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Gestão

- Publicada em 11 de Fevereiro de 2019 às 01:00

A difícil missão de conciliar meio ambiente e agenda econômica

3 Empresas &Negócios - meio ambiente economia 2 - crédito freepik

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/FREEPIK/DIVULGAÇÃO/JC
A tragédia de Brumadinho, com o rompimento da barragem da Vale no município mineiro, reacende o debate: até que ponto o desenvolvimento econômico se sobrepõe e causa danos a outras áreas? Considerada um desafio mundial, a tarefa de conciliar interesses financeiros e a preservação ambiental tem sido pauta das administrações públicas.
A tragédia de Brumadinho, com o rompimento da barragem da Vale no município mineiro, reacende o debate: até que ponto o desenvolvimento econômico se sobrepõe e causa danos a outras áreas? Considerada um desafio mundial, a tarefa de conciliar interesses financeiros e a preservação ambiental tem sido pauta das administrações públicas.
No caso do Rio Grande do Sul, por exemplo, uma das mudanças do governador Eduardo Leite, que segundo muitos ambientalistas enfraquece a atenção com o meio ambiente, foi a fusão da Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema) com a de Minas e Energia, colocando sob o mesmo guarda-chuva temas como mineração, geração de eletricidade, saneamento e preservação ambiental. A nova secretaria foi denominada do Meio Ambiente e Infrestrutura. A dúvida é se será possível atender a dois senhores: o desenvolvimento econômico e os cuidados com a natureza.
O secretário do Meio Ambiente e Infraestrutura, Artur Lemos, antevê que haverá pontos de conflito, em situações futuras, e a necessidade de uma decisão. "E isso não caberá à secretaria, pois ela será mediadora de situações de conflito", adianta. Lemos ressalta que o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), que representa a população, será a esfera adequada para fazer esses debates. "Em determinados casos, chamaremos a sociedade para se manifestar, e os instrumentos já existem para isso", diz Lemos.
Sob responsabilidade da nova pasta estão estatais como Grupo CEEE, Companhia Riograndense de Mineração (CRM), Sulgás, Corsan e também a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam). O dirigente ressalta que a Fepam já tem sua identidade consolidada, sendo agente de licenciamento e fiscalização. Já a secretaria será formuladora de políticas públicas, com a visão do todo.
Para o dirigente, é preciso fomentar políticas públicas no campo ambiental, o que não é algo consolidado no momento. É necessário que o desenvolvimento econômico canalize recursos a partir de medidas compensatórias para recuperar áreas degradadas, trabalhando em sinergia com as duas partes. As propostas de redução do aquecimento global, por exemplo, não preveem o estancamento do problemas, mas a redução do ritmo, uma vez que o cenário está vinculado ao aumento populacional e à intensificação de atividades econômicas.
Algumas práticas, diz o secretário, têm impacto maior quanto ao meio ambiente, como é o caso da mineração, mas ressalva que o setor é importante não somente para a economia, mas para o bem-estar social. Lemos defende ainda que a fiscalização precisa se sobrepor ao processo de licenciamento, e não o contrário. Significa verificar se o que foi prometido está sendo cumprido.

