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Empresas & Negócios

- Publicada em 23 de Novembro de 2020 às 03:00

Autossuficiência ao alcance da mão

Neste mês de novembro, chega ao fim a safra de trigo no Rio Grande do Sul, o último estado a colher o cereal mais usado no Brasil para fabricar massas, pães, pizzas e biscoitos, e cuja cadeia de negócios movimenta cerca de R$ 30 bilhões por ano. Mais uma vez, alguns reveses climáticos - geadas em agosto, estiagem em outubro - fizeram com que a safra gaúcha, inicialmente tida como muito boa, fique mais próxima de 2 milhões de toneladas do que dos 3 milhões estimados.
Neste mês de novembro, chega ao fim a safra de trigo no Rio Grande do Sul, o último estado a colher o cereal mais usado no Brasil para fabricar massas, pães, pizzas e biscoitos, e cuja cadeia de negócios movimenta cerca de R$ 30 bilhões por ano. Mais uma vez, alguns reveses climáticos - geadas em agosto, estiagem em outubro - fizeram com que a safra gaúcha, inicialmente tida como muito boa, fique mais próxima de 2 milhões de toneladas do que dos 3 milhões estimados.
Entretanto, com os 3,3 milhões de toneladas colhidos no Paraná e mais quase 1 milhão em estados com produção emergente - Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia, Tocantins Piauí e Ceará -, a triticultura brasileira deu, em 2020, mais um passo rumo à autossuficiência no abastecimento, meta nunca alcançada durante décadas de peleia contra pragas associadas ao mau tempo. Como reconhece Hamilton Jardim, coordenador da Câmara Setorial de Trigo da Farsul, "estamos assistindo ao surgimento do trigo tropical", produzido nos Cerrados.
Técnicos da Embrapa e da Cooperativa dos Produtores Agropecuários do Distrito Federal (Coopa-DF) fizeram questão de registrar o feito de Paulo Bonato, agricultor em Cristalina (GO), que colheu, neste ano, 8.544 quilos de trigo por hectare, recorde brasileiro de produtividade. O volume fica bem acima da média nacional, que não chega a 3.000 kg/ha. Considerado "produtor padrão", é apontado como exemplo a agricultores de todo o Cerrado, região na qual se estima que haja 2,5 milhões de hectares (acima de 800 metros de altitude) aptos ao cultivo de trigo ou, seja, cerca de 1% do bioma.
Na teoria, problema resolvido. Na prática, é apenas o início de uma revolução agrotécnica, já que o recorde foi batido num talhão de apenas 50 hectares sob um pivô de irrigação levado no capricho, como para provar que o trigo (se bem conduzido) tem futuro no Centro-Oeste. Sim, o cereal é viável tecnicamente, mas a que custo econômico? Essa pergunta ainda suscita mais dúvidas e senões do que certezas.
Com 198 associados, a Cooperativa dos Produtores Agropecuários (Coopa) do Distrito Federal (DF), fundada em 1978, vem fazendo da triticultura uma das alternativas de uso dos 200 mil hectares disponíveis em seu perímetro de cultivo de alimentos como alho, ervilha, feijão, girassol, grão de bico, melancia, milho, olerícolas, outras lavouras irrigadas e muito rentáveis. "Se o mercado oferecer bons preços aos produtores, acredito que em 10 anos a produção de trigo no Cerrado possa chegar a uns 6 milhões de toneladas por ano", estima o agrônomo Claudio Malinski, 64 anos, que atua no DF há 40 anos.
Mas, sem perspectiva de lucro, nada feito. Neste ano, os produtores se sentiram estimulados pelo preço do trigo importado - a tonelada tem sido negociada acima de R$ 1.200,00, enquanto, em 2019, o valor ficou em torno de R$ 850,00. Foi a primeira vez, em muitos anos, em que a cotação do trigo nacional ficou bem acima do preço mínimo garantido pelo governo.
O caminho é longo: até agora, o trigo ocupa menos de 5% da área disponível na Coopa/DF para culturas com procura firme do mercado consumidor. Outro ponto negativo para o trigo, segundo Malinski, é que se trata de uma cultura com custo de produção mais alto do que no Sul, já que os produtores estão mais longe dos fornecedores de equipamentos e insumos. Problemas que só serão resolvidos a longo prazo.
Segundo a Embrapa, além da disponibilidade de terras, já não faltam sementes adequadas de trigos de ciclo curto (105/115 dias). Um dos pontos positivos é que o cereal-rei produz melhor quando plantado em terras onde se colheu soja, o grão mais cultivado no Brasil. Com isso, repete-se no Cerrado a dobradinha que, há meio século, promoveu a arrancada da soja no Norte do Rio Grande do Sul. Em 1967, o Banco do Brasil custeou a Operação Tatu, que financiou a aplicação de calcáreo (para corrigir a acidez do solo) em uma dezena de municípios gaúchos com tradição na triticultura. Deu certo por algum tempo - mais para a soja do que para o trigo.
A fórmula foi aplicada com sucesso nos anos seguintes, estimulando a migração da leguminosa chinesa para os estados do Centro-Oeste, onde somente agora a dobradinha trigo-soja tem condições de renascer com técnicas muito mais sofisticadas do que no Rio Grande de 50 anos atrás.
O recordista Bonato pratica a agricultura de precisão e faz ajustes finos a cada safra, sem economizar insumos, em sintonia com as recomendações dos técnicos. Na condução da lavoura, além de manter um rigoroso controle fitossanitário com várias aplicações de produtos químicos, ele realiza adubação foliar, utiliza inoculantes, faz aplicações de sílica para maior proteção das plântulas (que ficam com paredes celulares mais enrijecidas), além de buscar melhorias na adubação com cálcio e boro.
O problema é que tudo isso eleva os custos de produção. Por isso, a área de trigo irrigado no perímetro de atuação da CoopaDF não passou ainda de 3,5 mil hectares, já que os irrigantes dispõem de alternativas mais rentáveis. Quanto ao trigo de sequeiro, com cultivo em março e colheita em julho, já ocupa 5 mil hectares a custo bem mais baixo.
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