Corrigir texto

Se você encontrou algum erro nesta notícia, por favor preencha o formulário abaixo e clique em enviar. Este formulário destina-se somente à comunicação de erros.

Infraestrutura

- Publicada em 17 de Maio de 2018 às 19:27

Construtoras ainda sentem efeitos da Lava Jato

Para analistas, a economia vai superar o legado da crise das grandes empreiteiras; algumas companhias de médio porte, no entanto, estão ocupando espaço ao se associarem a terceiras

Para analistas, a economia vai superar o legado da crise das grandes empreiteiras; algumas companhias de médio porte, no entanto, estão ocupando espaço ao se associarem a terceiras


/GABRIEL JABUR/DIVULGAÇÃO/JC
Multas bilionárias impostas pelos acordos de leniência, dívidas extremamente elevadas e o brusco encolhimento das carteiras de projetos colocaram as grandes construtoras do País, todas envolvidas na Operação Lava Jato, em uma situação delicada, que não deve mudar tão cedo.
Multas bilionárias impostas pelos acordos de leniência, dívidas extremamente elevadas e o brusco encolhimento das carteiras de projetos colocaram as grandes construtoras do País, todas envolvidas na Operação Lava Jato, em uma situação delicada, que não deve mudar tão cedo.
Os problemas são muitos. Odebrecht e Andrade Gutierrez, por exemplo, negociam com bancos a contratação de novos créditos para arcar com compromissos milionários que vencem este mês. A UTC está em atraso com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em um dos acordos fechados no âmbito das investigações de corrupção, e a OAS está com os salários de parte de seus funcionários atrasados.
Para analistas, no entanto, a economia vai superar os efeitos da crise das grandes empreiteiras. O economista Claudio Frishtack, presidente da Inter.B Consultoria, vê o espaço dessas construtoras em crise sendo ocupado por outras de médio porte, que se associam a teceiras. Ele vê, em um segundo momento, frutos positivos para a economia.
"Algum efeito na economia teve, mas, ao mesmo tempo, vai se criar um ambiente mais competitivo, mais aberto. Isso vai ter impacto sobre o PIB (Produto Interno Bruto), com ganho de produtividade, o que compensará eventuais perdas. Teremos um ambiente em que todos efetivamente competem de igual para igual, sem cartelização."
Frishtack diz que essas construtoras tiveram papel de enorme relevância, "até excessiva", mas não são insubstituíveis. "Meu pai dizia que o cemitério está cheio de pessoas insubstituíveis. Elas (as construtoras) vão voltar para o mercado público, do privado elas nunca saíram, mas em condições bastante diferentes. O mercado público reduziu-se muito."
Para ele, a única expertise das empreiteiras que será difícil de substituir é na construção de barragens para hidrelétricas, o que não está no horizonte no momento, ressalta. As empresas, hoje, se veem entre a dificuldade de obter recursos para atender a compromissos financeiros assumidos na época de bonança e a necessidade de pagar as multas dos acordos de leniência e outras decorrentes dos processos de investigação dos esquemas de corrupção.
"Devagar, essas empresas estão se recuperando. Aparece um projeto ou outro, mas isso vai ocorrer de forma lenta. Elas mudaram (estão com menos projetos e receitas menores), mas a estrutura de capital continuou a mesma (dívidas elevadas) e ainda há as multas dos acordos", diz Marcos Schmidt, analista sênior da agência de classificação de risco Moody's.
Eduardo Padilha, professor de infraestrutura do Insper, avalia que, quando as grandes obras forem retomadas, as médias construtoras nacionais e as estrangeiras vão entrar na concorrência. O maior entrave para que esse tipo de projeto saia do papel, diz, é macroeconômico.
"O governo encontra dificuldade de estruturação dos projetos e também não tem dinheiro para obras grandes. Além disso, o Tribunal de Contas da União (TCU) tem sido mais rigoroso na análise, o que tem tornado mais difícil a aprovação dessas obras."
O Grupo UTC é formado por 12 empresas, todas em recuperação judicial. Uma delas é a Constram, responsável pela ampliação do Aeroporto de Viracopos, sendo que a própria UTC faz parte do consórcio que ganhou a concessão. Sua dívida é de R$ 3,4 bilhões, aos quais se somam os acordos de leniência de R$ 574 milhões com a Controladoria-Geral da União (CGU) e de R$ 139 milhões com o Cade.
  • UTC
    O Grupo UTC é formado por 12 empresas, todas em recuperação judicial. Uma delas é a Constram, responsável pela ampliação do Aeroporto de Viracopos, sendo que a própria UTC faz parte do consórcio que ganhou a concessão. Sua dívida é de R$ 3,4 bilhões, aos quais se somam os acordos de leniência de R$ 574 milhões com a Controladoria-Geral da União (CGU) e de R$ 139 milhões com o Cade.
  • Andrade Gutierrez
    Atua em engenharia e construção, energia, transporte e logística. O grupo fechou acordo de leniência de R$ 1 bilhão, a ser pago em parcelas. Ainda tem R$ 1,1 bilhão de uma dívida a vencer em abril, mas contava com apenas R$ 700 milhões em caixa no fim do ano passado.
  • Odebrecht
    A Odebrecht Engenharia e Construção (OEC) é uma das sete empresas do conglomerado baiano, que também atua em petróleo e gás (Ocyan), petroquímica (Braskem), sucroenergético (Atvos), logística e infraestrutura (Latinvest), transportes (Odebrecht TransPort) e imobiliário (OR). O faturamento bruto do grupo é de cerca de R$ 90 bilhões. No fim de 2016, a OEC tinha em carteira US$ 16 bilhões em projetos, sendo 72% em contratos internacionais e 28% firmados no Brasil. Fechou em 2017 acordo de leniência, que prevê multa pelos desvios na Petrobras de R$ 8,5 bilhões, a serem pagos em 22 anos.
  • Mendes Júnior
    Atua apenas na construção civil. Atualmente, tem sete obras contratadas. Com dívidas de R$ 360 milhões, entrou com pedido de recuperação judicial em 2016. Como não conseguiu acordo para um plano de recuperação, pode ter falência decretada. A empresa não negociou leniência, pois não tem caixa para pagar a multa. Em 2017, teve prejuízo de R$ 14,2 milhões.

