É difícil assistir um jogo de futebol no Brasil sem que a marca Poker esteja presente. No ano passado, 60% dos goleiros das Séries A e B entraram em campo com o logotipo da marca gaúcha, sediada em Montenegro, que virou sinônimo de luvas. A quase onipresença nos gramados é o ápice de um projeto iniciado em 2006, que migrou o foco da marca do esporte amador para o topo do material para goleiros e resulta, atualmente, em uma participação de 50% do mercado nacional de luvas.
Criada em 1986, a Poker foi a resposta de dois irmãos, herdeiros de uma família de lojistas e representantes, às necessidades de um varejo esportivo que, até então, comprava um produto de cada fábrica. Nascida multiesportiva e com a industrialização terceirizada, a marca mantém o modelo até hoje, com produção espalhada por 14 plantas pelo mundo.
Dividindo a direção da Poker com seu irmão, Frêdi, desde a juventude, Rogério Cauduro conta que o objetivo, porém, mudou: a ideia, agora, é ganhar o mundo e aproveitar outras brechas deixadas pelas gigantes do setor, como a natação e o ciclismo.
Cauduro também defende a solidez financeira como um pilar do grupo, algo que aprendeu na prática e, depois, na teoria. Mestre em Economia, Cauduro também é professor de Ensino Superior e divide seu tempo entre Poker e Óthima, consultoria em gestão financeira que criou após ajudar diversos clientes e fornecedores a equilibrarem as contas, vendo, aí, outra oportunidade de negócio.
JC Empresas & Negócios – A Poker virou sinônimo de material para goleiros. Como isso aconteceu?
Rogério Cauduro – Em 2006, chegamos à conclusão de que uma empresa sem marca não ia conseguir se sustentar no mercado. Entendemos que era a hora de fazer o salto da marca, sair do mercado amador para o profissional. O nicho mais adequado, até porque já tínhamos expertise, seria o goleiro, porque estava mal assistido. E porque cada vez mais a decisão de compra no mercado esportivo é individual, não mais coletiva. As pessoas não têm mais tempo, e começaram a migrar para os esportes individuais. Mas não queríamos perder o recall que já tínhamos do esporte amador, e havia duas formas: o árbitro ou o goleiro, que são os únicos que decidem suas compras individualmente. Começamos de uma forma bem corpo-a-corpo, fui conversar com goleiros. Encontramos um grande parceiro, que foi o Clemer (ex-Internacional), que topou apoiar a marca, mas tínhamos que fazer a luva que ele queria. Depois dele veio o segundo, o terceiro, e assim foi evoluindo o projeto.
Empresas & Negócios – Mas seguiram com as outras linhas.
Cauduro – Isso foi só o trampolim, nossa proposta é ser multiesportivo. Estamos focados em goleiros, bike, performance, bolas e natação. Na natação, já estamos entre as três principais marcas do Brasil. Nos sustentamos como uma marca realmente diferenciada porque uma ou duas vezes por ano a gente faz um workshop técnico com uma dezena de goleiros e vamos discutir os produtos. A evolução é constante, e é o mesmo produto que levamos ao mercado depois. Fizemos a mesma coisa com a natação, com a bike. Na bola, estamos criando identidade com esportes em especial, como futsal, futevôlei e beach soccer.
Empresas & Negócios – Como foi 2018 para a Poker?
Cauduro – Tivemos mais de 30% de crescimento só na luva, o que nos surpreendeu, porque já temos um market share em torno de 50%, mas crescemos de novo. E, em 2019, já estamos crescendo mais do que em 2018. Além da percepção da marca, tem relação com a prática, a Copa do Mundo teve boas atuações de goleiros e isso aumenta o número de praticantes no gol. A empresa como um todo cresceu em torno de 18%, e a projeção para 2019 é de mais 20%.
Empresas & Negócios – A empresa começou com fardamento esportivo. Poderiam dar esse salto também nesse meio?
