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Reportagem Especial

- Publicada em 07 de Setembro de 2020 às 21:15

Pandemia desnuda a desigualdade tecnológica do ensino do Brasil

Tecnologias educacionais oferecem novas maneiras de aprender, mas estão disponíveis para poucos

Tecnologias educacionais oferecem novas maneiras de aprender, mas estão disponíveis para poucos


Stem.T4L/Unsplash/Divulgação/JC
Será a Covid-19 o combustível que faltava para uma onda de inovação invadir a educação brasileira? Assim como a pandemia acelerou a transformação tecnológica das empresas e levou a um processo de amadurecimento das pessoas com as ferramentas do mundo digital, seja para se relacionar com os familiares, fazer transações bancárias pelo celular ou comprar on-line, é grande a expectativa para que sirva de impulso para evoluções no ensino, que já deveriam ter começado há muito tempo. 
Será a Covid-19 o combustível que faltava para uma onda de inovação invadir a educação brasileira? Assim como a pandemia acelerou a transformação tecnológica das empresas e levou a um processo de amadurecimento das pessoas com as ferramentas do mundo digital, seja para se relacionar com os familiares, fazer transações bancárias pelo celular ou comprar on-line, é grande a expectativa para que sirva de impulso para evoluções no ensino, que já deveriam ter começado há muito tempo. 

Covid-19 rompe modelos e aceleraa adoção de tecnologias no ensino

A pandemia do novo coronavírus desnudou as desigualdades existentes entre as escolas públicas e privadas quando considerados práticas, modelos e tecnologias educacionais. O que todos já sabiam, em maior ou menor grau, ficou escancarado. "A Covid-19 vai funcionar como uma aceleradora de futuro da educação, para o bem ou para o mal", projeta a diretora do Centro de Excelência em Inovação em políticas educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Claudia Cotim. Para ela, que foi diretora global de educação do Banco Mundial, o ensino é um campo conflagrado, mas algumas "brigas do bem" precisam ser compradas.
Uma delas é usar todos os recursos disponíveis para evitar que as diferenças se aprofundem neste momento. Algumas crianças têm livros e computador em casa, e pais com repertório cultural para apoiá-los no aprendizado. Mas as famílias mais vulneráveis vivem outra realidade. "É na crise que as lideranças aparecem. Se nada for feito, vamos acabar com a mínima chance de igualdade nesta área", alerta.
Os aprendizados são para todos e, segundo especialistas, é fundamental que as redes de educação pensem no retorno às aulas já compreendendo que a inovação pode ser uma alavanca de mudança. "Se mostrarmos o que a tecnologia pode provocar e ajudar a criar novas maneiras de aprender, mais personalizadas e ativas, poderemos ter um ponto de inflexão muito importante para o futuro", acredita o gerente de Inovação na Fundação Lemann, Lucas Rocha. A instituição tem uma atuação junto a professores, gestores escolares, secretarias de educação e governos para auxiliar a melhorar a educação pública.
Um dos caminhos para essa transformação é a aproximação das escolas públicas e privadas das edtechs, as startups de educação. Isso porque, nos últimos anos, são essas empresas que têm se aprofundado na construção de uma experiência de aprendizagem remota ou híbrida. "As redes de educação estão tendo que aprender praticamente do zero. Então, é interessante que percebam que as edtechs podem impulsionar os processos a partir de tudo que já aprenderam nessa trajetória, testando e vendo o que funciona e o que não funciona", comenta Rocha.
Estudo realizado pela Distrito com 434 startups de educação no Brasil mostra as edtechs com soluções para as instituições tradicionais de ensino são a maioria, 111 no total, representando 25,4%. Isso inclui desde propostas de ensino diferenciadas, tecnologia para salas de aula e de gestão. O Sudeste domina geograficamente, com mais de 60% das startups, seguido pelo Sul, que detém mais de 20%.
O modelo de educação tradicional vai entrar em xeque com mais rapidez, algo que foi precipitado pela pandemia. Mônica Timm, mestre em Gestão Educacional e CEO da plataforma de leitura Elefante Letrado, diz que não é mais possível continuar negligenciando a importância das tecnologias educacionais. "A pandemia divide o século XX do XXI para a educação. Não podemos mais admitir um retorno com princípios e práticas educativas de antes da pandemia", defende.
A reinvenção da aprendizagem passa, por exemplo, pelo entendimento de que não faz mais sentido o modelo de alunos assistindo passivamente a exposição de conteúdos do professor e com atividades que não engajam. Ganha força nessa evolução o chamado design de currículo. "Cada pessoa tem uma bagagem, uma experiência, e não dá para imaginar que a mesma proposta educacional vai impactar todos da mesma forma", relata.
Segundo Mônica, é possível manter o compromisso com o conjunto de conteúdos e expectativas de aprendizagem de cada etapa da escolaridade, mas adotando estratégias diferentes. "A aula monolítica e em lotes, padronizada para todos, me parece estar com dias contatos", acredita. As tecnologias educacionais surgem, justamente, para permitir ao professor entender melhor cada estudante, criando uma experiência personalizada.
Nesse sentido, a aproximação dos players tradicionais de educação com as edtechs, de fato, prova ser algo fundamental. "Muitas startups estavam fazendo educação online há mais tempo e tinham uma visão educacional mais sofisticada de aprendizado ativo e personalizado. É exatamente o que as grandes redes estão precisando", analisa Rocha.

