Criada há 16 anos em Caxias do Sul, a Culturama começou como distribuidora de livros com foco em mercados alternativos. Seu diretor, Fabio Hoffmann, que atuava como representante comercial, passou a adquirir saldos que voltavam das livrarias. Ele comprova os lotes e vendia em grandes redes do varejo. O negócio perdeu a atratividade e a empresa passou a adquirir produtos novos e a investir em conteúdos próprios, sempre visando os grandes varejistas como canal de venda, estratégia que reforçou a imagem, abrindo portas para parcerias mais robustas. A mais recente é com a Disney para atender ao mercado nacional de gibis, até então sob comando da poderosa Abril.
Empresas & Negócios – Como a Culturama se tornou licenciada dos gibis da Disney?
Fabio Hoffmann – A relação começou em 2013, quando a Disney trouxe para o Brasil um projeto que deu certo no México para atender classes C e D. O objetivo era fechar parcerias com empresas para a venda de uma variada gama de produtos. Em pesquisas no segmento de publicações, identificaram a Culturama, que já atendia grandes redes de varejo. Após meio ano de negociação, fomos licenciados para este mercado, que foi muito importante e segue sendo para o nosso crescimento. Na sequência, vieram Marvel e Star Wars. Com as dificuldades da Abril, que tinha o monopólio da distribuição dos gibis, surgiu a oportunidade de entrar também neste segmento. Assinamos contrato em 2018 e, desde fevereiro passado, editamos e distribuímos cinco revistas. A primeira tiragem, em março, precisou ser reimpressa pela grande demanda.
Empresas & Negócios – Como funciona a produção das revistas?
Hoffmann – As histórias são compradas na Itália, que tem produção em grande escala. No Brasil, traduzimos os textos e adaptamos a concepção gráfica. Já temos envolvidos profissionais que faziam este trabalho na Abril, que há quase um ano tinha descontinuado a circulação e há mais de 10 não fazia produção local. Por questões contratuais e para amadurecimento das relações, se começa comprando conteúdos no exterior. Mas, ao longo do próximo semestre, iniciaremos produções locais. A Disney tem incentivado a volta do Zé Carioca, que não existe em outros países. Os profissionais que trabalharam no passado estão prontos e ansiosos por voltar. É gente qualificada, nos mesmos padrões europeus. A ideia é fazer histórias inéditas, mais curtas e atuais. Personagens fazendo selfies e operando com bitcoins já estão presentes nos gibis.
Empresas & Negócios – Qual o grau de importância desta parceria para o futuro da Culturama?
Hoffmann – A Disney trabalha com uma visão de longo prazo, o que é muito bom. No momento, trabalhamos as estratégias para 2020 e 2021. Para a empresa, em 2019, de forma geral, estamos projetando crescimento de 20% sobre o ano passado. Só a linha de quadrinhos deve ter impacto de 15% nos negócios e assumindo maior importância nos seguintes. Além disso, a Disney voltou-se mais para o Brasil, onde tem 300 pessoas trabalhando, incluindo a transferência da matriz da América Latina da Argentina para o Brasil. Tudo isto abre portas para outras publicações. Em 2018, crescemos 34% sobre o anterior. Além dos conteúdos da Marvel, foi impactante o lançamento de livros de colorir para adultos. A procura foi tão grande que tivemos dificuldades em atender.
Empresas & Negócios – Como a empresa pretende recuperar o mercado de gibis?
Hoffmann - A Abril estava muito focada no trabalho com colecionadores de gibis, que é um mercado cativo, que demanda produtos. A Culturama fará um trabalho forte junto às famílias visando criar uma nova geração de leitores, porque o hábito da leitura foi perdido nos últimos anos. Nossa política de marketing e divulgação está definida nesta direção, inclusive com foco nos professores, pois os gibis estão em lista escolar. Atualmente, este público consome quadrinhos da Mônica e não da Disney, que perdeu esta referência em função da crise da Abril. Mas já iniciamos trabalho forte neste público.
Empresas & Negócios – Gibis sempre foram um produto de banca. A Culturama, que tem tradição de atuar em grandes redes de varejo, como pretende atuar?
Hoffmann – Ao longo dos anos o custo da distribuição tornou-se insustentável. A cadeia é ainda muito onerosa e o jornaleiro, com margem pequena, começou a vender outros produtos para sobreviver. Estamos visitando em torno de 50 distribuidores regionais, localizados em todos os estados, para tentar mudar isto. Mas, neste início, não é uma prioridade, porque nosso principal segmento é o varejo.
