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tecnologia

- Publicada em 24 de Setembro de 2018 às 01:00

Bots, urna eletrônica e fake news dominam pré-eleições

Estratégias digitais vão ajudar a definir as eleições

Estratégias digitais vão ajudar a definir as eleições


JOÃO MATTOS/ARQUIVO/JC
O mundo digital, com as suas nuances tecnológicas e comportamentais, nunca esteve tão em evidência no Brasil em um pleito eleitoral como no que acontece no próximo dia sete de outubro. Fake news, debates acalorados sobre as vulnerabilidades da urna eletrônica e robôs distribuindo em larga escala mensagens pré-programadas para convencer os eleitores instigam, no mínimo, a dúvida sobre a lisura do processo eleitoral.
O mundo digital, com as suas nuances tecnológicas e comportamentais, nunca esteve tão em evidência no Brasil em um pleito eleitoral como no que acontece no próximo dia sete de outubro. Fake news, debates acalorados sobre as vulnerabilidades da urna eletrônica e robôs distribuindo em larga escala mensagens pré-programadas para convencer os eleitores instigam, no mínimo, a dúvida sobre a lisura do processo eleitoral.
Nos próximos dias, a guerra entre os candidatos por meio da tecnologia vai se intensificar. "Com margens apertadas como estamos vendo, as estratégias digitais vão ganhar relevância e poderão até decidir as eleições", alerta o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), Arthur Igreja.
No centro disso estão os bots, robôs que usam Inteligência Artificial para gerar respostas automáticas. O lado bom desta tecnologia é o uso que vem sendo largamente difundido por grandes empresas e startups para gerar uma comunicação em escala com os consumidores. É o que podemos constatar quando entramos no Messenger de alguma varejista ou banco, por exemplo, e passamos a ser atendidos via chat.
O lado mau é quando essa inteligência é usada para criar um exército de perfis falsos nas redes sociais. Eles criam a falsa sensação de amplo apoio político a certa proposta, ideia ou figura pública, modificam o rumo de políticas públicas e disseminam rumores, notícias falsas e teorias conspiratórias.
"O principal impacto disso nas eleições é que esses perfis passam a curtir, compartilhar e fazer comentários pré-configurados para tentar influenciar as pessoas e gerar apoio a determinadas causas", analisa Igreja. Segundo ele, nos próximos dias, esses bots serão usados de forma mais intensa e customizada, já que as pesquisas eleitorais municiam as equipes dos candidatos. Ao saber em que regiões precisam crescer mais e que adversários apresentam mais perigo, sabem melhor que jogo fazer também no mundo digital.
Esse problema não é de hoje. Os perfis automatizados se converteram em uma potencial ferramenta para a manipulação de debates nas redes sociais e motivaram discussões no Twitter em situações de repercussão política brasileira desde as eleições de 2014, aponta um estudo realizado pela diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAPP) da FGV no ano passado. O mesmo já havia acontecido na eleição de Donald Trump em 2010 e no plebiscito de saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit.
"Apesar de não ser um fenômeno novo, a facilidade de se criar os bots tem feito com que o uso para gerar interações ilegítimas durante o processo eleitoral aumente. Existem muitas contas que dão a sensação de serem operadas por pessoas, mas que na verdade são controladas por programas de computador", comenta o pesquisador da FGV DAPP Danilo Carvalho.
Na semana de 13 de setembro, todos os principais grupos de discussão no Twitter viram aumento na atividade automatizada, aponta o DAPP Report: Jair Bolsonaro (com 18,4% de interações de robôs, o maior percentual), Ciro Gomes (12,1%), Fernando Haddad (11,6%) e o que reúne bases de apoio a João Amoêdo e Geraldo Alckmin (6,1%). A publicação é produzida semanalmente pela FGV DAPP para analisar o cenário político brasileiro a partir do debate público nas redes sociais.
Esses perfis falsos são usados, por exemplo, dar para força para algumas narrativas que poderiam passar desapercebidas. Mas, ao ver que um post tem 500 interações positivas, por exemplo, dão a falsa impressão de que muitas pessoas estão concordando com aquilo.
Quanto o assunto é a formação da opinião e do debate, cada vez mais pessoas se informam por plataformas digitais e, inevitavelmente, são intermediadas por algoritmos. "Estes algoritmos são opacos para as pessoas. Mesmo no caso de uma postagem sobre um assunto político que uma pessoa fez, não se sabe qual critério de disseminação é usado dentro das redes sociais. Porque alguns assuntos andam mais rápido que outras?", questiona Sergio Amadeu, um dos representantes da comunidade científica e tecnológica no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).