Nova pasta divide opiniões

A fusão das áreas de meio ambiente e infraestrutura é vista, fundamentalmente, por dois ângulos pelo setor empresarial e pelos ambientalistas. Muitos que estão no primeiro grupo acreditam que a medida possa agilizar e diminuir a burocracia com os processos de licenciamentos ambientais. Já o segundo teme que os interesses financeiros possam implicar pressa e certo descaso com o zelo do meio ambiente.
A fundadora do Movimento Viva Guaíba, Luciene Schuch, manifesta desconfiança. "Em princípio, não gosto da ideia de unir meio ambiente com nada", afirma. A ambientalista receia que sempre prevaleça o ponto de vista econômico. "Por exemplo, se juntar o meio ambiente com a agricultura, certamente os interesses agrícolas seriam priorizados."
Já a presidente da Federasul, Simone Leite, julga não ser tão relevante juntar ou separar secretarias. A empresária frisa que o importante é que se tenha geração de riqueza no Estado. "E tudo que diz respeito ao desenvolvimento econômico passa por infraestrutura e meio ambiente também", destaca. Para a dirigente, é preciso celeridade com responsabilidade. Esse cenário permitirá a manutenção das empresas no Rio Grande do Sul e a realização de concessões para melhorar as condições de infraestrutura. "Esse ranço, um pouco ideológico, que acompanhamos ao longo do tempo, talvez seja diminuído justamente pelo diálogo e pela possibilidade de ter uma gestão única nessas duas pastas", projeta.
Por outro lado, o presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Meio Ambiente (Agapan), Francisco Milanez, julga ser péssima a decisão de juntar a infraestrutura com o meio ambiente. O dirigente afirma que o maior potencial destrutivo atualmente no Estado é o setor de mineração. "E (com a união das secretarias) está se pondo a mineração dentro do meio ambiente", critica. Milanez adverte que essa atividade gera poucos empregos se comparada ao risco de poluição que acarreta.
Para a Agapan, há um choque de interesses entre essas duas áreas. "Isso, juridicamente, é um absurdo", defende Milanez, ao indagar por que se juntaria o órgão que licencia com o que demanda. "É o mesmo que dizer que, agora, as empresas vão se autolicenciar", compara. A Agapan encaminhou uma nota técnica para o governador Eduardo Leite, solicitando que ele voltasse atrás quanto à determinação da fusão das secretarias, mas o pedido não sensibilizou o governo.
O presidente da Fecomércio-RS, Luiz Carlos Bohn, considera a medida salutar. "Não se pode fazer infraestrutura sem cuidar da questão ambiental, mas não pode deixar de fazer investimentos somente por conta do meio ambiente", alega. Além disso, Bohn afirma que o secretário Artur Lemos tem um perfil negociador, o que facilitará a gestão da secretaria.

Capacidade de gestão é prioridade da Fepam

Simone entende que é preciso ter conhecimento sobre novas leis

Simone entende que é preciso ter conhecimento sobre novas leis


/CLAITON DORNELLES/JC
A administração da Fepam precisa ser exercida por um bom gestor, não necessariamente alguém conhecedor da área ambiental. A tese é defendida pelo secretário do Meio Ambiente e Infraestrutura, Artur Lemos. O dirigente recorda que a fundação possui um grupo técnico, com conhecimento apurado, e em uma instituição também é preciso ter alguém com o perfil de gestão de recursos humanos e de outras áreas.
Para a presidente da Federasul, Simone Leite, a liderança da Fepam necessita uma visão abrangente, com conhecimento sobre as novas legislações e que seja aberta à modernidade. "Precisamos rechaçar de fato a questão ideológica na gestão pública e contar com quadros qualificados e técnicos com visão liberal", salienta.
Conforme o presidente da Agapan, Francisco Milanez, a pessoa à frente da Fepam precisa ter capacidade de diálogo com os técnicos da fundação, mas também ser alguém com posições firmes. "Não tem que ser radical, não somos a favor de amarrar serviços, de demorar, não é nada disso. A melhor coisa que tem é um sim ou um não expresso, para não prejudicar o empreendedor, mas não se pode pressionar técnicos", enfatiza.
O diretor do Instituto de Meio Ambiente da Pucrs, Nelson Ferreira Fontoura, entende que os mandatários da Fepam necessitam ter um olhar multidisciplinar, pois precisam conversar com o setor produtivo e com os atores da área ambiental. Quem ocupa a função tem que transitar politicamente, conhecer alguma coisa de legislação ambiental e conservação ecológica. "Mas tem que ter uma visão do todo, com capacidade de dialogar politicamente", reforça.
Já o presidente da Fiergs, Gilberto Petry, defende que a direção da Fepam deve ter como foco a solução dos problemas quanto ao fornecimento das licenças ambientais. "Acredito que a preocupação principal tem que ser, a agilidade com os cuidados necessários, mas não exagerados", salienta o empresário.