Escolas se estruturam e sistema remoto avança

Rocha alerta que diferenças entre modelo presencial e remoto devem ser bem avaliadas

Rocha alerta que diferenças entre modelo presencial e remoto devem ser bem avaliadas


Fundação Lemann/Divulgação/JC
A pandemia veio como um furacão e jogou as redes privada e pública de ensino direto no modelo remoto. A primeira reação, relembra o gerente de Inovação na Fundação Lemann, Lucas Rocha, foi tentar manter o mesmo estilo de aulas do mundo físico para o digital. "Agora, passados alguns meses, as instituições entenderam que há diferenças e estão conseguindo se estruturar melhor" relata.
Uma pesquisa realizada pela Fundação Lemann mostra que 79% dos alunos da rede pública do Ensino Fundamental e Médio estão participando de algum tipo de oferta de aula remota. O estudo, encomendado junto ao Datafolha, ouviu mais de 1,5 mil responsáveis por estudantes no País. As regiões Sul e Sudeste têm o maior índice de participação nas atividades remotas. "Em maio, o índice era de 74%, ou seja, a adesão está aumentando, o que é positivo", comenta.
As redes com maiores índices de alunos em aulas oferecem conjunto de estratégias, como televisão, rádio e smartphone - que é o campeão de uso para atividades remotas. Para Mônica Timm, CEO da plataforma de leitura Elefante Letrado, o caminho é, justamente, buscar alternativas de aprendizagem. "Os estados que lideram ações interessantes fizeram uma organização rápida, criando um canal educacional usado a televisão, afinal, todo mundo vê TV. Existe possibilidades a explorar", analisa.
"É melhor fazer aula por televisão com alguma qualidade do que nada", compara a diretora do Centro de Excelência em Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV), Claudia Cotim, que está mentorando 50 secretários municipais e três estaduais neste período da pandemia. "Muitos países usam a diversidade de mídias no ensino. Não é só o Brasil que não tem conectividade ou acesso à internet para todos."
Em campos de refugiados, como no Afeganistão, já há grupos que, com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), usam rádios para dar aulas aos estudantes. O mesmo acontece no interior do Rio Grande do Norte. No Maranhão, desde que começou a pandemia, crianças de algumas localidades aprendem com o tripé televisão, rádio e cadernos. "É perfeito? Não. É uma aprendizagem emergencial remota, mas é alguma coisa. É nas crises que construirmos o aprendizado", diz Claudia.

Colégio Israelita Brasileiro coloca plataforma de educação a distância no ar em 48 horas

Quarenta e oito horas. Foi esse o tempo que o Colégio Israelita Brasileiro precisou para iniciar as aulas de educação a distância do ensino infantil até o médio assim que o isolamento social passou a vigorar no Rio Grande do Sul e, consequentemente, houve a suspensão das aulas presenciais. Essa é uma história de sucesso, construída a partir de uma visão para a inovação no ensino que começou bem antes do cenário da Covid-19.
"Há seis anos, estamos com uma série de iniciativas em curso, e isso nos tornou particularmente bem posicionados neste momento", comenta o superintendente geral do Colégio Israelita Brasileiro, Jânio Alves. Segundo ele, a escola já usava o modelo híbrido e tinha uma plataforma de ensino preparada, bem como professores com noção de como trabalhar com essa tecnologia. "Tudo que os alunos podiam fazer em casa, assistindo vídeo, já era feito na plataforma. Com isso, a sala de aula fica mais focada na aprendizagem", conta.
Com a pandemia, os planos de ensino foram migrados do modelo presencial para o remoto. A grade de atividades vai das 8h até às 16h, dividida em faixas (assíncrono, ou seja, o professor posta, mas o aluno não precisa estar conectado no mesmo momento) e aulas ao vivo pelo Zoom. As atividades incluem ainda conteúdos no Spotify e professores e convidados com apresentações no YouTube. O Israelita tem mais de 900 alunos. No dia a dia, estão a disposição laboratórios móveis, um carrinho com kits de notebooks, iPads e outros dispositivos que podem ser usados conforme a demanda de cada turma.