Notícias falsas podem afetar reputação pessoal das redes

 Lamb alerta que os indivíduos compartilham as notícias falsas sem avaliar o impacto que aquilo pode ter, inclusive, para quem dissemina

Lamb alerta que os indivíduos compartilham as notícias falsas sem avaliar o impacto que aquilo pode ter, inclusive, para quem dissemina


/MARCO QUINTANA/JC
Acreditar que tudo que circula na internet (via bots ou pessoas) é verdade, especialmente se corrobora com o pensamento vigente, é o ponto de partida para a disseminação das fake news (notícias falsas). "Boa parte da sociedade não está preparada para distinguir o que pode ser notícia verdadeira ou não. As pessoas são muito rápidas para tirar conclusões e isso pode afetar fortemente as eleições. Deveríamos estar preparados para isso", sugere Avelino Zorzo.
Isso fica ainda mais sério quando as fake news se associam aos bots, que passaram a ser utilizados como estratégia para dar credibilidade para esses conteúdos. "É muito complexo produzir conteúdo falso por meio de algoritmos, mas esses bots tem sido usados para amplificar essa informação, passando a curtir ou compartilhar automaticamente fake news", relata o pesquisador da FGV DAPP, Danilo Carvalho.
Dados do Relatório de Segurança Digital, produzido pelo dfndr lab, laboratório da PSafe, mostram que mais de 2,9 milhões de acessos a fake news foram impedidos, entre janeiro e março deste ano, apenas pelo sistema de segurança dfndr. No entanto, a estimativa do laboratório é que o número de pessoas impactadas por notícias falsas seja ainda maior: 8,8 milhões em todo o território brasileiro.
O ativista do Movimento Software Livre e conselheiro da Free Software Foundation América Latina, Alexandre Oliva, diz que o cenário exige cuidado. "O desastre que vemos hoje acontece porque as pessoas não aprenderam a lidar com a tecnologia, não desenvolveram o pensamento crítico para ver que não é só porque está na internet que é verdade", analisa.
Ao mesmo tempo, ele se preocupa com a possibilidade de controle de divulgação de fake news na medida em que entende que é mais perigoso ter mecanismos de censura estabelecidos do que notícias não verdadeiras sendo divulgadas. "Até que ponto ter autoridades e tecnologias centralizadas, que possam censurar o que elas consideram falso, é benéfico para a democracia e para os direitos humanos?", questiona.
A dualidade existe. Por um lado, as redes sociais facilitaram a comunicação das pessoas que pensam de forma similar; de outro passaram a ter uma grande capacidade de disseminar a desinformação. "No passado, as pessoas tinham mais dificuldade de formar grupos de interesse, para o bem ou para mal. Hoje, isso foi facilitado por meio da tecnologia. O problema é que os indivíduos compartilham as notícias falsas sem avaliar o impacto que aquilo pode ter, inclusive, para a sua própria reputação", aponta o pró-reitor de Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e membro do Comitê Gestor da Comissão Especial em Algoritmos, Combinatória e Otimização da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) e membro do IEEE, Luis Lamb.
 

Urna eletrônica ainda causa controvérsia

A possível vulnerabilidade da urna eletrônica é outro tema que, sai ano entra ano, volta à discussão. Sergio Amadeu, um dos representantes da comunidade científica e tecnológica no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), relata que o processo de captação e apuração de voto pela urna eletrônica brasileira é muito rápido e sofisticado. Mas, existem dúvidas sobre a necessidade de se criar uma auditoria posterior ao processo, caso haja evidência de fraude.
A saída, comenta, seria o uso do voto impresso simultâneo, que só seria usado se houvesse algum indício. "Seria importante uma alternativa como essa, especialmente se a eleição for muito apertada. Mas, isso é algo que não foi resolvido para essa eleição", questiona.
O risco existe, explica, quando se tem um processo que tem uma série de intermediários tecnológicos que não são visíveis para os partidos e cidadãos. "Não podemos acreditar que a nossa urna eletrônica é ultrassegura enquanto cientistas que se debruçaram ali dizem que não tem como ter urna segurança 100% sem imprimir votos", concorda o ativista do Movimento Software Livre e conselheiro da Free Software Foundation América Latina, Alexandre Oliva.
O especialista em segurança de dados da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) e professor da Purs, Avelino Zorzo, comenta que o TSE deveria disponibilizar todo software usado na urna de maneira aberta. "A eleição pode ter problemas ou não. Mas, quando o TSE não libera todos os processos, sempre vai gerar margem para as pessoas desconfiarem", avalia.

