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reportagem especial

- Publicada em 12 de Julho de 2020 às 20:51

Sem público, crise desafia ícones da cena cultural

Theatro São Pedro não tem plateia há quatro meses, desde quando Nathalia Timberg subiu ao palco

Theatro São Pedro não tem plateia há quatro meses, desde quando Nathalia Timberg subiu ao palco


Felipe Dalla Valle/palácio piratini/jc
Mais do que espetáculos cancelados, vidas paralisadas. Atrás dos palcos dos teatros, cinemas, shows musicais e saraus existem quase 2 milhões de pessoas que trabalham no setor cultural, contribuindo para a economia da cultura. Desde março, tudo parou, e não há previsão de retorno enquanto a pandemia de coronavírus não for controlada. Na imagem, o centenário Theatro São Pedro, cuja plateia está vazia há quatro meses - desde a primeira semana de março, quando a atriz Nathalia Timberg subiu ao palco com o espetáculo Através da Íris. 
Mais do que espetáculos cancelados, vidas paralisadas. Atrás dos palcos dos teatros, cinemas, shows musicais e saraus existem quase 2 milhões de pessoas que trabalham no setor cultural, contribuindo para a economia da cultura. Desde março, tudo parou, e não há previsão de retorno enquanto a pandemia de coronavírus não for controlada. Na imagem, o centenário Theatro São Pedro, cuja plateia está vazia há quatro meses - desde a primeira semana de março, quando a atriz Nathalia Timberg subiu ao palco com o espetáculo Através da Íris. 

À espera do público

Auditório do Instituto Ling vazio: instituição criou agenda de eventos virtuais

Auditório do Instituto Ling vazio: instituição criou agenda de eventos virtuais


Giordano F Delazeri/divulgação/jc
Da noite para o dia, as cortinas se fecharam. Na segunda quinzena de março, cinemas, teatros, casas de shows, galerias de arte, museus e demais espaços culturais foram desativados para evitar a propagação do novo coronavírus. Com isso, ficou paralisada uma cadeia econômica formada por 400 mil empresas, responsáveis por mais de 2 milhões de postos de trabalho, conforme dados do IBGE. Uma das primeiras frentes bloqueadas para evitar aglomerações durante a pandemia, a área cultural deverá ser uma das últimas a ganhar salvo-conduto para retomar atividades, tão logo passar o período mais agudo da Covid-19.
No Rio Grande do Sul, estudo divulgado pelo DEE/Seplag (Departamento de Economia e Estatística da Secretaria de Planejamento, Orçamento e Gestão do Estado), em 2019, contabilizou mais de 130 mil empregos formais, além de 48 mil microempreendedores individuais, em áreas como artes cênicas, audiovisual, gastronomia, literatura, patrimônio, artes visuais, ensino da cultura, design e moda. O contingente é superior, por exemplo, ao total de trabalhadores da indústria calçadista ou do setor automobilístico em território gaúcho.
Se levarmos em conta eventos como feiras, congressos e festas de rua, a quantidade de empregos diretos e indiretos da cadeia produtiva do entretenimento no Estado chega a 500 mil, com faturamento de R$ 2 bilhões por ano, de acordo com o Grupo Live Marketing RS, constituído há dois meses por 300 empresas com o intuito de debater e encaminhar alternativas para sair da crise. "Não somos sindicato ou associação, mas um grupo de empreendedores irmanados pela mesma dor", diz Rodrigo Machado, sócio-diretor da Opinião Produtora, uma das 11 companhias à frente da iniciativa - as demais são Capacitá, Duetto, Estojo Arquitetura, Hestudio Desenho de Imagem, Inventa, Mercado Imagem, Grupo Austral, Linha Mestra, Rito e Up Time Comunicação.

O impacto no entretenimento

Quanto tempo sua empresa precisará para retomar os negócios após o isolamento social?