Cauduro – Poderia ser um caminho. Chegamos a patrocinar mais de 40 clubes, mas essa conta nunca fecha. Temos três pilares: produto de qualidade, a qualidade de vida dos colaboradores e a solidez financeira, que para nós é um agente de crescimento. Mas como essa conta nunca fecha, eu teria que ter um faturamento muito maior, e aquilo ser só promocional. No futsal, que é o esporte mais praticado do Brasil, hoje temos boa participação, patrocinando até equipes e a própria Liga, e ali a conta fecha, porque os valores são outros. Mas não está descartado. Se conseguirmos uma coerência nos contratos, algo como fornecimento de produtos e mais uma taxa royalties sobre as vendas, a conta pode fechar.
Empresas & Negócios – Que outras brechas vocês veem hoje, como foram os goleiros?
Cauduro – Natação, que é um mercado em que estamos no terceiro ano e já estamos entre as três maiores. Não percebemos muito ele, mas é um mercado extremamente forte, com outras questões como hidroginástica e praia. O futsal, que vemos como esporte em crescimento, apesar de não ser olímpico, e a bike, que tem 70 milhões de praticantes no Brasil. Na bike, não queremos entrar na alta performance, porque a maioria dos praticantes não fazem isso por esporte, mas por lazer e por transporte, o que torna obrigatório capacete e outros itens, que é o que oferecemos ao mercado.
Empresas & Negócios – Hoje, muita coisa é feita fora. Pretendem trazer mais da produção para o Brasil?
Cauduro – Hoje está meio a meio. Lamentavelmente, a gente se viu tendo de importar produtos. Mesmo com a taxa cambial não estando favorável, é uma questão tecnológica. Se quero competir com as grandes, preciso fazer com a mesma tecnologia que as grandes fazem. Sempre tentamos manter uma produção no Brasil maior do que no exterior. Uma por não ter o risco cambial, e segundo por gerar produção e renda no Brasil, que nos parece mais adequado. Mas esbarramos na questão tecnológica. Nas luvas, desenvolvemos uma fábrica no Brasil, buscamos um industrial, transferimos tecnologia e já estamos conseguindo um bom resultado. Hoje, em torno de 5% das luvas já é nacional, e esses 5% devem ser mais do que qualquer outra marca no Brasil. Mas temos carência de matéria-prima, e principalmente de mão de obra qualificada, como é a do Paquistão, que é difícil de competir. Não tanto pelo preço, como era antigamente, mas por destreza mesmo.
Empresas & Negócios – E, ao mesmo tempo, vocês resolveram focar na exportação?
Cauduro – É a forma que entendemos de fazer um hedge próprio, exportando eu travo meu próprio negócio com o dólar. E tem o sentido de também fazer a marca ser conhecida em outros países, onde vemos que ela está sendo percebida. Em 2018, tivemos 14 dos goleiros da Série A, então quem olhou o campeonato, viu a Poker ali. Trabalhamos com a Fiergs um projeto, e a forma que a gente quer entrar é com a linha goleiro. Estudamos o mundo todo, definimos 20 países-chave e agora estamos na fase de efetivamente buscar as parcerias. Cada país vai ter a sua forma, que são diversas. Ou por lojistas, ou distribuidores, ou representantes, ou nós mesmos. Um exemplo, o Catar, que é onde será a Copa do Mundo de 2022 e temos certa relação com os goleiros de lá. Entendemos que lá poderíamos fazer uma grande loja Poker, seja própria ou não. Diferente do Uruguai, que temos um distribuidor, e da Argentina, que tem uma rede de lojas mais um distribuidor. Cada país estamos analisando como fazer. Tentamos no passado, e nosso erro foi acharmos de entrar como fizemos no Brasil. A meta nesse ano é estar em cinco países, e estamos negociando com nove. Hoje, temos estoque que suporta seis meses, então, se surgir um parceiro que queira começar amanhã, posso atender.