Depois de quatro anos, o impacto começa a se diluir

Alessandra Ribeiro, sócia e responsável pela área de macroeconomia e política da Tendências Consultoria, afirma que, depois de quatro anos de Lava Jato, o impacto na economia da crise das empreiteiras vai sendo diluído. "Já vemos algumas empresas médias se associando a outras de fora. O mercado vem sendo ocupado. O efeito ruim para o investimento tem sido atenuado por esse movimento."
Segundo Alessandra, a construção civil residencial já começa a esboçar reação, mas o mesmo não aconteceu com as obras de infraestrutura. Em grande parte, diz, porque o programa de concessões não deslanchou no governo Michel Temer.
A Odebrecht, maior construtora do País, viu sua carteira de projetos cair de US$ 34 bilhões, em 2014, início da Lava Jato, para cerca de US$ 16 bilhões. Ou seja, menos recursos entrando no caixa. O contrato mais recente, fechado com Furnas para expansão da termelétrica de Santa Cruz, no Rio, foi de R$ 578 milhões. Em setembro, segundo a Moody's, a Odebrecht Engenharia e Construção tinha US$ 700 milhões em caixa.
O vencimento das dívidas, porém, prossegue. Uma parcela de R$ 500 milhões, referente à emissão de títulos no exterior tem de ser paga até o dia 30, e outros R$ 400 milhões vencem ao longo do ano. Paralelamente, a empresa tem de começar a honrar o acordo de leniência, cuja multa, de R$ 8,5 bilhões, será paga no prazo de 22 anos.
Quando fechou o acordo com a Controladoria-Geral da União (CGU), a Odebrecht adotou um plano de venda de ativos para levantar R$ 12 bilhões. Conseguiu R$ 7 bilhões. Mas a expansão da Lava Jato, com denúncia de pagamento de propina a autoridades no Peru, levou ao congelamento dos seus bens naquele país. Com isso, a empresa não conseguiu receber US$ 1,4 bilhão (R$ 4,4 bilhões) referente à venda da hidrelétrica Chaglla para a State Grid, e hoje negocia com grandes bancos créditos de R$ 3 bilhões.
O Grupo UTC, por sua vez, deixou de arcar com uma das parcelas do Termo de Compromisso de Cessação (TCC) fechado com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), no valor de R$ 139 milhões. E ainda há uma multa de R$ 574 milhões do acordo de leniência. Segundo a empresa, o atraso decorre da dificuldade de acesso a alguns créditos a receber.
Mais delicada é a situação da Mendes Júnior. Quase dois anos após pedir recuperação judicial, a empresa não chegou a um acordo com seus 3.371 credores sobre como a dívida de R$ 360 milhões será paga. Se não for encontrada uma solução pode ser decretada a falência da companhia, segundo a administradora judicial, a advogada Maria Celeste Morais Guimarães. "Boa parte dos credores é de empresas de transporte, de aluguel de máquinas e equipamentos. Não estão acostumadas com o mercado financeiro nem sabem o que fazer com debêntures", diz uma pessoa a par das conversas.
A situação de caixa da Mendes Júnior é tão ruim que a construtora não fechou acordo de leniência, porque não há recursos suficientes para pagar as multas. Declarada inidônea, a construtora não pode tocar obras públicas.

