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Reportagem Especial

- Publicada em 06 de Junho de 2021 às 19:26

Indefinições ameaçam operação na Ponte São Borja-Santo Tomé

Ponte responde por 26% do comércio bilateral entre os países

Ponte responde por 26% do comércio bilateral entre os países


Patric Aranda/Divulgação/JC
 
 

Cerca de 6,5 mil caminhões transitam todos os meses pelo local

Cerca de 6,5 mil caminhões transitam todos os meses pelo local


/Patric Aranda/Divulgação/JC
Pouca gente sabe, mas no extremo Oeste do Rio Grande do Sul, às margens do Rio Uruguai, existe um complexo sistema rodoviário que serve de referência em eficiência e agilidade para o Mercosul. Trata-se da Ponte Internacional São Borja-Santo Tomé e o primeiro Centro Unificado (CUF) da América Latina.
A operação, situada em 90 hectares de terra, responde por 26% de todas as transações comerciais entre o Brasil e a Argentina. Em valores, isso significa US$ 7 bilhões, por ano, em mercadorias, na média da última década.
O problema é que nem os volumes e a arrecadação, de R$ 1,2 bilhão em impostos, nos últimos cinco anos, parecem suficientes para os governos de ambos os países. Por isso, faltando 83 dias para o encerramento de um contrato de concessão com prazo inicial de 25 anos, à empresa Mercovia S.A, uma série de ruídos diplomáticos, indefinições, choques de visão e uma dívida de R$ 42,5 milhões ameaçam a continuidade do segundo maior corredor logístico do Rio Grande do Sul.
O modelo, inaugurado em 1997 com pompa pelos então presidentes Carlos Menem e Fernando Henrique Cardoso, é fruto do primeiro acordo internacional do Mercosul. Deste modo, foi estabelecida a gestão integrada dos serviços de desembaraço aduaneiro entre Santo Tomé (Argentina) e São Borja (Brasil) por meio de uma concessão internacional vencida pela empresa Mercovia S.A, em 1995.
A ideia deu certo. Um levantamento da Receita Federal aponta que o tempo de desembaraço aduaneiro pode ser entre 12h e 9h mais ágil do que em outros portos secos.
A eficiência atraiu gigantes do setor automotivo, alimentício e de máquinas e implementos agrícolas que, hoje, dependem do corredor logístico para abastecer suas fábricas e mercados externos. É o caso de Toyota, General Motors (GM), Peugeot Citröen, Scania Latin América, Ford, John Deere, Volkswagen, Volvo, AGCO, FCA (Fiat Chrysler Automóveis) e Unilever.
Toda a estrutura física está do lado argentino da ponte. São, aproximadamente, 12.000m² de área construída. Existem ainda 7,6 km de extensão asfáltica no acesso rodoviário argentino, 6,7 km no acesso brasileiro e 1,4 km sustentados por 33 vãos de 4,2m de altura cada, sobre o Rio Uruguai. Por tratar-se de uma zona neutra, a legislação trabalhista e tributária brasileira tem vigência na faixa de concessão.
Sendo assim, fiscais da Receita Federal, da Policia Federal e do MAPA, por exemplo, atuam sem necessidade de trâmite de imigração na faixa de fronteira. É algo único dentro do Mercosul.
Só que, após 25 anos de concessão, o contrato e também o acordo binacional se encerram no próximo dia 29 de agosto. Caso isso aconteça, para se ter uma ideia, os cerca de 6,5 mil caminhões em trânsito todos os meses teriam de passar pelos bairros de São Borja para acessar a Receita Federal, localizada em área sem infraestrutura adequada ao tipo de fluxo.
Também desviariam o curso para chegar até a Polícia Federal, em um trânsito inimaginável para a cidade. O Ministério da Agricultura sequer possui uma sede no município. Com esta amostra, já é possível imaginar os efeitos desastrosos para a economia local, com uma eventual alteração no modelo. Entretanto, eles não param por aí.
O diretor de Relações internacionais da Associação Comercial e Industrial de São Borja (Acisb) e representante da UniMercosul, Enedir Ramires, relata que na mesma data, em 29 de agosto, 32 escritórios de despachantes brasileiros que, hoje, atuam no Centro Unificado de Fronteira (CUF), amparados pelo acordo de concessão, deixariam de existir, gerando 500 cortes de emprego.
Em 2020, por exemplo, a Mercovia, empresa concessionária, destinou R$ 11 milhões em compras no comércio são-borjense, também recolheu R$ 16 milhões em tributos, em 5 anos - e cerca de R$ 1 milhão por ano em ISS municipal. Até o momento, as negociações entre Brasil e Argentina patinam e ainda ameaçam a continuidade do sistema.