Ano letivo não pode ser dado por perdido, dizem especialistas

Mônica diz que é desafiador para os professores prepararem as aulas remotas

Mônica diz que é desafiador para os professores prepararem as aulas remotas


CLAITON DORNELLES/JC
Os desafios para a educação durante e no pós-pandemia são imensos, e não apenas no Brasil. Recentemente, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, afirmou que o mundo vivencia uma catástrofe geracional em função do fechamento das escolas. Até meados de julho, 160 países viviam a realidade de escolas fechadas, impactando mais de 1 bilhão de estudantes.
Mas, se há um pensamento que anda circulando entre alguns gestores públicos e pais desde o início da pandemia e que inquieta os educadores, é cogitar que o ano está perdido para o ensino no Brasil. "Temos que combater veementemente essa crença", alerta Rocha. Ele cita a pesquisa realizada pela Fundação Lemann que mostrou que metade dos responsáveis pelos alunos, ouvidos pelo Data Folha, acredita que estudantes deveriam permanecer no mesmo ano em 2021. Além disso, 31% afirmaram que temem a evasão escolar, ou seja, receiam que eles não voltem para a escola quando o isolamento acabar.
A educadora Mônica Timm também se preocupa com essa visão. Ela diz que é compreensível que o cenário assuste, especialmente porque está exigindo um aprendizado de todos - professores, pais e alunos. Organizar uma aula a distância exige mais tempo do que a presencial, o que tem sido um fator estressor para os profissionais, especialmente porque a grande maioria não foi preparada para isso.
Muita gente está aprendendo, por exemplo, a lidar com plataformas e lives ao mesmo tempo em que ensina. Empenho que, aliás, não pode ser desprezado. Também é difícil para alunos, sozinhos, desenvolverem as habilidades e competências em um ambiente tão protegido, o que diminui as chances de aprenderem a serem, por exemplo, mais inventivos.
"Esse é um momento de muita dificuldade que está colocando a prova todo sistema educacional, mas também é uma boa oportunidade de revalorizar o papel do professor. Só não dá para, em nome da desigualdade, simplesmente olhar para a educação brasileira em 2020 e dizer que não tem o que fazer e que o ano está perdido", reforça Mônica.
A pandemia nos levou a experimentar algo diferente e agora vai depender do que fizermos com isso. "Acredito que as redes de ensino, professores, estudantes e familiares passarão a ver a tecnologia como uma ferramenta importante no processo educativo, e da nossa sociedade olhar para conectividade como uma grande fonte de desigualdade. Precisamos resolver isso para que essa oportunidade não seja apenas para alguns", alerta.
A professora tutora do quarto ano do Colégio Israelita Brasileiro, Patrícia Caminha, defende uma mudança mais profunda na educação. "As escolas foram as instituições que menos se transformaram ao longo dos séculos", aponta.
Para a educadora, é necessária uma renovação na formação dos professores e que a visão que ainda impera no mercado, de que o importante é o aluno responder as provas de forma satisfatória, precisa evoluir. "Temos que trabalhar com a visão de preparar os alunos para responder os desafios que a vida apresenta, receber os problemas, analisar, lidar com ele e agir de forma responsável", sugere.

Tecnologia traz avanços para universidades corporativas

Vasconcelos diz que tecnologia deve ser usada para melhorar ensino, e não vender cursos em massa

Vasconcelos diz que tecnologia deve ser usada para melhorar ensino, e não vender cursos em massa


