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cooperativismo

- Publicada em 13 de Julho de 2020 às 03:00

Desafios e ganhos do trabalho conjunto

União de esforços, recursos e projetos ainda precisa de estímulos

União de esforços, recursos e projetos ainda precisa de estímulos


STOCKVAULT/DIVULGAÇÃO/JC
Apesar de parecer natural devido à origem e os princípios do sistema cooperativado, a união e a parceria de cooperativas para investimentos conjuntos é bem menos comum do que o esperado. Esse movimento, porém, é apontado como uma tendência em expansão e há bons exemplos no Rio Grande do Sul de que os resultados são promissores.
Apesar de parecer natural devido à origem e os princípios do sistema cooperativado, a união e a parceria de cooperativas para investimentos conjuntos é bem menos comum do que o esperado. Esse movimento, porém, é apontado como uma tendência em expansão e há bons exemplos no Rio Grande do Sul de que os resultados são promissores.
Coordenador do curso de Tecnologia em Gestão de Cooperativas da Universidade Federal de Santa Maria, Gabriel Murad Ferreira avalia que a cooperação, mais do que nunca, é uma necessidade. Estudioso do tema, o acadêmico lembra que a ideia da cooperativa nasceu desta base, de união de pessoas para resolver algo que não se consegue sozinho, mas que por um objetivo comum se torna viável. E diz cooperar nunca esteve tão em pauta.
"Basta ver a cooperação que a pandemia gerou entre setor público, privado, ONGs e a sociedade civil como um todo, o que inclui as ações de pessoas físicas, individualmente_ no combate ao coronavírus. Todos passaram a cooperar entre si para tentar resolver um problema comum a todos", ilustra Ferreira.
Cooperar entre si deveria ser algo inato e essencial entre as cooperativas, mas muitas acabam se tornando grandes concorrentes e deixam de lado inúmeras possibilidades conjuntas de expansão. É claro que grande parte faz , sim, destacados e reconhecidos trabalhos isoladamente, mas também é unanimidade entre especialistas e lideranças do setor que poderiam ter muito mais fôlego, alcance social e benefícios aos próprios cooperativados se atuasse mais constantemente de forma conjunta.
Entre as maiores necessidades e potencialidades da união, avalia Ferreira, está na implantação de plantas indústrias mais modernas, reduzindo o custo de maquinário, logística e operações comerciais_ evitando despesas duplicadas desnecessariamente. O interesse do setor por este modelo de negócio no Rio Grande do Sul vem ganhando amplos espaços de diálogos e com ações concretas.
"O setor de crédito tem exemplos tanto de união quando de competição direta entre cooperativas na mesma região. No setor de arroz, por exemplo, temos de avançar. Não há uma indústria de arroz parboilizado de cooperativas no Estado porque exige um alto investimento, mas que poderia ser feito pela união de cooperativas", exemplifica Ferreira.
O especialista comenta que atualmente predomina a incorporação de cooperativas que estão passando por dificuldades por aquelas que estão bem financeiramente_ movimento constante entre empresas privadas, por exemplo. Na contramão do que Ferreira assegura que seria o ideal.
"É a união e intercooperação de organizações que estão bem financeiramente e se unem que gera projetos ainda maiores, com estratégias consistentes e sólidas", defende o professor da USFM.
Entre as principais dificuldades da intercooperação estão questões político-administrativas, com a soma de diferentes presidentes, vices e diretores, além de questões regionais, cita Ferreira. E só uma boa e sólida estratégia de gestão pode converter essas diferenças em ganhos. A meta deve ser evitar a intercooperação que ocorre pela emergência da derrocada de uma das organizações.
Fortalecer a união de cooperativas em ações de mercado, investimentos e parcerias recebe atenção especial, hoje, de grandes organizações cooperativas, como do próprio sistema Ocergs/Sescoop e da Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado (Fecoagro), por exemplo. Isso porque, apesar de estar na base do modelo cooperativo, a intercooperação ainda precisa de estímulos para avançar no Rio Grande do Sul, berço do sistema no Brasil.
"Mais do que uma tendência, é uma obrigação e um princípio basilar do cooperativismo, e nós, gaúchos, temos uma dificuldade histórica neste sentido. Houve integrações no passado, como Central Sul (central de cooperativas que faliu nos anos 1980, após reunir cerca de 60 associadas), que deixou uma marca muito negativa sobre o tema", reconhece o presidente do sistema Ocergs/Sescoop, Vergílio Perius.
O presidente da Ocergs destaca, porém, que esse é um assunto constantemente na pauta da organização. E com avanços ao menos em grandes parcerias. Perius cita, por exemplo, que as redes de supermercados de muitas cooperativas no interior do Estado costumam comercializar produtos umas das outras, ampliando o mercado de todas.
"E são redes muitos fortes no Interior. Neste acaso, há sim um grande intercâmbio de negócios, cada uma com seu CNPJ, mas pulverizando produtos. Alguns destes supermercados chegam a colocar nas suas gôndolas produtos de mais de cem cooperativas diferentes", exemplifica Perius.
O representante da Ocergs pondera que o setor ainda precisa encontrar bons e adequados sistemas de tecnologia da informação (TI) e comunicações integradas que facilitem essa união de negócios. Perius pondera que cooperativas de crédito e de saúde, hoje, estão entre as que melhor encontraram formas de se relacionar entre si no quesito de integração tecnológica com aproximação de dados, informações e serviços como forma de reduzir custos e melhorar os desempenhos conjuntamente.
"Meu sonho é ver crescer aqui o modelo alemão, onde as cooperativas tradicionalmente se integram em organizações centrais para terem mais força. Isso é importante para os investimentos agroindustriais, por exemplo, onde a CCGL e a Cooperativa Nova Aliança são dois destaques no Estado", diz Perius.