  • 7 meses a 1 ano - 34%
  • De imediato - 23,7%
  • Menos de seis meses - 33,6%
  • Entre 1,1 e 2 anos - 8,7%
Fonte: Pesquisa Sebrae

Grupo procurou governo do Estado pedindo a retomada

No dia 22 de maio, o Grupo Live Marketing RS lançou nas redes sociais o manifesto E agora, José?, inspirado no título de um poema de Carlos Drummond de Andrade, para chamar atenção da opinião pública acerca do impasse que vive. Depois disso, marcou reuniões com os secretários estaduais de Planejamento, Cláudio Gastal, e do Desenvolvimento Econômico e Turismo, Rodrigo Lorenzoni, para convencê-los de que a retomada das atividades é viável, desde que seja adotado protocolo de segurança sanitária. Segundo Rodrigo Machado, da Opinião Produtora, governos só reagem quando provocados: "Se a gente não for lá bater na porta, mostrar o sofrimento que passa e explicar o que deseja fazer, nada vai acontecer".
Nas reuniões com os secretários, foram postas na mesa pesquisas como a do Sebrae feita com 2.702 empresas de eventos de todo o País (81 do RS) entre 14 e 22 de abril deste ano, na qual 98% admitiram sofrer o impacto da crise desencadeada pela Covid-19, sendo que 36,8% estavam com zero de faturamento desde a segunda metade de março. Em média, cada uma teve 12 eventos cancelados. Pelo levantamento, 43% dispensaram funcionários e 23% reduziram salários e carga horária dos colaboradores. Instigadas a apontar três medidas governamentais impactantes que poderiam ser adotadas para compensar os efeitos do coronavírus nos negócios, 48,8% indicaram empréstimos sem juros, 47,5% redução de impostos e taxas, 28,2% aumento de linhas de crédito e 24,4% negociação de prazos e pagamentos de empréstimos e dívidas já contraídos.
Quanto ao protocolo mostrado às autoridades, o conjunto de ações tem como inspiração medidas similares aplicadas em bares e restaurantes, como limitação de capacidade e afastamento mínimo de dois metros entre as pessoas, além de iniciativas de higienização e outras para evitar aglomeração. "O governo do Estado está analisando as sugestões para que possamos ingressar no sistema de bandeiras que regula o distanciamento social. A proposta é que, com a bandeira laranja, seja possível o retorno imediato de segmentos que trabalham com lugar marcado. Para os demais, a retomada se daria com a bandeira amarela", diz o diretor da Opinião.
O Grupo Live Marketing RS esteve reunido também com dirigentes de Banrisul, Badesul e BRDE para a criação de linhas de crédito destinadas à cadeia de eventos. Essa conjunção de esforços fortaleceu a união das empresas, conforme Machado: "Em condições normais, o setor é concorrente e desunido, mas agora estamos trabalhando juntos para superar as dificuldades. Afinal, a dor é igual para todos".
 