O que está em jogo

  • R$ 1,2 bi em tributos nos últimos 10 anos
  • US$ 7 bi em transações comerciais entre os países
  • Entrave logístico com efeito em custos na indústria e setor de alimentos
  • R$ 11 milhões em compras na economia local
Os motivos do impasse
  • Choque ideológico entre os governos Bolsonaro e Fernández
  • Desejo de estatização por parte da Argentina
  • Altos custos de manutenção e passivo trabalhista da Delcon brasileira
  • Dívida de R$ 42,5 milhões do governo brasileiro com a empresa concessionária
  • Inoperância da Comab na condução da renovação ou lançamento de novo edital
     

Bloqueio eventual geraria efeito cascata no setor automotivo

Impedimento abalaria todo o fluxo de mercadorias, da importação de veículos a peças utilizadas nas fábricas

Impedimento abalaria todo o fluxo de mercadorias, da importação de veículos a peças utilizadas nas fábricas


/PATRÍCIA COMUNELLO/ESPECIAL/JC
A Ponte Internacional São Borja-Santo Tomé é o segundo maior canal de trânsito de mercadorias em fronteira do Estado. Um eventual encerramento das atividades no Centro Unificado de Fronteiras (CUF) ou alteração do modelo de concessão internacional traria uma série de prejuízos, principalmente, para a indústria.
O coordenador do Conselho de Comércio Exterior (Concex) da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Aderbal Lima reforça a teoria e diz que, neste caso, as cifras bilionárias de importação de veículos e de suas peças abalariam o fluxo de mercadorias, em um efeito cascata capaz de reverberar por toda a cadeia produtiva.
Lima cria um cenário hipotético, nem um pouco desejável. Primeiro, diz, os preços seriam elevados, por faltas de insumos. Logo em seguida, as linhas de montagem poderiam paralisar em diversos segmentos. Em oscilação, os estoques exerceriam pressão sobre os preços na outra ponta da cadeia.
"Os impactos do eventual bloqueio de um corredor tão importante para o Brasil podem ser sentidos em basicamente todas as etapas das cadeias relativas à montagem de veículos. Não resta dúvida, o CUF São Borja-Santo Tomé é um exemplo de integração aduaneira por apresentar eficiência e agilidade ao exportador e ao importador, bem como aos prestadores de serviços de comércio exterior, como agentes de carga, despachantes, empresas logísticas", sintetiza. Ele lembra que a própria Fiergs, por exemplo, possui um de seus postos de emissão de certificados de origem localizados no CUF, justamente para garantir velocidade e praticidade ao exportador.
Além disso, seria difícil encontrar uma alternativa de absorção da demanda em outros portos secos. Segundo ele, Uruguaiana poderia, em tese, canalizar essas operações, dada a proximidade entre os municípios. "A manutenção das operações ainda é a melhor opção para a competitividade tanto para os argentinos como aos brasileiros", sustenta.
O coordenador do Concex da Fiergs também revela que em 2019, ano anterior à pandemia, 42,7% dos produtos importados pelo Brasil (US$ 4,5 bilhões) estão classificados como 'Veículos, suas partes e acessórios'. Da mesma forma, 'máquinas e equipamentos', ostentam uma importação de quase meio bilhão de dólares. Nessas classificações, também estão inseridas partes de motores e demais acessórios elétricos, eletrônicos e mecânicos que são utilizados nas linhas de montagem do Brasil.
A questão é que estes produtos possuem peças oriundas não só das fábricas brasileiras, mas, também, de parceiros fornecedores de partes e peças, notadamente a Argentina. "Dada à alta complexidade das relações comerciais de Brasil e Argentina, a perda de agilidade de um canal de comércio como o de São Borja-Santo Tomé afetaria a competitividade das exportações nacionais, que já sofrem com a exportação de resíduos tributários e com uma logística pouco eficiente, além de uma infraestrutura defasada", sacramenta.
Por isso, ele garante que o principal impacto a ser evitado é, justamente, o prejuízo para a facilitação do comércio, pelo excelente índice de tempo de liberação das cargas internacionais no CUF, que conta com um sistema integrado implementado. "Atualmente, a concessionária cede diversos funcionários para os organismos federais brasileiros e argentinos, para que haja celeridade nas liberações de carga, pois o interesse da empresa é que o volume de cargas por este porto aumente", revela.
 