Estrutura limitada acarreta lentidão em análise

Se existe divergência de opiniões entre empresários e ambientalistas quanto a como conduzir os temas economia e meio ambiente, poucos discordam que os processos de licenciamentos ambientais no País são, normalmente, demorados. Para o diretor do Instituto de Meio Ambiente da Pucrs, Nelson Ferreira Fontoura, isso passa, principalmente, pelas pequenas estruturas de licenciamento, com quadros reduzidos.
"Tenho impressão de que colocar tudo na mesma mesa (fundir as secretarias de Infraestrutura e Meio Ambiente) ajuda, desde que haja um movimento de ampliação da estrutura de licenciamento, e essa sinalização não foi feita", ressalta o dirigente. A Fepam, por exemplo, conta, hoje, com 345 funcionários. Questionado se poderia haver um conflito com a aproximação do planejamento com a fiscalização, o diretor do Instituto de Meio Ambiente da Pucrs argumenta que dependerá de como forem tomadas as decisões.
"Se permanecer a cargo do técnico (do órgão ambiental), não haverá alteração na decisão, mas sempre houve, de alguma forma, algum nível de interesse do Estado para que determinados processos fossem avaliados positivamente, e isso sempre chega nos profissionais de uma forma ou outra", diz Fontoura. A questão, conforme o dirigente, é como se respeita a autonomia desses técnicos.
O presidente da Fiergs, Gilberto Petry, também defende mais agilidade no licenciamento ambiental. O industrial reforça que um procedimento burocrático e demorado afasta os empreendedores. Petry complementa que os técnicos se valem de todas as precauções possíveis até por eventuais responsabilizações futuras que o Ministério Público possa fazer. Esse cuidado, para o presidente da Fiergs, pode ser até mesmo exagerado, retardando o processo de licenciamento ou inviabilizando-o.
Petry acredita ser possível conciliar os interesses econômicos e do meio ambiente, mas admite que, em algumas ocasiões, deverá haver conflito. "Agora, não adianta ter um ambiente sem 'riscos' e não ter empreendimentos para gerar emprego. As pessoas estão interessadas no emprego, é preciso compatibilizar", argumenta.
 

Ministério Público ocupa papel de destaque nas discussões ambientais

Para Milanez, MPs agem com correção, já que existe um vazio de autoridade

Para Milanez, MPs agem com correção, já que existe um vazio de autoridade


/AGAPAN/DIVULGAÇÃO/JC
Nos últimos anos, principalmente no Rio Grande do Sul, não é somente o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) que têm desempenhado uma atuação relevante na área ambiental. Os Ministérios Públicos (MPs), tanto o federal como o estadual, têm agido constantemente nesse campo. Entre outros casos, já houve objeções dessas entidades quanto à mineração de areia no Guaíba, projeto de mineração em São José do Norte, dragagem do porto e instalação de uma usina a gás natural na cidade de Rio Grande.
Para o presidente da Agapan, Francisco Milanez, os ministérios públicos vêm agindo com correção, pois existe um vazio de autoridade. A fundadora do Movimento Viva Guaíba, Luciene Schuch, chama a atenção para a questão da preservação do Guaíba e ressalta que os ministérios públicos, principalmente nesse assunto, têm exercido uma função de proteção ambiental mais forte do que a própria Fepam. "Se não fosse pelo MP, tanto o estadual como o federal, a Fepam já teria autorizado a mineração", aposta.
Sobre a participação dos ministérios públicos em algumas discussões quanto a licenciamentos ambientais, a presidente da Federasul, Simone Leite, considera que é algo que pode atrapalhar quando ocorre uma "queda de braço", com a interferência de terceiros. Para ela, é preciso conhecimento técnico sobre o que está sendo tratado. Segundo Simone, não se pode ter uma visão preconcebida, de que tudo o que o empresário faz está errado e é preciso preservar tudo em detrimento do desenvolvimento econômica.
Já o presidente da Fecomércio-RS, Luiz Carlos Bohn, considera que os ministérios públicos se excedem em alguns casos, mas que cabe a eles a atribuição de fiscalização. O dirigente lembra que, apesar da importância da dragagem do porto do Rio Grande, era fundamental investigar a lama que chegou na Praia do Cassino, após o início dos trabalhos.
"Em parte, os ministérios públicos estão duplicando o que seria a função do órgão de Estado (Ibama ou Fepam) de fiscalização", aponta o diretor do Instituto de Meio Ambiente da Pucrs, Nelson Ferreira Fontoura. O dirigente crê que os MPs têm atuado dessa forma porque, em alguns casos, o órgão ambiental segue um viés que atende à pressão de governo.