Festival de eventos cancelados

Branco  reagendou para 2021 espetáculo sobre Tina Turner

Branco reagendou para 2021 espetáculo sobre Tina Turner


/Top Cat Produções/divulgação/jc
Desde a eclosão da pandemia, a produtora Opinião - responsável pela programação do Auditório Araújo Vianna e do Pepsi On Stage, além do Bar Opinião - foi obrigada a suspender 42 eventos, incluindo shows internacionais como das bandas McFly (Inglaterra) e The Wailers (Jamaica) e do cantor Masego (Estados Unidos). Afora o prejuízo dos artistas, Rodrigo Machado calcula que, em quatro meses, mais de 5 mil cachês deixaram de ser pagos para equipes de apoio, como as de som, infraestrutura de palco, portaria, limpeza, segurança etc., o que representaria um valor acima de R$ 1,5 milhão. "A cada evento da produtora, pelo menos 120 pessoas estão envolvidas. Grande parte dessa gente, que trabalha à noite para comer no dia seguinte, está passando fome", afirma.
A Branco Produções, por sua vez, cancelou ou adiou 27 projetos desde a chegada da Covid-19. A única atividade que persiste é a curadoria da programação de shows musicais do Instituto Ling. Alguns eventos que haviam sido adiados para o segundo semestre deste ano já foram reagendados para 2021. É o caso do espetáculo musical One night of Tina, que comemora os 60 anos de carreira da cantora Tina Turner. Já o show do guitarrista Dennis Stratton (ex-Iron Made), previsto para abril, foi cancelado. "Em termos de faturamento, algo em torno de R$ 3 milhões foi perdido", estima Carlos Branco, que fundou a produtora há 26 anos.
Para a Impacto Vento Norte, que atua principalmente na montagem de estruturas de palco, som, iluminação, painéis etc. para grandes eventos, a opção de drive-in se apresentou como tábua de salvação. Em parceria com a prefeitura de Porto Alegre e a produtora Best Entretenimento, a empresa está promovendo o POA Drive-in Show, com espetáculos ao ar livre no estacionamento da EPTC, junto ao estádio Beira-Rio, aos sábados e domingos. A programação inaugurada no final de junho deverá se estender por três meses. Opção similar foi implantada no estacionamento do Aeroporto Salgado Filho pelo Grupo Austral, Arca Entretenimento e Fraport. Anteriormente, o modelo de exibição em espaço aberto para espectadores dentro de automóveis tinha feito sucesso no Brasil na distante década de 1970.
No início da pandemia, a Impacto Vento Norte havia dado férias coletivas aos funcionários. Diante da falta de perspectivas, em maio demitiu metade dos 80 empregados. "Não adiantava segurar o quadro completo e ali adiante não ter nem como pagar as rescisões. Quando tudo voltar ao normal, quem sabe possamos recontratar esse pessoal", assinala o diretor-administrativo, Angelo Aita. Para amenizar os prejuízos, a empresa chegou a disponibilizar seu estúdio para clientes institucionais, mas a ocupação não foi de entusiasmar. "Todas as produtoras alugaram seus estúdios, o que aumentou a concorrência", completa Aita.
 

Auxílio para a classe artística

Para a classe artística, uma promessa de amparo se materializou na Lei Aldir Blanc (nome homenageia compositor morto em maio, vítima da Covid-19), sancionada em 29 de junho pelo presidente Jair Bolsonaro. A legislação reserva R$ 3 bilhões para que estados e municípios concedam auxílio emergencial aos artistas, que terão direito a três parcelas de R$ 600 nos próximos três meses. Ao mesmo tempo, espaços culturais, micro e pequenas empresas, cooperativas, instituições e organizações comunitárias poderão solicitar entre R$ 3 mil e R$ 10 mil para a promoção de atividades. Além disso, cerca de 20% da verba deverá ser usada em financiamento de editais, chamamentos públicos e cursos.
"É uma conquista relevante, que vai garantir a sobrevida de artistas e produtores culturais", analisa Tarson Núñez, cientista político do DEE/Seplag. Ele elogia a "construção inteligente do ponto de vista orçamentário" da lei de autoria das deputadas federais Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e Benedita da Silva (PT-RJ), uma vez que a maior parte dos recursos virá do FNC (Fundo Nacional de Cultura). "Não dá para dizer que a cultura está tirando dinheiro de outro lugar, como saúde ou educação. O problema é o prazo de validade. Não se sabe até quando a pandemia vai persistir impactando a área da cultura", analisa Núñez.
Outra preocupação é a indefinição da agenda de pagamentos, após o veto presidencial à liberação dos benefícios no prazo de 15 dias a partir da vigência da lei. Mais grave é a constatação de que a Lei Aldir Blanc não atende a uma parcela significativa de profissionais envolvidos na produção cultural. Uma pesquisa coordenada por Núñez, divulgada em maio, mostra a abrangência do segmento no Estado. Foram analisados 97 projetos da área da música, realizados entre 2014 e 2019, com recursos da LIC/RS (Lei de Incentivo à Cultura), abrangendo desde espetáculos, turnês, apresentações em festivais até gravações de CDs.
Ao todo, 1,8 mil profissionais participaram das ações, dos quais 1,3 mil não se apresentaram em cima do palco, mas atuando como suporte para que os espetáculos se desenvolvessem. Além disso, foram contratadas mais de 700 empresas prestadoras de serviços, muitas das quais só existem em função da demanda gerada por esse tipo de evento.

