação se realmente for boa. A inDriver não tem nenhum tipo de punição ou advertência caso o motorista não aceite as chamadas. Então ele fica confortável para fazer as corridas dentro do valor justo para ele e para o usuário", garante.
Um dos maiores impactos do coronavírus na área de mobilidade urbana foi a saída da Cabify do Brasil. Alegando dificuldades em atuar em um mercado bastante afetado pelas crises sanitária e socioeconômica decorrentes da pandemia, a startup espanhola encerrou suas atividades no País em meados de junho. O Simtrapli pediu uma compensação aos motoristas cadastrados no aplicativo, mas a empresa recusou. Assim, o sindicato vai procurar resolver a questão na Justiça.

Delivery em expansão acirra disputa entre as plataformas

Entre as principais empresas que atuam na área de transporte de passageiros, a saída foi expandir os serviços de entrega. De acordo com a empresa alemã Statista, o delivery deve movimentar US$ 6,3 trilhões em todo o mundo até o final do ano.
"É evidente que, com as pessoas isoladas pelas recomendações de distanciamento e, consequentemente, se movimentando muito menos pelas cidades, os negócios com foco em mobilidade foram afetados. Por outro lado, as demandas por soluções de delivery cresceram muito. E soluções que lançamos na pandemia, como o Uber Flash, em que o usuário pode pedir um veículo para entregar um documento ou um presente, se tornaram fundamentais", diz a Uber.
Principal concorrente da startup dos EUA, a 99 registrou queda nas operações, mas, na contramão da crise, decidiu aplicar recursos em alternativas. "Investimos R$ 157 milhões no desenvolvimento de soluções acessíveis de mobilidade e segurança - física e sanitária - para ampliar a oferta de serviços para a população brasileira, sendo R$ 90 milhões no desenvolvimento de novos produtos, R$ 35 milhões em soluções de segurança e R$ 32 milhões em ações de proteção sanitárias", informa a empresa.
A inDriver investiu no delivery, modalidade que já se encontra disponível nas principais cidades gaúchas, segundo a gerente de Operações e Marketing, Anastácia Vilas Boas. "O mais novo serviço fica por conta do inDriver Frete, que permite enviar objetos volumosos ou acima de 20 quilos, e até mesmo fazer mudanças. São cadastrados apenas veículos apropriados, como vans, caminhões ou pick-ups", explica.
 

Regulamentação é forma de garantir direitos

Disputas judiciais têm sido cada vez mais comuns envolvendo motoristas e empresas

Disputas judiciais têm sido cada vez mais comuns envolvendo motoristas e empresas


PATRICIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC
O poder público não é o único preocupado em regulamentar o serviço. Por parte dos motoristas, também há intenção de ver a atividade regularizada, até porque essa é uma forma de garantir direitos básicos. Há diversos projetos de lei tramitando no Congresso sobre o tema, inclusive para reconhecer vínculo empregatício com as empresas. Na prática, porém, a realidade ainda é bem diferente.
"Como não temos uma legislação municipal, seguimos a federal em relação à questão do livre trabalho, de que tu podes fazer aplicativo em qualquer lugar do País. Agora, é muito ruim para o motorista não ter nenhum direito", observa Carina Trindade, do Simtrapi. "Esta situação vem se arrastando por anos. Nossa luta foi sempre para as leis serem criadas pela legislação federal e cumprida pelos municípios", complementa o presidente da União Gaúcha de Motoristas Autônomos (Ugama), Mauro Souza, 52 anos.
Disputas judiciais têm sido cada vez mais comuns envolvendo motoristas e empresas. Em 2019, a Uber concordou em pagar US$ 20 milhões (cerca de R$ 76 milhões, na época) para dar fim a uma ação movida nos EUA. Os condutores alegaram ser empregados, e não contratados independentes, e, portanto, com direito a determinadas proteções legais. Decisões semelhantes já ocorreram no Brasil. Em abril, o Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, em Campinas, proferiu um acórdão reconhecendo o vínculo empregatício de um motorista com a empresa, que decidiu recorrer.
Vice-presidente do TRT da 4ª Região, o desembargador Francisco Rossal de Araújo ressalta que as audiências com as empresas e os motoristas têm foco específico, buscando acordo entre as partes. "Como é uma relação de trabalho com sentido amplo, não uma relação de emprego com carteira assinada, o caminho natural foi buscar a Justiça do Trabalho", afirma.
Para Rossal, a grande questão é que o transporte por aplicativos ainda é um "vazio legislativo completo", não só no aspecto trabalhista, mas em termos de previdência social. "O que vai acontecer com essas pessoas quando envelhecerem? Como irão se aposentar? Quando ocorre um acidente, quem é o responsável, é só o motorista ou a empresa também? Não cabe ao Judiciário opinar sobre esses fatos, a não ser que seja provocado, mas cabe proporcionar um espaço para encontrar uma solução", conclui.

