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Empresas & Negócios

- Publicada em 14 de Dezembro de 2020 às 03:00

Polo naval gaúcho: o colapso de uma esperança

Indústria naval movimentou a economia de Rio Grande, no Sul do Estado, até meados desta década

Indústria naval movimentou a economia de Rio Grande, no Sul do Estado, até meados desta década


Wenderson Araujo/Trilux/CNA/JC
A manhã era de sol e um vento fresco soprava do mar, amainando o forte calor que já fazia no Sul do Estado às vésperas do verão. Uma espécie de névoa invisível, porém, deixava o clima pesado naquele dia 12 de dezembro de 2016. Centenas de pessoas disputavam o ar quase irrespirável, contaminado pela revolta que circulava na entrada do Estaleiro Rio Grande.

A manhã era de sol e um vento fresco soprava do mar, amainando o forte calor que já fazia no Sul do Estado às vésperas do verão. Uma espécie de névoa invisível, porém, deixava o clima pesado naquele dia 12 de dezembro de 2016. Centenas de pessoas disputavam o ar quase irrespirável, contaminado pela revolta que circulava na entrada do Estaleiro Rio Grande.

Sem aviso, ao chegarem para cumprir seu turno, 3,2 mil trabalhadores foram demitidos. Outras dispensas já vinham acontecendo em todo o polo naval e havia suspeita de que um desligamento de grandes proporções era possível, mas ninguém queria acreditar que chegaria a tanto.

Homens choravam, gritavam ameaças, prometiam resistir. Era o fim de um sonho. O polo naval gaúcho, cujas promessas de prosperidade superavam as mais otimistas expectativas menos de dois anos antes, chegava ao fim de forma abrupta e traumática.

O que se viu em Rio Grande naquele fim de ano é um retrato acabado da desolação que ficou no lugar da esperança. Gente indo embora com uma pequena mala na mão, outras tantas fazendo enormes filas em busca das escassas vagas de emprego. O comércio e os serviços, apesar da proximidade do Natal, não comemoravam. Ninguém entrava nas lojas, comia nos restaurantes ou dormia nas camas dos hotéis. O que um dia não muito distante havia sido uma espécie de Eldorado, agora parecia uma cidade fantasma, estagnada e muito, muito amargurada.

Quatro anos depois, a cidade ainda se ressente dos tempos de abundância, mas a mágoa vai, aos poucos, ficando para trás. Novas perspectivas e projetos animam. A regra agora, no entanto, é a cautela: pode haver recuperação, mas a antiga pujança do polo naval nunca retornará na mesma proporção.

Pela cidade, todo mundo tem uma explicação para o fenômeno. Foi a corrupção descoberta pela operação Lava Jato, dizem uns. Foi o governo, que desistiu dos investimentos, afirmam outros. Foram as empresas, que desperdiçaram dinheiro, foi a falta de eficiência, foi a China, foi castigo divino. Compreender o curso daqueles intensos acontecimentos, porém, é mais complexo. "Um avião não cai por uma única razão. É uma confluência de erros e circunstâncias que levam a um desfecho fatal. Foi o que aconteceu aqui", explica o diretor do Arranjo Produtivo Local Marítimo (APL), Arthur Baptista.

Para explicar essa avalanche, é preciso retroceder ao começo dos anos 2000. Ativa no Brasil desde os tempos coloniais, a indústria naval passou a ser tratada oficialmente como uma questão de Estado a partir da criação da Lei do Fundo da Marinha Mercante, em 1958. O objetivo era recolher recursos, a partir da movimentação de cargas em águas e portos do País, para a recuperação, ampliação e renovação da frota mercante nacional. Um fundo milionário foi se formando ao longo das décadas, a partir do recolhimento do Frete para Renovação da Marinha Mercante, cobrado dos armadores. Anunciada desde o início dos anos 2000, a intenção do governo federal de reativar a indústria de construção naval brasileira contou com a alteração, entre 2003 e 2004, da lei que destinava os recursos desse fundo, possibilitando seu uso no financiamento de estaleiros e na construção de plataformas de petróleo. Na prática, abriu-se um cofre abundante para financiar a construção de plataformas e embarcações de apoio para a exploração de petróleo em território nacional.

Outro conceito importante para entender o processo trata-se do conteúdo local. É a exigência de utilizar insumos, serviços e equipamentos produzidos no País, que os exploradores de recursos naturais, nesse caso o petróleo, precisam cumprir. A legislação foi alterada e os percentuais pularam de quase zero para mais de 80% em dois anos - o que demandou uma rapidez frenética da recém-nascida indústria local.

"Os consórcios que ganharam as licitações para a construção das plataformas não tinham experiência em construção para exploração de óleo e gás. O Brasil sequer tinha esse setor estruturado. Não havia mão de obra qualificada. As fusões com empresas estrangeiras, que poderiam aportar expertise, não deram certo justamente por essa baixa eficiência", relembra Baptista.

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