A fiscal do lockdown

Às quintas-feiras, Nei Lisboa transmite show de casa via Youtube

Às quintas-feiras, Nei Lisboa transmite show de casa via Youtube


/ANDRÉ FELTES/DIVULGAÇÃO/JC
Com a pandemia, o espaço virtual se transformou em refúgio para grande parte da produção cultural. O cantor e compositor Nei Lisboa transmite o projeto Em casa e (ao) vivo, às quintas-feiras, a partir das 17h, por seu canal do YouTube, diretamente do apartamento para o qual se mudou recentemente, no bairro Rio Branco. Embora disponibilize a opção de contribuição espontânea, ele não se mostra animado quanto à viabilidade das lives como alternativa de sustentação financeira, ao menos por enquanto: "Tem lives pipocando para tudo que é lugar, a maioria de qualidade discutível. Talvez seja mais fácil monetizá-las melhorando a qualidade".
Para aprimorar tecnicamente a transmissão, Nei fez uma espécie de escambo com a provedora Acem Telecom. Em troca da instalação de fibra ótica em casa, expõe a marca da empresa na live. "Com o maior prazer, virei garoto-propaganda", brinca ele. Além de investir em qualidade técnica, o cantor também procura diversificar as atrações da programação. Além de cantar e conversar com o público, apresenta uma minissérie protagonizada pela cadela Elisabete Wanderléa. Da sacada do apartamento, a mascote late para quem insiste em ficar na rua, desrespeitando as recomendações de isolamento social. "Faz muito sucesso. Depois de seis episódios, já está indo para a segunda temporada", comenta ele.
Contemplado com o edital Arte como Respiro, lançado emergencialmente pelo Itaú Cultural durante a pandemia para apoiar projetos digitais, Nei teve um espetáculo no Salão de Atos da Pucrs, com ingressos já vendidos, transferido de maio para setembro. Mas ele não está confiante na nova data: "Pelo que tenho escutado, a vacina em grande escala não é para este ano. Já estou pensando em termos de 2021".