reprodução/jc
 


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Falta de peças de reposição afetaria custo da produção de grãos

Outro fator que pode ter reflexo nos preços dos produtos agrícolas é o tempo de entrega

Outro fator que pode ter reflexo nos preços dos produtos agrícolas é o tempo de entrega


WENDERSON ARAUJO/CNA/DIVULGAÇÃO/JC
Quando o assunto é o Estado, a economia gaúcha sofreria de várias maneiras com o eventual encerramento do modelo de operações na Ponte São Borja-Santo Tomé. Primeiro, por possuir uma conexão produtiva muito maior do que outras regiões do País com a Argentina. Além disso, há um déficit comercial histórico com o vizinho, que é absorvido, justamente, pela indústria gaúcha.
Neste contexto, o coordenador do Conselho de Comércio Exterior (Concex) da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), Aderbal Lima identifica que, por ter uma economia muito variada, sendo líder tanto em produtos primários, quanto em bens industrializados, o Estado sofreria impactos em cadeias distintas.
O setor de produção de grãos, por exemplo, seria afetado pela falta de peças de reposição na indústria de implementos agrícolas - um tradicional polo industrial brasileiro, localizado no Rio Grande do Sul. Também padeceria pelo aumento do tempo de entrega das mercadorias, com a burocracia e, sobretudo, com a elevação dos custos logísticos.
Os efeitos ainda chegariam amplificados na produção de máquinas e equipamentos, de veículos e de todos os tipos de produtos industrializados, justamente, pela proximidade com os produtores argentinos. "Seria um duro golpe em setores que empregam, geram renda e, ainda por cima, trazem receitas ao poder público", analisa.
Lima também frisa que os números e as cifras envolvidos no corredor logístico de São Borja-Santo Tomé englobam não só as grandes empresas, mas, também, segmentos da pequena e da média indústria, que não têm o mesmo fôlego para suportar pressões dessa natureza, especialmente num momento crítico como o atual. Hoje, o Rio Grande do Sul possui cerca de 800 empresas exportadoras para Argentina de diferentes portes e segmentos produtivos.
Por estas razões, a Fiergs se mantém atenta à questão. A Federação foi uma das entidades a ser manifestar, ainda no final do ano passado, para o Ministério da Infraestrutura, solicitando especial atenção ao tema. A entidade acredita que uma solução será dada em tempo. "Também atesto que o Conselho de Comércio Exterior da entidade visitou o CUF de São Borja-Santo Tomé e verificou, in loco, que este modelo de integração aduaneira confere competitividade ao Brasil e ao Rio Grande do Sul, bem como aos órgãos oficiais e prestadores de serviços em ambos os lados da fronteira", comenta Lima.
 