Tecnologia é o carro chefe do processo eleitoral

Janino enfatiza que o Brasil é referência mundial em votação eletrônica e não tem caso confirmado de fraudes

Janino enfatiza que o Brasil é referência mundial em votação eletrônica e não tem caso confirmado de fraudes


/ROBERTO JAYME/ASCOM-TSE/DIVULGAÇÃO/JC
Mais de 147,3 milhões de brasileiros vão utilizar a urna eletrônica no um processo eleitoral de 2018 - a 12ª eleição consecutiva realizada ao longo de 22 anos que utiliza essa tecnologia. A estreia foi nas eleições municipais de 1996. Apesar de alguns especialistas debaterem as necessidades de evolução da urna eletrônica, e incremento do sistema de auditabilidade dos votos, o secretário de tecnologia da Informação do TSE, Giuseppe Janino, afirma que os brasileiros não precisam se preocupar com a urna eletrônica. "Nunca tivemos um caso de fraude confirmado da urna. Somos referência no mundo em votação eletrônica", relata, acrescentando que o TSE já recebeu mais de 60 países interessados em conhecer a solução brasileira, muitas delas resultando em acordos de cooperação e transferência de conhecimento.
JC Empresas & Negócios - A cada eleição, surgem questionamentos sobre possíveis vulnerabilidades do voto eletrônico? O que podemos esperar para o próximo dia 7 de outubro?
Giuseppe Janino - Assim que acaba uma eleição, já começamos a nos preparar para as próximas. Aprendemos com o processo, registramos as lições e partimos para as melhorias. Para esta eleição, aprimoramos a diretriz de segurança e de transparência da urna eletrônica, adicionando elementos de auditoria. Para chegar a isso, usamos muito os testes públicos. Somos o único país do mundo que abre seu sistema eleitoral para hackers tentarem quebrar barreiras, ver onde existe fragilidade e dar a sua contribuição. Destes testes retiramos muito material para melhorias. Desde 2015, o TSE é obrigado a realizar testes antes das eleições. Mudamos o paradigma das eleições introduzindo a informatização há 25 anos, o que veio para resolver um cenário em que o cidadão votava em papel e em urnas convencionais, que eram abertas e os votos colocados na mesa. Era um processo confuso, lento e repleto de erros e fraudes. O grande motivador para a automatização dos processos foi a percepção de que isso mitigaria o risco, na medida em que reduzia a intervenção humana, trazendo celeridade, integridade e funcionalidades de segurança e auditabilidade e transparência.
Empresas & Negócios - Que fragilidades foram detectadas nos últimos testes?
Janino - Vimos alguns pontos de melhoria referente à guarda de algumas chaves, que estavam inseridas no código. Em um dos casos, foi identificada uma fragilidade da chave, uma das barreiras criptográficas que cifrava o sistema de arquivos, que permitiu aos hackers começar a enxergar o que tinha dentro da pasta. Corrigimos isso. Mas é importante destacar que, mesmo que não tivesse sido arrumado, o risco seria baixo, pois existem outras barreiras a serem vencidas. O aprimoramento dessa guarda de chaves foi uma melhoria conquistada por meio da participação da sociedade. Esses achados são esperados. Depois, chamamos as equipes que encontraram essa vulnerabilidade e eles não conseguiram mais acessar.
Empresas & Negócios - O que impede a violação da urna?
Janino - A primeira barreira é o lacre físico. Para ter acesso à memória da urna, é ainda mais complicado, pois ela não está ligada à internet. Tem um mito de que o hacker pode invadir pela internet para ter acesso aos dados, mas isso não é assim. O dado é criptografado quando sai da urna, e transita por um canal de comunicação criptografado, via rede privada dentro da internet, uma VPN. Temos 22 anos de uso da urna eletrônica no nosso processo eletrônico e não há um caso de fraude identificada. Tem suspeitas, mas que foram apuradas pelo Ministério Público e nada se comprovou. Isso demonstra a robustez do processo eleitoral.
Empresas & Negócios - O TSE já usa novas tecnologias como Inteligência Artificial e Blockchain para apoiar o processo eleitoral?
