Pesquisa inédita feita pelo Procon-SP com cerca de 1,7 mil brasileiros identificou que mais da metade dos entrevistados (55%) já sofreu discriminação ao ir às compras. Na maior parte das vezes, o preconceito está relacionado à aparência e é mais frequente em lojas de rua e agências bancárias. Segundo a pesquisa, negros e mulheres estão entre os principais alvos de preconceito, ainda que a maioria (60,8%) tenha declarado ter sofrido discriminação pela condição financeira. Na prática, isso se traduz em comportamentos como recusa ou demora no atendimento, resposta dada por 37% dos entrevistados. Agressões morais e físicas foram citadas em 20% dos casos.
O levantamento revelou, ainda, que 62,4% dos discriminados possuem baixo poder aquisitivo e que a condição financeira foi o principal motivo da discriminação nas relações de consumo na percepção dos entrevistados (60,77%), seguidos pela cor (15,96%) e por ser mulher (8,20%).
Quanto ao local onde as pessoas foram discriminadas, os mais citados foram: 36,17% (331) declararam ter sido em uma loja (de roupas, calçados, eletroeletrônicos, entre outras), 16,28% (149) em estabelecimento financeiro (banco, financeira, seguradora e similares), 8,31% (76) em shopping center, 5,90% (54) em estabelecimento que oferece refeições e 5,14% (47) em concessionária de serviço público.
Diante da discriminação, a maioria, 56,83% (520) não tomou nenhuma atitude; 28,74% (263) apenas exigiram respeito aos seus direitos; 10,16% (93) notificaram a ouvidoria da empresa; e somente 4,26% (39) denunciaram às autoridades competentes, sendo que 18 recorreram ao Procon-SP. "O Brasil é de fato um país racista, misógino e separatista por renda. O negro sofre preconceito pela cor e pela renda, na maior parte das vezes baixa. A mulher, porque não é vista como alguém capaz de tomar sozinha decisões de compras de valores mais altos e em áreas tipicamente masculinas, como automóveis", ressaltou o sociólogo do consumo Fábio Mariano Borges, da ESPM.
A discriminação nas relações de consumo devido à condição social e à aparência é crime previsto no Código de Defesa do Consumidor e também na Constituição Federal, observa Marcus Vinicius Comenale Pujol, diretor da Escola Paulista de Defesa do Consumidor do Procon-SP. Denúncias podem ser feitas em delegacias especializadas, à Defensoria Pública e aos Procons. Mas é incomum vítimas buscarem reparação. Dos entrevistados que sofreram discriminação, 57% não tomaram nenhuma atitude. Segundo Pujol, a baixa procura por reparação é fruto da dificuldade de comprovar a discriminação, pois na maior parte dos casos ela é velada, como ocorreu com mais de 70% das vítimas ouvidas.
"Em casos extremos, quando a pessoa é levada para uma sala de revista ou é impedida de entrar no estabelecimento, é mais fácil conseguir testemunhas ou gravação das câmeras de segurança. A partir da denúncia, o caso é investigado e pode resultar até no fechamento do comércio."
Patrícia Cardoso, coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Rio, lembra que a prática pode configurar dano moral. Ela reconhece a dificuldade de a vítima juntar provas para ir à Justiça, mas observa que há outras formas de punir a empresa. "Fazer propaganda negativa do estabelecimento, relatando o constrangimento em redes sociais, com responsabilidade e respeito, costuma ser eficaz."
A diretora executiva do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar), Patricia Cotti, reconhece que situações de discriminação são frequentes no comércio. Ela aponta três razões: o preconceito embutido na sociedade; o fato de mais de 70% do varejo estar nas mãos de pequenas e médias empresas, com menos estrutura de capacitação; e o próprio modelo de negócio. "Quando um vendedor ganha por comissão e tem metas para bater, ele otimiza seu tempo. Prefere atender bem quatro clientes com potencial para fazer grandes compras do que 10 que, acredita, farão compras de menor valor."