Argentina acena com a estatização do Centro Unificado de Fronteira

Ingrid elaborou projeto que questiona as intenções do presidente argentino

Ingrid elaborou projeto que questiona as intenções do presidente argentino


/Ingrid Jetter/Arquivo pessoal/JC
Os impasses estabelecidos nas negociações não preocupam apenas os brasileiros. A deputada da Nação Argentina, Ingrid Jetter (Proposta Republicana) lidera as pressões do outro lado do Rio Uruguai. Ela elaborou um Projeto de Resolução, no final de março deste ano, em que questiona as reais intenções do presidente Alberto Fernández.
No documento, levanta 11 itens, dentre eles, se existe a capacidade econômica, financeira e operacional para manter em caráter estatal os serviços oferecidos na Ponte Internacional de São Borja-Santo Tomé e se, neste caso, estaria prevista a absorção da força de trabalho atual no Centro Unificado de Fronteira (CUF).
Passados quase três meses, as respostas permanecem em aberto. No entanto, a deputada eleita pela Província de Corrientes, da qual Santo Tomé faz parte, identifica que na medida em que o tempo corre, as intenções estatizantes do Governo Argentino ganham força.
Ela explica que existem duas visões sobre o tema. Uma é dada por pessoal técnico dos ministérios, que defendem a prorrogação do contrato. Outra, está ligada à ala pró Cristina Kirchner - que já detém fatias consideráveis do Ministério del Interior - e mira a estatização, sem perder de vista a possibilidade de loteamento dos cargos e vagas hoje existentes.
"O problema é que está tudo muito incerto. A esta altura, mesmo que fosse a intenção estatizar - o que seria um retrocesso, pois esta ponte teria que servir de modelo para todas as outras e não voltar para as mãos do Estado - não existe mais tempo hábil para uma tomada de controle, sem a prorrogação do contrato por tempo determinado", defende.
A deputada de oposição ao Governo destaca a atual situação do país vizinho. Hoje, 19 milhões de argentinos vivem abaixo da linha da pobreza. Segundo o Instituto Nacional de Estadística y Censos de la República Argentina (Indec), 35,5% da população era pobre no fim de 2019. Esse percentual avançou para 40,9% no primeiro semestre de 2020, até chegar a 42% na segunda metade do ano, agravado pelos efeitos da pandemia.
A utilização de reservas cambiais para protelar ajustes fiscais levou a moeda daquele país, no fechamento de 2020, ao pior desempenho entre os emergentes no período, afetando diretamente os empregos e a indústria. Estes são alguns dos resultados de mais de uma década de reviravoltas políticas e econômicas. Na atual conjuntura, a vice-presidente Cristina Kirchnner enfrenta uma enxurrada de ações judiciais. São pelo menos sete processos por suposta corrupção durante seus dois mandatos como presidente (2007-2015).
Diante deste cenário Igrid Jetter sustenta que o iminente encerramento da concessão abre um debate, não apenas para os dois países afetados, mas também para as empresas de comércio internacional e, sobretudo, nos municípios e nas famílias que oferecem a mão de obra utilizada pelo setor. "Santo Tomé sobrevive deste fluxo aduaneiro, seja de cargas, ou algum turista. Seria impensável calcular os efeitos de alterações na Ponte para a cidade", analisa Ingrid.