Empresas & Negócios – Num mundo em que todos parecem só querer consumir o que é virtual, como a Culturama se posiciona?
Hoffmann – Dizia-se que o consumidor deixaria de comprar nas lojas físicas e tudo seria feito online. Mas isto não se concretizou. A Magazine Luiza deu um exemplo de que as duas plataformas irão coexistir, ao criar a compra no virtual e a retirada do produto na loja física. Agora, só se fala nisto, as duas plataformas trabalhando juntos. O livro digital, por exemplo, estabilizou depois de crescer muito. Mas a ferramenta digital é importante. Tanto que na virada deste semestre, a Culturama terá seu e-commerce e plataforma de assinatura virtual. Vamos colocar os quadrinhos na rede, e terá peso significativo, mas o mercado físico ainda seguirá sendo o mais importante da operação. O que cresceu muito recentemente é o livro-áudio para leitura durante deslocamentos.
Empresas & Negócios – Mas, normalmente, quem acessa a internet, quer tudo de graça?
Hoffmann – Felizmente isto está mudando, as pessoas começam a se acostumar a pagar por conteúdo, que veio mais forte com as plataformas de streaming. Realmente, a maioria segue não querendo ler nada, só as manchetes, e valoriza fake news, o que é preocupante. A venda digital ainda é baixa, mas é um caminho, por isso, é preciso trabalhar com as duas ferramentas. A Culturama prepara o lançamento de uma coleção de clássicos na plataforma virtual. Estamos trabalhando na inovação digital, que será necessária no futuro, mas não na escala que se apregoa. O físico seguirá presente.
Empresas & Negócios – Que outros produtos a Culturama oferece ao mercado?
Hoffmann – Somos, atualmente, a maior editora de conteúdos para o público infantil e infanto-juvenil do estado e estamos entre as três principais do Brasil. Temos mais de 320 itens no portfólio. No ano passado, produzimos 12 milhões de livros; para 2019, a meta é de 14 milhões. Mas o principal salto será em receita, porque estamos agregando itens de maior valor agregado. Quando começamos, o mercado popular consumia, basicamente, produtos de R$ 1 a R$ 2. Atualmente, o nosso ticket médio é de R$ 9,90. De 80% a 85% dos produtos que vendemos têm a nossa marca. Também ingressamos na coedição de livro infantil, que compramos na Europa e será entregue pronto no Brasil FOB China. Fizemos uma coleção e agora temos mais quatro encomendadas.
Empresas & Negócios – A impressão é integralmente feita no Brasil?
Hoffmann – Temos fornecedores em Caxias do Sul, Tubarão (SC) e Curitiba e alguns esporádicos em São Paulo. No ano passado, 35% dos trabalhos foram impressos na Índia e China, índice que deve subir para 50% neste. Não é só por causa de preço, porque as gráficas locais são competitivas e têm qualidade, mas para trabalhos específicos não há oferta no Brasil ou falta capacidade para atender demandas.
Empresas e Negócios – A Culturama está distante de seus principais mercados consumidores. Tem ideia de investimentos em outras regiões?
Hoffmann – Temos 40 funcionários, dos quais 38 em Caxias e dois em São Paulo, onde montamos estrutura com showroom. Estamos aqui por escolha, porque o Rio Grande do Sul responde por 12% a 13% da nossa receita e São Paulo por 34%. O que deve acontecer, ainda neste ano, é transferir parte da logística para São Paulo.
Empresas e Negócios – A Cultura exporta?
Hoffmann – É ainda incipiente. Estivemos em feiras de Frankfurt e de Bolonha, com intenção de vender para países latinos ou da África. Mas abrimos mercados em três países europeus. Os conteúdos são impressos na China e enviados aos clientes. Vamos retomar a estas feiras, já levando os gibis da Disney, que também poderão ser exportados.
Empresas & Negócios - O segmento de livros também sofre com tributação elevada?
Hoffmann - A tributação é inferior a 2,38% por conta da lei Jorge Amado, quando o escritor era senador. Mas o benefício se dilui na cadeia, que é muito cara. Quando vendo um livro de forma direta sou mais atrativo do que o brinquedo. O governo fez sua parte, só o Brasil tem este benefício no mundo. Agora, o mercado precisa fazer a sua. Sempre acreditei na leitura como forma de melhorar o país, mas é preciso colocar o livro onde o povo está. Tem produtos a partir de R$ 1 e não são ruins.