Leo Learning/Divulgação/JC
O novo normal que predomina nesse momento do ensino remoto é uma experiência completamente diferente quando se pensa na educação básica, superior e no universo corporativo. "Na educação básica está sendo péssimo, já que os pais precisam ser professores e, ao mesmo tempo, cozinhar e cuidar da saúde e da casa", alerta o CEO da LEO Learning Brasil, edtech que quer revolucionar a aprendizagem com novas linguagens, como webséries, realidade virtual e games, e mestre em Tecnologias Educacionais pela University of Oxford, Richard Vasconcelos.
A experiência de tecnologia aplicada à educação para as crianças, afirma ele, é importante e deveria ser reforçada no retorno às aulas presenciais. "Mas este tem sido um ótimo período para mostrar que a educação a distância não é o caminho para esse público", completa. A história é diferente, porém, quando se pensa no ensino a distância no Ensino Superior e nas empresas.
Neto do fundador da universidade privada Estácio, onde atuou na implantação do ensino a distância até 2009, Vasconcelos acredita que o cenário criado pela pandemia está eliminando o preconceito que havia com atividades remotas.
Não que as resistências fossem infundadas. Segundo ele, nos últimos 10 anos, muitas escolas usaram a tecnologia para baratear custo e ganhar escala. "Precisamos da tecnologia para melhorar a qualidade de ensino, e não para ensinar a massa com cursos de R$ 99,00. O desafio para o Ensino Superior agora é aproveitar o momento de quebra de preconceito para se reinventar e ter uma educação a distância de qualidade", diz.
O mesmo acontece no segmento corporativo. As empresas estão vendo que podem manter as formações dos colaboradores gastando até 80% menos do que no modelo presencial, e com mais eficiência, já que não exige deslocamentos. "O segmento corporativo será o que mais irá revolucionar nesta área. A demanda será enorme", projeta.
Vasconcelos afirma que a tecnologia tem um impacto profundo no ensino. "O digital traz experiências que apenas a voz do professor e o papel não conseguem oferecer. Isso faz com que aluno seja o centro da aprendizagem e o professor um facilitador", analisa.

Empresas buscam talentos ávidos por desafios

Kruel diz que é preciso criar nas crianças e jovens o espírito de resolvedores de problemas

Kruel diz que é preciso criar nas crianças e jovens o espírito de resolvedores de problemas


StartSe/Divulgação/JC
Quem lidera uma empresa já percebeu há muito tempo que existe um claro descasamento entre as habilidades necessárias para o mercado e a forma como os jovens saem das instituições de ensino. "Há mais de 200 anos, as universidades colocam o professor e a instituição no centro da dinâmica da educação, mas o centro somos nós, e o conteúdo deve gravitar em torno da gente", diz a gerente sênior da D.Influencers, Universidade Corporativa da Deloitte, Ana Carnaúba.
Muitos profissionais são o que ela chama de mentes repetidoras, que vão arrefecendo a cada desafio e, diante das dificuldades, desacelerando e tendendo a repetir sempre o mesmo. "Isso acontece porque está no inconsciente, pela forma que eles aprenderam, que não podem errar porque o modelo de educação tradicional pune o erro", explica.
O que as empresas precisam é das mentes buscadoras, que ficam mais ávidas quando são estimuladas pelos desafios. Para isso, é necessário o estímulo dos líderes. "É fundamental criar ambientes emocionalmente seguros para eles darem ideias e serem apoiados, e não tolhidos", enfatiza Ana.
A especialista comenta que a pandemia trouxe a necessidade de revisitar formatos e padrões. Para ela, um grande desafio das instituições de ensino e das empresas para o desenvolvimento dos seus talentos é transformar o saber em um formato digital e, desta forma, ampliado. "Não é falta tecnologia e ferramental, mas de um novo mindset, de dar valor e prioridade a essa transformação. As tecnologias estão prontas, mas não estávamos usando com intensidade e frequência adequada", analisa.
O head de inovação da StartSe, Cristiano Kruel, defende que seja criado em crianças e jovens o espírito de serem resolvedores de problema. "Temos que ensiná-los, desde pequenos, a experimentar e a buscar as respostas para as mais diversas situações que surgirem. Só assim vamos ter profissionais diferentes quando eles chegarem ao mercado", aponta.
O executivo acredita que vamos viver em um mundo com muito mais incertezas e, por isso, é preciso domínio do letramento básico deste novo mundo, ou seja, conhecimento sobre ciência, tecnologia, engenharia e matemática, além de entender correlação e causalidade dos fatos. E, claro, um verdadeiro espírito empreendedor. "Formar pessoas para terem uma carreira é uma desconexão com a realidade futura. Isso não significa, necessariamente, criar uma empresa. Mas empreender no sentido de olhar a jornada da descoberta e evolução, que é a sina da vida humana. Sempre estaremos criando, inovando e aprendendo", pontua.
 