FRASE DESTAQUE

“O desafio é termos mais cooperativas que estão bem economicamente unindo forças para projetos e trabalhos conjuntos, e não apenas quando uma delas esteja morrendo e então é absorvida por outra”.
Gabriel Murad Ferreira, Coordenador do curso de Tecnologia em Gestão de Cooperativas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
 

União permite competir com grandes multinacionais

CCGL é um dos principais exemplos de parcerias entre cooperativas no Rio Grande do Sul

CCGL é um dos principais exemplos de parcerias entre cooperativas no Rio Grande do Sul


/CCGL/DIVULGAÇÃO/JC
Fruto da união de 24 cooperativas que mantêm cada uma seu próprio CNPJ, a Cooperativa Central Gaúcha Ltda (CCGL) exibe um complexo industrial referência para o setor de lácteos, competindo com grandes multinacionais instaladas no Estado, como Nestlé e Lactalis, e um exemplo para sistema cooperativo apontado por diferentes especialistas. Caio Vianna, presidente da CCGL, explica que a central é uma cooperativa classificada como de 2º grau porque integra cooperativas e, por sua vez, une as pessoas.
"A integração é multiplicada muitas vezes. Quando tu, isoladamente, está associado a uma cooperativa, tu melhora a tua escala. E em uma central de cooperativas, além da soma de todos os produtores, tu amplia a escala e o tamanho pela soma de cooperativas", explica Vianna.
Essa soma de coletividades, diz o executivo, é ainda mais essencial em setores em que os investimentos e a competitividade são altos, como no setor industrial de leite. Um produtor que tira mil litros de leite na sua propriedade mil não vai conseguir industrializar, embalar, distribuir, vender. Então ele ingressa em uma cooperativa singular, que receberá milhares de litros para processamento diário. Uma escala que vai aos milhões pela intercooperação, como é o caso da CCGL, que hoje processa em torno de 1,5 milhão de litros por dia.
Com capacidade para produção de 2,2 milhões de litros de leite por dia, o parque industrial da CCGL em Cruz Alta está entre os mais modernos do setor de leite no País, e conta com bases de operação em Rio Grande, nos terminas Termasa e Tergrasa, para recebimento, armazenagem e expedição de granéis agrícolas. Por meio da CCGL LOG, conta ainda com operações rodoviárias, ferroviárias e hidroviárias de leite e grãos, entre outros produtos.
Isso tudo é resultado da soma de 24 cooperativas que, além da escala de produção primária, têm custo menor e mais eficiência na industrialização, na embalagem, na distribuição e na área comercial, entre outros ganhos. As dificuldades, conta Vianna, muitas vezes, são políticas e de convergência de opiniões, ideias e prioridades.