Modelo híbrido com plateia reduzida

"Até aqui, as redes sociais eram vistas apenas como espaço de promoção dos espetáculos. Hoje, elas ocupam o lugar do palco", constata a produtora e divulgadora Silvia Abreu. Segundo ela, além de estimular o surgimento de uma nova linguagem, mais adequada ao ambiente de internet, a proliferação de lives criou canais que permitem aos fãs uma comunicação direta com os artistas, sem qualquer tipo de intermediação.
A essa altura, o desafio é rentabilizar as lives. "Para artistas consagrados, não está sendo difícil obter patrocínios, mas não há garantia de remuneração para nomes que não são midiáticos, os quais necessitarão de um olhar carinhoso do poder público e da sociedade para superar esse longo período de inatividade", diz Sílvia Abreu. Neste contexto, ela aponta o teatro como o segmento que demandará maior atenção por depender exclusivamente do contato direto com os espectadores. "É um trabalho artesanal, que acontece sempre aqui e agora. Há colegas das artes cênicas que estão sendo despejados, outros voltaram a morar com os pais", diz.
A divulgadora cuida da agenda do Theatro São Pedro, que até março contava com uma programação contínua de terças a domingos, totalizando cerca de 24 espetáculos por mês. Alguns projetos, como Mistura Fina - Música Para Fugir do Trânsito (às quartas-feiras, a partir das 18h30min), além de shows em comemoração aos 162 anos do teatro, que já tinham verbas asseguradas, migraram para os meios digitais, preservando o pagamento de cachês aos artistas.
Essa opção foi adotada também pelo Instituto Ling, que lançou uma série de eventos virtuais em substituição à agenda presencial planejada para 2020. "Este seria o melhor ano de nossa programação, com mais de 200 eventos", afirma a gerente-geral Carolina Rosado. Nos meios virtuais, a quantidade foi reduzida, mas a maioria dos projetos preservou o modelo de negócio já esboçado. É o caso de lives musicais, como a de Bebeto Alves, viabilizados por meio da legislação de fomento à cultura. "No caso das lives, as leis de incentivo se mostram adequadas, já que possibilitam assegurar qualidade para a transmissão on-line e a remuneração de artistas e equipe técnica, sem abrir mão do acesso gratuito para o público", avalia Carolina. Outras atividades, como o curso sobre a história do jazz, ministrado por Paulo Moreira, se financiam mediante pagamento de matrícula dos alunos, como no modelo presencial.
Para os próximos meses, a expectativa é de um período híbrido, com eventos restritos a pequenas plateias, complementados pela veiculação pela internet. Conforme a gerente do Instituto Ling, com as medidas de flexibilização da quarentena, que virão após o pico da pandemia, à medida que se sentirem seguras as pessoas retornarão aos espaços de cultura. Ao mesmo tempo, será inevitável que alguns públicos optem por continuar assistindo aos eventos pela internet. "O consumo de arte nos meios digitais continuará crescendo, o que é positivo, já que a programação on-line permite acesso a plateias de outros locais, fora do Estado e do País. Talvez seja esse o ganho do período triste que estamos vivendo", diz Carolina.
Responsável pela produção do Poa Jazz, tradicional evento da programação cultural da capital gaúcha, a Branco Produtora projeta realizá-lo em novembro, como de hábito, mas com apenas metade da capacidade de público no Centro de Eventos do Barra Shopping Sul. Em paralelo, os shows estarão disponíveis também na web. Além do avanço no controle da pandemia, a confirmação da data depende de novas negociações com os patrocinadores. "Com a retração da economia, não sabemos se haverá recursos das empresas disponíveis para investimentos em cultura", pondera Carlos Branco.
Seja como for, ele é otimista quanto ao retorno dos espetáculos presenciais após o controle da pandemia e avalia modelos de live ou drive in como alternativas do momento atípico que estamos vivendo. Talvez demore um pouco mais do que o previsto inicialmente, mas, assim que houver vacina ou medicamentos eficazes contra a Covid-19, as pessoas desejarão retornar aos formatos exteriores, assegura Branco: "A experiência de assistir a um espetáculo ao vivo é única. Não vai se perder, porque não há nada que a substitua. Tenho certeza que as pessoas estão ansiosas para viver esses momentos outra vez". Mas, por enquanto, a receita é ter paciência. Afinal, a pandemia ainda está forte e, no momento, o importante é seguir as orientações das autoridades sanitárias. "A saúde vem em primeiro lugar", conclui o produtor cultural.

Guion Cinemas com futuro indefinido

Tradicional cinema, há 25 anos no bairro Cidade Baixa, reduz despesas enquanto público não volta

Tradicional cinema, há 25 anos no bairro Cidade Baixa, reduz despesas enquanto público não volta


GUION/DIVULGAÇÃO/JC
Case de sucesso que completou 25 anos no dia 22 de junho, o Cine Guion enfrenta um futuro incerto. Sem abrir as três salas abrigadas no Centro Comercial Nova Olaria desde março e com gastos mensais em torno de R$ 65 mil, o proprietário Carlos Schmidt se viu obrigado a demitir os sete funcionários em maio. "A princípio, tinha dado 15 dias de férias. Quando vi que a situação não ia se resolver logo, optei pelo desligamento", justifica.
O aluguel do espaço foi suspenso em junho, após ter sido reduzido pela metade nos três meses anteriores. "Os proprietários foram compreensivos", elogia Schmidt. Entre as despesas mais pesadas, sobrou o valor de R$ 9 mil mensais do condomínio, que Schmidt espera compensar com a abertura de uma vaquinha eletrônica na internet. Independentemente disso, há desembolsos irrevogáveis, como da conta de luz: "Gasto R$ 800,00 por mês só para manter ligados em stand by os projetores para que não sofram danos, o que implicaria despesa ainda maior".
No horizonte de curto prazo, mesmo com a eventual reabertura dos cinemas (como já acontece em São Paulo), as perspectivas são pouco animadoras. "O público do Guion é formado basicamente por pessoas da terceira idade, que fazem parte do grupo de risco, portanto, ainda estarão receosas de sair. Além disso, com a crise econômica, as pessoas deverão conter os gastos", prevê.
Apesar das dificuldades, Schmidt reluta em entregar os pontos. Em outras ocasiões, já foi obrigado a fechar salas, como a do Guion Sol, na Zona Sul de Porto Alegre, em 2009, na qual havia investido US$ 400 mil. Em 2010, desistiu do Aero Guion, no Aeroporto Salgado Filho. "Foi bom para dar uma ideia de rede, mas se tivesse ficado com o dinheiro que investi talvez estivesse mais feliz", diz. Admite que "cada fechamento é uma derrota", mas abrir mão do Guion do Olaria representaria um baque ainda maior: "Teria que dar outro rumo à minha vida. Não me pergunta qual, porque não sei", conclui.
 