Comab contrata estudo de R$ 3,2 mi para encerrar concessão

Conteúdo está no Portal da Transparência da Controladoria Geral da União

Conteúdo está no Portal da Transparência da Controladoria Geral da União


/reprodução/jc
Logo no início das tratativas para a construção e exploração da Ponte Internacional os Governos de Brasil e Argentina, ainda em 1989, criaram a Comissão Mista Argentino-Brasileira (Comab). Naquela época, o órgão binacional foi modelado por representantes dos Ministérios de ambos os países - Relações Exteriores e dos Transportes, do Brasil, Interior e Transportes, da Argentina. A inauguração ocorreu oito anos depois, pelos então presidentes Carlos Menem e Fernando Henrique Cardoso, fruto do primeiro acordo internacional do Mercosul.
Já a Delegação de Controle (Delcon), com sede no Prédio de Administração do Centro Unificado de Fronteira (CUF), é o braço executivo da Comab na Concessão Internacional Santo Tomé-São Borja. Funciona como uma agência reguladora, nas atividades e interesses dos concessores e da concessionária.
A atuação da Delcon, formada por 14 servidores federais comissionados - 7 brasileiros e 7 argentinos - com alta rotatividade, sempre despertou o interesse de moradores de São Borja e de Santo Tomé. Isso ocorre porque os salários são indexados ao dólar, o que não é permitido pela legislação de ambos os países. Diz o Artigo 43 da CLT nacional: "A prestação, em espécie, do salário será paga em moeda corrente do país". E o Parágrafo Único sacramenta: "O pagamento do salário realizado com a inobservância deste artigo considera-se como não feito".
Pois é, basta passar os olhos pela letra fria da lei e imaginar o montante acumulado em passivos trabalhistas ao longo de 25 anos. Aliás, dizem interlocutores diretos que esta teria sido a principal razão para que o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, rejeitasse a ideia de renovação da concessão e chegasse a cogitar 'entregar tudo para a Argentina', no ano passado. Mas o superdimensionamento da Comissão e da Delegacia de Controle não para por aí.
Em 10 de outubro de 2019, a Portaria 4.118, publicado no Diário Oficial da União regulamentou "os procedimentos internos no âmbito do Ministério da Infraestrutura para apoio técnico e financeiro à Comab/Delson na consecução dos objetivos relacionados ao Acordo Internacional promulgado pelo Decreto n° 110, de 3 de maio de 1991."
Na prática, o Artigo primeiro deixa expressa a obrigatoriedade de apresentar ao Ministério da Infraestrutura, anualmente, o orçamento para manutenção e gestão da Delegação de Controle, aprovado pela Comab. Isso significa que, pela primeira vez, em mais de duas décadas, foi possível avaliar o custo real deste órgão.
O Portal da Transparência da Controladoria Geral da União (CGU), por sua vez, passou a disponibilizar o conteúdo. Do total gasto em 2020, R$ 3,2 milhões foram destinados à contratação de um estudo junto à Empresa de Planejamento e Logística S.A (EPL). Trata-se da antiga Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade S.A (Etav) - criada no Governo Dilma Rousseff, pra acompanhar a instalação de um trem-bala entre Rio de Janeiro e São Paulo, que jamais saiu do papel.
Renomeada em 2019, agora, a EPL oferece serviços, projetos, estudos e pesquisas destinados a subsidiar o planejamento da infraestrutura, logística e transportes. O curioso é que - contrariando algumas expectativas mais otimistas, que indicam o esforço do governo brasileiro em encontrar uma alternativa para prorrogar a concessão da Ponte São Borja-Santo Tomé - o empenho do recurso consta no portal como uma "consultoria técnica para apoio ao encerramento da concessão relativa à ligação rodoviária internacional entre os municípios de Santo Tomé (Argentina) e São Borja (Brasil)".
No dia 13 de novembro de 2020, o site oficial da empresa veiculou nota sob o título de "EPL inicia estudos para fim de concessão em ponte binacional". Outra vez, o texto dava o tom das intenções brasileiras naquele momento. "A EPL fechou acordo com o Ministério da Infraestrutura para realizar estudos de encerramento do contrato internacional de concessão da Ponte da Integração, que liga as cidades de São Borja, no Rio Grande do Sul, e Santo Tomé, na Argentina.
O ativo integra importante rota de comércio entre os dois países, especialmente da indústria automotiva. A EPL será responsável por instruir a posição do Brasil na análise econômico-financeira que viabilizará o encerramento das atividades da concessionária", diz o material. O teor é bastante claro e está em linha com o que pensa o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, segundo relatam alguns interlocutores. "Ouvi, mais de uma vez, que o ministro disse 'nós' não vamos fazer a renovação", revela Ana Amélia Lemos, a secretária extraordinária de Relações Federativas e Internacionais do Estado.
Ela tem participado de maneira ativa das negociações. No dia 10 de maio, divulgou em suas redes sociais que o embaixador argentino, Daniel Scioli, durante reunião com o governador Eduardo Leite, garantiu que o governo argentino estaria disposto a prorrogar o contrato por mais um ano. Desde então, acompanha diariamente o desenrolar dos acontecimentos, atuando na mediação e articulação de encontros entre autoridades com poder de decisão.
O fato lhe rendeu um convite a participar, nove dias mais tarde, de uma reunião organizada pela Comissão do Mercosul da Assembleia Legislativa, presidida pelo Deputado Issur Koch (Progressistas) e Fran Somensi (Republicanos). O encontro foi provocado pela Comissão Especial da Câmara de Vereadores de São Borja, formada pelos vereadores Tiago Cadó (PDT), Roni Martins (Progressistas) e Jefferson Homrich (PTB), que dias antes haviam levado ao conhecimento do Governo do Estado, pela primeira vez, a gravidade e a urgência do tema.
Naquela ocasião, Ana Amélia informou que o Itamaraty, a sede diplomática nacional, aguardava por um comunicado oficial em breve. No entanto, passados 18 dias, isso não aconteceu. Pelo contrário, na segunda-feira passada, 31 de maio, não fosse a legislação emergencial argentina, que impede demissões durante a pandemia, os cerca de 400 argentinos que atuam no CUF começariam a receber as cartas de aviso prévio.
Agora, as empresas estudam como devem proceder em meio ao imbróglio. Na mesma data, ou seja, 90 dias antes do término da concessão, o contrato prevê o 'inventário definitivo dos bens que a Mercovia S.A não tenha direito a retirar' do Centro Unificado por ocasião de sua saída. Isso indica que a contagem regressiva já começou.
 