Letrus cria solução de Inteligência Artificial para apoiar professores

Inteligência Artificial ajuda a identificar padrão de erros em textos dos estudantes

Inteligência Artificial ajuda a identificar padrão de erros em textos dos estudantes


Letrus/Divulgação/JC
Uma agenda extensa de aulas, turmas com muitos alunos e dezenas de trabalhos para corrigir em casa - na maioria das vezes, sem receber hora extra. A consequência disso costuma ser professores sobrecarregados, usando o seu tempo para atividades massivas, como analisar 40 textos em uma noite, o que reduz o tempo para preparar as atividades e torna as exposições repetitivas, e sem espaço para considerar a personalização e a individualização da aprendizagem.
Como resolver isso? Com tecnologia. Foi por viver essa realidade durante anos como professor de Língua Portuguesa que Luis Junqueira resolveu criar a Letrus, ao lado de Thiago Roched. A edtech é a primeira no País com um programa educacional que une inovação a conhecimento pedagógico e linguístico humano para alavancar o desenvolvimento da escrita de estudantes.
"A tecnologia é uma grande aliada dos educadores. Ainda não visualizamos isso com tanta propriedade, pois existe resistência à mudança, mas ela pode resolver a organização e o conhecimento do que os estudantes estão aprendendo de forma sem precedentes", destaca.
Imagine, então, acrescentar aí mais um ingrediente: a Inteligência Artificial (AI). Pois é isso que a startup fez. A plataforma on-line da Letrus permite que os alunos escrevam textos e recebam revisões imediatas, com orientações específicas indicando quais revisões e adequações devem ser feitas O estudante recebe uma nota e uma trilha de desenvolvimento individual para seguir.
Paralelamente, o professor de cada turma também recebe devolutivas - ferramenta que oferece recursos para tornar melhorar o planejamento pedagógico - e gráficos que apontam como está o desenvolvimento de toda a turma e de cada aluno individualmente, além de material de apoio para a aplicação das futuras redações. "A Inteligência Artificial está, literalmente, entrando nos textos dos alunos e resolvendo problemas crônicos da área de educação", diz Junqueira.
A tecnologia consegue identificar quais são os erros mais frequentes no texto de cada grupo de alunos, quais deles estão desviando do tema proposto na redação, os que têm dificuldades ortográficas e até mesmo detectar se estão usando um tom muito informal. "Com essas informações em mãos, o professor pode agrupar a turma de acordo com as dificuldades e potenciais e tomar medidas mais estratégicas para corrigir a avançar", explica.
A plataforma avalia textos dissertativos usando os mesmos critérios das competências adotadas pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e pela Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest). A precisão é tanta que, se o aluno escreve uma redação para treinar para o Enem, assim que termina a ferramenta já informa quais questões não estão presentes nas redações que costuma tirar a nota máxima - 1.000. Em 2020, as trilhas de desenvolvimento ficaram disponíveis também para estudantes do Ensino Fundamental, abrangendo outros gêneros de escrita.
Em 2019, o Programa Letrus foi aplicado pela primeira vez em larga escala em um projeto desenvolvido no Espírito Santo junto à Secretaria de Educação. A iniciativa teve apoio financeiro da Fundação Lemann e do J-PAL-MIT - Centro de Pesquisa do Instituto Tecnológico de Massachusetts que busca reduzir a pobreza.
Durante cinco meses, 12 mil alunos do terceiro ano do Ensino Médio em 121 escolas públicas do Espírito Santo foram impactados pelo programa, o que resultou, ao final, em um aumento nas notas de redações de 90% dos estudantes. Em apenas cinco atividades, a evolução de notas na plataforma ficou, em média, de 55 pontos, levando em consideração a régua de pontuação do Enem).
Esse trabalho foi o vencedor do King Hamad Bin Isa Al-Khalifa ICT in Education Prize, da Unesco. A premiação, cujo tema da edição foi "O uso da Inteligência Artificial para inovação da educação, do aprendizado e do ensino", foi concedida pela primeira vez a uma iniciativa brasileira.
Para Junqueira, esse momento de pandemia representa uma grande oportunidade para se firmar parcerias entre empresas de tecnologia com as escolas. "É uma frente que traz benefícios sem precedentes para os professores em sala de aula tanto no armazenamento como na organização dos dados para poder tomar decisões com método pedagógico baseado em evidências", defende.

*Patricia Knebel

Repórter de Tecnologia e Inovação do Jornal do Comércio, Patricia Knebel também é colunista do Mercado Digital e idealizadora da série Mentes Transformadoras. Autora de livros como Dos grãos aos chips e Mundo Conectado, fundadora do Estúdio Editorial – content innovation lab e curadora da série Protagonismo Feminino, do projeto Dito Efeito.