Janino - Sim. Estamos ligados à revolução digital e apostamos na tecnologia como carro chefe do processo eleitoral. Há alguns anos temos adotado várias funcionalidades típicas do Blockchain para garantir a integridade de todas a informações da urna eletrônica. A única diferença é que, no nosso caso, a urna não é ligada à internet, enquanto o blockchain funciona com verificações em rede. Os dados são assinados e geram um hash de arquivos - digito verificador que garante a integridade - que é a base do Blockchain. Essa integridade é verificada em cada momento do processo eleitoral. Quando os arquivos são assinados, é gerado um registro pelo qual cada uma das 461 mil sessões podem verificar se o programa é de autoria do TSE e se ele está íntegro. A urna primeiro passo que ela faz é ler essas assinaturas para garantir que os softwares são originários do TSE e não foram alterados é filosofia básica do blockchain. No caso da Inteligência Artificial, temos estudos de aplicabilidade em prol da melhoria do negócio eleitoral, para análise na parte jurisdicional, onde se julgam os processos. Isso poderia apoiar o juiz com relação a jurisprudência e aprendizado, a partir dos históricos de decisões relacionadas às eleições. Todo candidato é julgado, tem suas contas avaliadas. Está em estudo aplicar IA nessa parte do processo.
Empresas & Negócios - Existe alguma limitação tecnológica para a votação por meio de dispositivos móveis?
Janino - Não. Se hoje não fazemos isso, não é por restrição tecnológica. Temos condição de o processo eleitoral evoluir e implementarmos essa solução. O que nos restringe é preceito constitucional que é garantia do sigilo, da não coação. Não posso garantir isso sem processo presencial, diante de agente eleitoral. Senão, quem me garante que alguém não vai colocar arma na cabeça de alguém ou exercer uma pressão de patrão sob empregado para votar em determinado candidato?
Empresas & Negócios - Qual a importância da velocidade da apuração?
Janino - A velocidade isolada não é uma preocupação, mas ela está ligada à segurança e a integridade, então passa a ser um requisito sim. Quanto mais rápido, menos chances de serem fraudados. Atualmente, 3 horas depois de encerrar a votação, mais de 90% dos votos apurados. Isso em 461 mil sessões eleitorais e em um país de 8,85 milhões de km quadrados. A Região Amazônica tem 1,5 mil pontos de votação de muito difícil acesso. Nesses mais remotos, onde não há infraestrutura nenhuma, é onde colocamos mais tecnologia. Lá a urna trabalha sem energia, por bateria. Resultado que sai daquela urna é automaticamente transmitido via satélite. Nesses mais remotos, são os primeiros resultados que chegam.
Empresas & Negócios - Por que o Brasil é um dos países com mais tecnologia no seu processo eleitoral?
Janino - Cada país tem a sua realidade. Se fomos referência no mundo, porque países de primeiro mundo não adotam? Primeira que nossa solução foi feita para as nossas características. Se pegar urna e colocar em outro, não vai se adequar as regras e questões socioculturais do cidadão. A outra questão é que o grande motivador desse grande investimento da informatização do processo brasileiro se deveu ao cenário de baixíssimo credibilidade. Isso não acontece em vários potros países. Nos países nórdicos, que cidadão compra jornal sem atendente, ainda coloca troco na caixa não precisa ter tantos cuidados com segurança. Por isso tem muitos países em primeiro mundo que votam em papel. Nos EUA, que tem eleição complexa, existem estados que votam pelo correio, num envelope, sela, coloca na caixa de correio e ele acredita que vai sair tudo correto. Tido depende das condições culturais de cada povo. A gente precisou automatizar para garantir segurança e integridade. Isso se reflete em outras áreas. Temos um dos principais sistemas bancários, receita federal do mundo. Ligado a nossa cultura; temos que ter garantia de auditabilidade.