Dívida brasileira de R$ 42,5 milhões deve ser paga em julho

Justiça federal fixou novo prazo para o pagamento do débito

Justiça federal fixou novo prazo para o pagamento do débito


/reprodução/jc
Os solavancos na administração do braço brasileiro da Delcon/Comab, ao longo dos 25 anos de concessão, podem ser perfeitamente mensurados. São públicos e estão disponíveis no site do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Por força de decreto de criação, a Comab é a instância administrativa recursal em relação aos atos da Delcon. Reclamatórias cabem mediante processo de Arbitragem Internacional.
E é aqui onde tudo começa. Em mais de duas décadas, o órgão, que teria a única finalidade de gerir a concessão, deixa um legado de
R$ 42,5 milhões em dívidas acumuladas, a partir de 2002, quando teve início o primeiro processo arbitral em um tribunal do Uruguai.
Naquele momento, estipulou-se que a Comab deveria à empresa concessionária, Mercovia, cerca de R$ 17,5 milhões por falta de adequação do equilíbrio econômico-financeiro - a chamada Taxa Interna de Retorno (TIR). A quitação do débito seria em três parcelas, nos meses de maio, julho e setembro. No entanto, o Brasil não respeitou a íntegra do cronograma. Sendo assim, em 2010, outra sentença arbitral atualizou os débitos - de R$ 9,5 milhões e R$ 16,7 milhões, correspondentes aos juros e mora do saldo anterior.
Mais tarde, a decisão teve de ser reconhecida e homologada pelo STJ. Há duas semanas, na segunda-feira, dia 24 de maio, mais precisamente, a Justiça Federal fixou novo prazo de pagamentos para o estoque da dívida. Agora, a soma ultrapassa os R$ 42,5 milhões e precisa ser quitada no dia 15 de julho, portanto, cerca de 45 dias antes do término do contrato de concessão em agosto.
Conversas extraoficiais apontam que o montante seria um dos pontos cruciais do impasse. O Brasil estaria utilizando o débito como moeda de troca para uma eventual prorrogação de contratos. De oficial, existe um documento assinado em abril pelo presidente e diretor brasileiro da Delcon, Edilson José da Costa. No texto, consta a oferta de condições para a permanência da concessionária. No entanto, não há assinatura do representante argentino na Delcon, o que torna a proposta praticamente nula. Uma fonte afirma que o papel não foi firmado 'por aquelas não serem as intenções' do país vizinho.
A tardia tentativa brasileira de barganha, apontada por outra fonte, todavia, pode não surtir qualquer efeito. Isso ocorre, porque a Mercovia SA, pertence à Impregilo International Ifraestructure. De acordo com o site D&B Business Directory (DNB), portal internacional dedicado a apresentar o perfil de empresas de capital aberto (negociadas em bolsa) aos investidores, trata-se de uma gigante dos setores de infraestrutura, logística e serviços industriais.
Com sede em Amsterdam, na Holanda, sob o guarda-chuva da Impregilo estão 245 companhias e empresas ao redor do planeta. A Mercovia S.A é apenas uma entre elas e, diferentemente das demais, que oferecem retornos em dólares e euros, a Mercovia possui seus desempenhos atrelados ao peso argentino e ao real brasileiro.
Aliás, a cobrança de dívidas, via arbitragem internacional, já gerou alguns incidentes bastante curiosos em razão do câmbio. No mesmo processo, em que o Brasil seguiu inadimplente, a Argentina foi beneficiada por sua própria desvalorização cambial. Em 2010, a relação peso/dólar era 3 pesos por US$ 1,00 dólar. Ao ser paga, a proporção era de 45,00 pesos por US$ 1,00 dólar. Deste modo, a dívida inicial que deveria ter sido cobrada por US$ 3 milhões dólares foi paga por somente US$ 260 mil dólares em razão da indexação de moedas no momento de homologação judicial dos débitos em moeda nacional corrente e sua posterior perda de valor frente ao dólar.
 