Planta moderna e conjunta para produzir suco e vinho

Cooperativa Nova Aliança reúne 700 associados no Estado

Cooperativa Nova Aliança reúne 700 associados no Estado


/NOVA ALIANÇA/DIVULGAÇÃO/JC
Também citada como fruto da união de cooperativas, a Cooperativa Agroindustrial Nova Aliança abarca, desde 2011, cinco outras: Aliança e São Victor (de Caxias do Sul); São Pedro e Santo Antônio (de Flores da Cunha;) e Linha Jacinto (de Farroupilha). O modelo, estimulado pelas dificuldades financeiras de algumas delas, acabou dando origem uma moderna planta industrial conjunta.
Hoje, a Nova Aliança conta com cerca de 700 associados distribuídos em três regiões vitivinícolas - Serra, Encruzilhada do Sul e Campanha - e exibe uma das maiores unidades de produção industrial de suco de uva integral da América Latina. Com a produção de suco e envase de vinho e de espumante concentrados na sede da cooperativa, em Flores da Cunha, a planta conjunta tem 24 mil metros quadrados e capacidade para processar até 60 milhões de quilos de uva por ano.
Em 2019, a Nova Aliança ganhou premiação internacional para seu suco de uva e inovou lançando uma versão de espumante em lata. Sob comando do administrador de empresas e mestre em gestão vitivinícola, Alceu Dalle Molle, a Nova Aliança tem se destacado no mercado e avançou para as exportações.
"Já temos vendas de suco orgânico para Oriente Médio, Américas Latina e Central. Ainda em poucos volumes, mas avançando. Devemos alcançar no mínimo 5% e até 20% dos negócios com o comércio exterior", explica Dalle Molle.

Voltar às origens também é uma necessidade atual

Nos últimos 20 anos, e mais especialmente nos últimos 10 anos, o setor de cooperativas dedicou-se forte e exitosamente à qualificação da gestão, avalia Gabriel Murad Ferreira, coordenador do curso de Tecnologia em Gestão de Cooperativas da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
O esforço, assegura, mostrou ao grande público que o sistema é um negócio sólido, bem administrado e profissional. Com a gestão bem encaminhada, agora o debate cooperativa deve avançar, ainda, na gestão social de um patrimônio coletivo, pondera o acadêmico. O sistema cresceu muito em número de associados, sobretudo por meio de cooperativas de crédito, e muitos associados nunca chegaram a ter nem uma noção real do que é o cooperativismo.
"Muitos entram no sistema pelos ganhos e como um negócio, simplesmente. Optam por uma cooperativa de crédito porque tem taxas mais baratas e recebe no final do ano as sobras (como o setor classifica o lucro) das atividades, sem compreender o sistema cooperativado. Eles deveriam conhecer também a visão humanística do negócio", analisa o especialista.
Ferreira diz que voltar às bases significa olhar os propósitos inicias de uma cooperativa, se rediscutir como organização centrada nas pessoas, que não visa o lucro, e se reconectar com os associados. A ideia é que os novos cooperativados tenham claro, novamente, o que é a cooperativa, que ele é o dono, que o foco é o desenvolvimento local e regional.
"As cooperativas não costumam levar o dinheiro para fora de suas regiões. Tudo que almejamos como moderno e as novas discussões econômicas, de regionalismo, comércio justo e negócios responsáveis as cooperativas tem no seu DNA", elogia Ferreira.