Quando voltaremos todos aos cinemas?

Furtado acredita que, após pico da pandemia, salas poderão reabrir com ocupação reduzida

Furtado acredita que, após pico da pandemia, salas poderão reabrir com ocupação reduzida


MARCO QUINTANA/ARQUIVO/JC
Com estreia prevista para abril, o filme Aos olhos de Ernesto, de Ana Luiza Azevedo, produzido pela Casa de Cinema de Porto Alegre, foi lançado dois meses depois (em 20 e 21 de junho) em circuito on-line durante o Festival Espaço Itaú Play, com ingressos a R$ 10,00. A produtora gaúcha preparava-se para lançar também Verlust, de Esmir Filho, quando veio a Covid-19.
"Ninguém sabe quando teremos outra vez a experiência de ir ao cinema, tal como a conhecemos", diz o cineasta Jorge Furtado, diretor de filmes como Meu tio matou um cara, O homem que copiava e Ilha das Flores, além de sócio da Casa de Cinema. Ele acredita que, antes de uma vacina, talvez seja possível abrir as salas com metade ou um terço da ocupação. "Mas as pessoas estarão dispostas a permanecer duas horas em um local fechado, correndo o risco de alguém espirrar na fila de trás, tendo a opção de assistir aos filmes em casa?", indaga ele.
Ironicamente, boa parte da produção cinematográfica brasileira ainda é obrigada a estrear perante público presencial por imposição dos contratos de financiamento obtidos por leis de incentivo. Em meio à pandemia, essa exigência - que visa à preservação das salas de cinema - faz com que muitos filmes permaneçam inéditos, apesar da enorme demanda de plataformas como Netflix e Globoplay.
Produzir filmes em tempos de pandemia é outra encrenca. Furtado é roteirista do longa Grande Sertão: Veredas, com direção de Guel Arraes, cujas filmagens deveriam ter iniciado em maio. Naturalmente, isso não aconteceu. Para a retomada das operações, entidades e empresas de audiovisual estão empenhadas na criação de protocolos, que incluem até evitar contato físico entre atores. Em Portugal, uma cena de beijo foi gravada com a atriz aproximando os lábios de uma bola de tênis. Na pós-produção, o rosto do ator foi digitalmente adicionado. "É constrangedor", ressalta Furtado.
Ele, que também é roteirista da Globo, está escrevendo comédias românticas protagonizadas por casais em quarentena, como Lázaro Ramos e Taís Araújo ou Caio Blat e Luísa Arraes. Neste caso, os atores recebem os equipamentos em casa e são dirigidos a distância. As produções estão em fase de experimentação, sem data de estreia. Mais ousado, o cineasta norte-americano David Lynch está experimentando usar câmeras acopladas a drones para filmar em ambientes nos quais não esteja fisicamente presente. "Talvez seja essa a estética da pandemia: uma ideia no laptop e uma câmera no drone", provoca Furtado, parodiando o slogan do Cinema Novo "Uma ideia na cabeça e uma câmera na mão".
*Paulo César Teixeira é jornalista com textos publicados em Istoé, Veja e Folha de S. Paulo. Escreveu os livros Esquina maldita e Nega Lu – Uma dama de barba malfeita, além de editar o portal Rua da Margem.