Indefinição permanece 83 dias antes do fim da concessão

Cerca de 6,5 mil caminhões transitam todos os meses pelo local

Cerca de 6,5 mil caminhões transitam todos os meses pelo local


/Patric Aranda/Divulgação/JC
Em 1996, o jovem prefeito Luis Carlos Heinze, então filiado ao PDS, seria um dos responsáveis por coordenar os esforços para a construção da Ponte Internacional São Borja-Santo Tomé. Vinte e cinco anos mais tarde, na condição de Senador, coube a ele dar o pontapé inicial nas pressões sobre a União para prorrogar a concessão.
Isso aconteceu depois que uma movimentação começou nos escritórios de despachantes que atuam no CUF. Heinze e o prefeito de São Borja, Eduardo Bonotto (Progressistas) lideraram uma série de agendas em Brasília, a partir de novembro de 2020. O movimento alterou a avaliação do governo brasileiro com relação à ponte e, pela primeira vez, foi possível falar em renovação.
Já a Comissão, nascida da Câmara de Vereadores, por indicação de Tiago Cadó (PDT) e composta por Jefferson Homrich (PTB) e Roni Martins (Progressistas), levou ao governo do Estado o problema em abril deste ano. Os três conseguiram sensibilizar a Assembleia Legislativa e entidades empresariais.
Agora, entre os envolvidos, o objetivo é obter a renovação por prazo determinado, até que haja tempo de lançar um novo edital. Os próprios diretores da Mercovia concordam - por mais que isso possa abrir o caminho para que uma nova empresa assuma as operações - é urgente garantir a continuidade do modelo de concessão privada internacional.
Com o tempo escasso, duas importantes reuniões deveriam ter acontecido em 28 de maio. Uma entre o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes Freitas e o embaixador argentino Daniel Scioli, que em 10 de maio declarou que a Argentina estaria disposta a prorrogar a concessão por mais um ano. Desde então, o Brasil aguarda um comunicado oficial, mas Scioli, agora, diz que é o Brasil que necessita oficializar sua posição.
Outro encontro seria realizado entre os representantes brasileiros e argentinos da Comab e os diretores da Mercovia S.A. Por razões distintas e não divulgadas, ambas as agendas foram adiadas. A expectativa era de que ocorressem na semana passada, mas até o fechamento desta edição, na sexta-feira, dia 4, as conversas não foram retomadas, permanecendo o impasse na Fronteira Oeste.
Faltando 83 dias para o encerramento do contrato, os dois países sequer conseguiram oficializar suas posições. A reportagem procurou o prefeito de São Borja, mas não obteve retorno em tempo hábil para a publicação desta reportagem.
 

* Rafael Vigna é formado em jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande sul em 2009. Vencedor do Prêmio BMF&Bovespa em 2014 e 2015, atuou como repórter online e de economia no Jornal do Comércio de 2009 a 2015. Atualmente reside em São Borja.