De carona e de ônibus

Em meio à pandemia, plataforma BlaBlaCar expandiu operação e se tornou multimodal

Em meio à pandemia, plataforma BlaBlaCar expandiu operação e se tornou multimodal


BLABLACAR/DIVULGAÇÃO/JC
Nascida em 2006, na França, a BlaBlaCar é uma plataforma diferente das demais, uma vez que funciona como uma conexão entre condutores e passageiros, permitindo a divisão de custos entre eles. Em suma, uma forma de custear a tradicional carona.
Chegou ao Brasil no final de 2015 e, em plena pandemia, expandiu suas operações ao lançar, em outubro passado, a criação de um marketplace de passagens rodoviárias, que funciona de maneira conjunta com as caronas. Assim, cabe ao usuário escolher a opção que o melhor atenda em sua viagem intermunicipal ou interestadual. "Com a nova operação, o objetivo é alcançar R$ 10 milhões em vendas de passagens rodoviárias por mês, até o final de 2021, além de chegar à marca de 150 empresas de ônibus parceiras, todas integradas e disponíveis na plataforma para a venda online", afirma Frédéric Ollier, vice-presidente da América Latina para a unidade de ônibus da BlaBlaCar.
Conforme o porta-voz, a pandemia mostrou-se um desafio e tanto, mas, após um período de dificuldades, o movimento começou a crescer novamente. "Em meados de março do ano passado, a BlaBlaCar registrou uma queda de 50% nas atividades no Brasil e observou uma retomada gradual ao longo de 2020, encerrando o período com um aumento de 6% no número de assentos oferecidos em caronas", relata Ollier,

Mobilidade não pode ser só de pessoas

Marcondes Trindade, CEO do aplicativo gaúcho Garupa, precisou readequar planejamento

Marcondes Trindade, CEO do aplicativo gaúcho Garupa, precisou readequar planejamento


MARCO QUINTANA/DIVULGAÇÃO/JC
Em operação desde 2017, o aplicativo gaúcho Garupa apostou na diversificação dos serviços para sobreviver à pandemia. CEO e sócio majoritário da empresa, João Marcondes Vargas Trindade, ressalta que a pandemia acelerou todo o planejamento da empresa.
Uma "receita certa" era proporcionada indiretamente pela área de entretenimento, segmento que ainda está longe de normalizar. "Nos finais de semana, com mais festas e eventos, o app chegava a 'bugar' de tantos usuários. Esse tipo de corrida representa 40% do faturamento da nossa empresa, e posso afirmar que de todos os aplicativos de mobilidade", afirma.
Segundo ele, o prejuízo foi gigantesco, "de três a seis meses de desespero". "Chegamos a cair de 22 mil corridas por dia para 2 mil quando começou a pandemia. Isso nos fez entender que a mobilidade não pode ser só de pessoas, precisávamos movimentar produtos, farmácia, mercado, envelopes, lanches Em três, quatro, cinco meses, começamos a recuperar a receita, mas muito timidamente."
Com os ajustes no planejamento, as coisas começaram a melhorar, a ponto de o número de sócios-operadores (modelo que funciona como uma espécie de franquia, com um responsável em cada cidade ou região) ter crescido 265% na pandemia. "Nossa ideia é atuar em todos os estados do Brasil (hoje, são 19, mais o Distrito Federal), triplicando os números da empresa em 2021", avalia.
Desde o início, Marcondes Trindade adotou uma estratégia diferente: priorizou as cidades do Interior, onde a oferta de aplicativos não era tão grande. Assim, garantiu uma fatia do mercado que as grandes plataformas de mobilidade não tinham priorizado. "Hoje temos 80% do mercado do RS. Só não temos o da Grande Porto Alegre, onde a Uber é um nome muito forte e a 99 conta com um poderio financeiro grande", observa.

Secretário de Mobilidade defende regulamentação

Município não ganha nada com a atividade, afirma Luiz Fernando Záchia

Município não ganha nada com a atividade, afirma Luiz Fernando Záchia


mateus raugust/pmpa/jc
Diante de uma realidade que veio para ficar, em 2018, o ex-presidente Michel Temer sancionou a Lei nº 13.640, regulamentando o transporte remunerado privado individual de passageiros. Entre as exigências a serem cumpridas pelos motoristas de aplicativos, nada que já não fosse quesito básico para a atividade: habilitação de categoria B, antecedentes criminais, Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo e automóvel que atenda aos requisitos definidos pela autoridade de trânsito. A lei também estabeleceu que os municípios e o Distrito Federal podem fazer suas próprias regulamentações.
O ponto de discórdia surgiu a partir daí. Muitas prefeituras tentaram criar suas leis e, no ano seguinte, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional a proibição ou limitação da atividade, destacando que a competência dos municípios não pode contrariar os parâmetros fixados pelo legislador federal.
Em 2019, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul considerou inconstitucionais 18 dispositivos da Lei Municipal 12.423, sancionada pelo então prefeito de Porto Alegre Nelson Marchezan Júnior, a partir de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Partido Novo. Os trechos vetados se referem a Taxa de Gerenciamento Operacional, fiscalização, e emplacamento, entre outros aspectos.
A Procuradoria-Geral do Município tentou reverter a decisão que julgou os dispositivos da lei inconstitucionais, mas não obteve êxito. Em novembro, um recurso extraordinário com agravo foi inadmitido pelo presidente do STF, ministro Luiz Fux. No início do ano, o prefeito Sebastião Melo reforçou que "não está na pauta taxar aplicativos", algo que tinha prometido na campanha eleitoral.
Por sua vez, o secretário de Mobilidade Urbana da Capital, Luiz Fernando Záchia, mantém uma postura bastante crítica sobre a questão dos apps, que considera causar um grande prejuízo ao sistema de transporte da cidade. "Essa atividade não é organizada, diferentemente de táxis, lotações e ônibus, que são periodicamente vistoriados pela EPTC. Não temos como fiscalizar enquanto não houver uma regulamentação", pontua.
Para Záchia, Porto Alegre é particularmente afetada pela falta de controle sobre quem exerce a atividade, uma vez que milhares de motoristas da Região Metropolitana também atuam na malha viária da Capital. "Porto Alegre não ganha um centavo, eles não pagam nada, sequer o ISS (Imposto sobre Serviços)", lamenta.
 

* Daniel Sanes é jornalista formado pela Universidade Católica de Pelotas. Já foi repórter e subeditor no Jornal do Comércio. Hoje, atua como freelancer.