Concessão de rodovias deve mudar

Borges teme 'engessamento'

Borges teme 'engessamento'


/FABIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR/JC
O governo decidiu fazer mudanças drásticas no modelo de concessão de rodovias, com o intuito de tornar os projetos mais alinhados com as demandas de órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União (TCU), e viabilizar os leilões ainda neste ano. Com as medidas, o que se pretende é eliminar brechas que permitem superfaturamento nas obras, golpes que costumam ser dados por meio de aditivos contratuais.
Pelas propostas já desenhadas pelo governo e pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), fica proibida a inclusão de novos investimentos para melhoria e ampliação de capacidade da rodovia nos primeiros cinco anos da concessão. Essa proibição também valerá para os últimos cinco anos dos contratos, os quais costumam ter validade de 30 anos. Nos dois períodos, o concessionário só poderá executar aquilo que já estava previsto no contrato.
Hoje, não há essas proibições de prazos, e as obras são executadas conforme demandas apresentadas pelas empresas ou pela ANTT. Normalmente, a realização de investimentos não previstos tem como consequência uma elevação nas tarifas de pedágio, para restabelecer o equilíbrio financeiro do contrato.
O governo também decidiu proibir a inclusão de investimentos fora das revisões quinquenais (a cada cinco anos) dos contratos. A ideia é que a concessão se concentre apenas em seu "estoque de obras" já incluso na concessão. Novas intervenções só poderão ser apresentadas após o término desse estoque.
Grandes obras não previstas originalmente no contrato terão de ser discutidas. A construção de contornos urbanos, por exemplo, ficará condicionada à comprovação das vantagens dessa obra em relação a outras, e só poderá ser realizada após a realização de audiência pública, processo que hoje não existe.
Foi decidido ainda que o aumento das tarifas de pedágio para bancar obras como a construção de uma pista adicional só poderá ocorrer depois que o projeto for entregue pela concessionária. Hoje, esse custo é cobrado conforme o avanço do empreendimento, embutido na tarifa de pedágio do usuário da rodovia.
A renovação das concessões também foi deixada de lado. Os novos editais vão permitir que seja feita a prorrogação contratual por até cinco anos após o termino da concessão, prazo que poderá chegar a, no máximo, 10 anos, e por uma única vez, para fins de reequilíbrio financeiro da concessão devido à execução de novas obras.
A reportagem repercutiu cada uma das propostas com a Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), que representa as empresas que atuam no setor. Na avaliação de César Borges, presidente da entidade, as medidas sinalizam que o governo se dispõe a "engessar" os projetos. "Não sabíamos desses detalhes todos. O que podemos dizer, a partir dessas informações, é que isso vai engessar o contrato. Significa retirar a autonomia da ANTT e reconhecer que há desconfiança sobre sua capacidade de fiscalizar e tomar decisões técnicas", comentou.
O interesse das empresas nas novas propostas, no entanto, segue inalterado, de acordo com Borges, que foi ministro dos Transportes no governo da ex-presidente Dilma Rousseff. "As empresas do setor seguem interessadas nos projetos e respeitarão as regras dos contratos. Agora, quem vai sofrer com isso é o usuário, nos casos em que obras necessárias apareçam, mas não possam ser executadas por causa de regras desse tipo."
O presidente da ABCR afirmou que, sobre o pagamento de obras adicionais somente após a sua conclusão, não há problemas para as empresas, "desde que o reequilíbrio dos contratos efetivamente ocorra".