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Geral

- Publicada em 05 de Maio de 2018 às 13:49

Médico alerta para risco de cegueira em doentes com toxoplasmose

Silveira orienta que todos que convivem com pessoas contaminadas façam exame da doença

Silveira orienta que todos que convivem com pessoas contaminadas façam exame da doença


Cláudio Silveira/Arquivo pessoal/Divulgação/JC
Patrícia Comunello
Santa Maria já registra 176 pessoas com toxoplasmose. O número foi divulgado nessa sexta-feira (4) pelas secretarias da Saúde do município e do Estado. Ainda há 219 casos em investigação para verificar se são ou não da doença. Pelo menos 681 notificações suspeitas chegaram até agora aos serviços de saúde desde que o surto foi confirmado em abril. 
Santa Maria já registra 176 pessoas com toxoplasmose. O número foi divulgado nessa sexta-feira (4) pelas secretarias da Saúde do município e do Estado. Ainda há 219 casos em investigação para verificar se são ou não da doença. Pelo menos 681 notificações suspeitas chegaram até agora aos serviços de saúde desde que o surto foi confirmado em abril. 
Enquanto não se descobre a causa da contaminação, novas medidas foram anunciadas:
  • Criação de um ambulatório específico para exames oftalmológicos de pacientes suspeitos ou portadores da doença (que funcionará cinco dias por semana).
  • Credenciamento de laboratórios de Santa Maria para a realização de exames que possam fazer a contraprova da toxoplasmose.
  • Busca de mais medicamentos para tratar a doença junto ao Ministério da Saúde.
Santa Maria fica ainda longe da cidade brasileira que registrou o maior surto da história da doença no mundo, que foi São Miguel do Avaí, no Paraná, que somou 460 casos confirmados em dezembro de 2001. O médico oftalmologista gaúcho Cláudio Silveira, que tem um centro de referência em tratamento de toxoplasmose em Erechim, atuou nos cuidados de pacientes e busca das causas da contaminação na cidade que tinha mais de 9mil habitantes, sendo 6 mil na área urbana, que foi a atingida. Silveira acompanha a situação em Santa Maria, já falou com o prefeito Jorge Pozzobom e reforça que a atenção deve ser dada a um dos principais problemas que podem ser gerados pela doença: a cegueira. Também adverte que todos os que convivem com infectados devem fazer exame para verificar se estão ou não com a doença.
"É importante orientar os profissionais para observar os sintomas de problemas nos olhos", adverte Silveira, que é professor de pós-graduação na Escola Paulista de Medicina. O campo de pesquisa é o das uveítes, doenças inflamatórias que podem comprometer totalmente a úvea ou uma de suas partes (íris, corpo ciliar e coróide). A toxoplasmose é uma das causas. Silveira atua há mais de 40 anos com estes problemas. O oftalmologista gaúcho lembra que seu pai, o médico Fernando Gomes Silveira, que trabalhou em Erechim, identificou casos de toxoplasmose e seus danos para a visão e militou intensamente para alertar sobre a doença.

Silveira faz dois alertas:

  • Todas as pessoas que convivem com quem foi contaminado devem fazer testes para ver se têm a doença. "Quem come na mesma mesa e convive com o mesmo ambiente deve fazer o exame."
  • Mais de 10% das pessoas, pelos estudos até hoje, vão desenvolver lesão ocular que pode ser grave e levar à cegueira. Por isso, o exame do olho deve ser permanente. "Nem todos têm os mesmos sintomas, alguns podem ter dor no corpo, febre, uns são mais fortes e não mostram nada. Mesmo no exame do fundo de olho, pode não dar nada agora, mas aparecer algo em 10 anos."
Confira todos os esclarecimentos, alertas e orientações de Cláudio Silveira sobre a toxoplasmose:
JC - O que é a toxoplasmose e como surge?
Cláudio Silveira - É uma doença causada por um protozoário, o Toxoplasma gondii. Tem gente falando em vírus, não é, é um protozoário. A principal forma de contrair é pela alimentação, como carne crua ou mal passada, e embutidos como salame. Mas é muito raro que esteja em carne bovina. É mais em carne de porco, ovelha e frango, nestes casos, principalmente nos miúdos como coração. Tenho ouvido falar que o leite ou o queijo podem transmitir, mas é extremamente raro e quando ocorrer vai ser registrado em publicações internacionais, como exceção.
JC - Por que a carne pode ser contaminada?
Silveira - Tudo começa com gatos (mas pode ser onça e tigre), mas o felino doméstico é o mais comum. Ele elimina o protozoário pelas fezes nos primeiros seis meses de vida quando contrai a doença, na maioria das vezes. Ele elimina milhões de oocistos (chama-se cisto quando o protozoário entra em contato com a carne e troca de nome). O oocisto que o gato elimina vai para a terra entre três a seis dias, dependendo da umidade, esporula e se torna infectante. Não é o pêlo que transmite. Em uma caixa de areia, por exemplo, onde tiver fezes, se a criança for brincar pode pegar. Galinha que cisca no pátio pode ter contato, e o porco pode ter contato ao ingerir milho. Até a fruta que cai no pé e tem contato com fezes pode acabar sendo contaminada. Outra coisa, o gato costuma enterrar as fezes no jardim ou na horta. Por isso, as pessoas acabam pegando, ao consumirem hortaliças e frutas.
JC - Como prevenir a contaminação pela verdura, por exemplo?
Silveira - Ao lavar, use iodo ou vinagre que tem em casa. Coloque uma colher de sopa de vinagre em um litro de água e deixe de molho. Essa mistura não mata o oocisto, mas o ovo tem uma cola e adere à folha. Ao passar na água corrente, vai liberá-lo mecanicamente.
JC - A água é um risco mesmo, como se cogitou em Santa Maria?
Silveira - Sim. O primeiro surto de toxoplasmose com água foi na ilha de Vitória, no Canadá, onde gatos selvagens contaminaram a água e cem pessoas tiveram contato com a doença. Foi a primeira vez que se encontrou esta forma de transmissão. E foi em um local onde a água tinha todo cuidado, era de primeiro mundo. A preparação que se faz com a água não mata o toxoplasma. No Brasil, tivemos um surto muito maior, em São Miguel do Ivaí, no Paraná, em dezembro de 2001, e onde fui dar consultoria. Examinei centenas de pessoas. Lá foi uma gatinha que eliminou as fezes perto de uma caixa d'água que abastecia a cidade ficava no chão. O bichinho teve uma ninhada, que entrou na caixa e espalhou o protozoário. Quando encontramos muita gente pegando a doença, a água pode estar relacionada pela facilidade de contato. Lá tinha a população rural, que usava água de poço, e a urbana consumia da rede pública, que foi só a que pegou. Foram 600 pessoas atingidas. Foi o maior surto de toxoplasmose no mundo até hoje. Era uma cidade pequena com 5 mil habitantes e todo mundo começou a ficar doente.
JC - Qual é o risco para as gestantes?
Silveira - Em qualquer época da gestação é perigoso ter a doença. Se for nos primeiros três meses, a chance de contaminação do feto é de 10% a 11%. Se for nos últimos três meses, estão dizendo que não teria problema. É o contrário, pois aumenta a chance de contaminar o feto de 10% para 60%. Mas ocorre uma inversão: a gravidade é maior no primeiro trimestre da gestação porque o bebê não está formado, pode dar problemas muito graves e até causar o aborto. Entre os problemas, estão a microcefalia e hidrocefalia.
JC - Uma pessoa com a doença pode transmitir para outra?
Silveira - Não é impossível, mas é raríssimo.
JC - Quais foram as medidas adotadas em Santa Isabel?
Silveira - Estudos de epidemiológicos mostraram que mais de 10% dos infectados tiveram tardiamente lesão grave no olho com risco de cegueira. Tudo porque a retina é a primeira a ser afetada, mas a doença pode ir para os neurônios, portanto, não é uma moléstia tão boazinha, precisa ser cuidada. Todas as pessoas que se contaminaram têm de examinar os olhos, e isso é personalizado. Ou seja, cada paciente tem de ser tratado de uma maneira. Alguns vão precisar de remédio, outros terão de ser acompanhados. A pessoa precisa buscar o médico se surgir uma mancha preta no olho, como uma neblina, que pode aumentar, indicando que a pessoa pode estar começando a desenvolver uma lesão de olho por causa da toxoplasmose e deve ser tratada. Não adianta sair tratando todo mundo. As medicações são muito fortes e devem ser usadas com critério. Nem tanto ao mar nem tanto à terra. Ouço o pessoal dizer que vai tratar as pessoas com sulfadiazina, uma droga tóxica para os rins e que tem uma indicação muito específica. Tem de usar o que é menos agressivo possível. Daqui a pouco vão ficar doentes por usar tantos remédios. 
JC - Para o tratamento, o que é importante?
Silveira - É importante que os médicos possam atuar com as uveítes. Falam em fazer pulsão do líquido amniótico para diagnóstico. Isso pode causar aborto! Às vezes, coletar sangue no braço para detectar o anti-corpo já é eficaz, pois se faz a identificação indireta. Precisa ter cuidado para não criar alarme ou causar danos ao feto. Não é uma doença que vai passar de uma pessoa para outra.
JC - É possível saber a gravidade da toxoplasmose em Santa Maria?
Silveira - Ainda não se sabe qual é o tipo de toxio que tem lá. No centro de referência que temos aqui em Erechim identificamos o tipo de sepa. Tem toxoplasma bonzinho e tem os perigosos, que são as cepas atípicas que são encontradas no gen do parasita. Quando elas são identificadas, há maior risco de causar problemas graves, mas só saberemos após a identificação. Agora o importante é avisar as pessoas para se cuidarem e adotarem medidas simples, como o cuidado com a água. O cozimento resolve. Tudo que é cru tem de cuidar.
JC - Quem convive com pessoas que possuem a doença devem fazer exame?
Silveira - Todos devem fazer o exame de sangue e de fundo de olho. Sempre falo a meus pacientes que quem come na mesma mesa e convive com o mesmo ambiente deve fazer o exame. Quando uma criança chega aqui com sintomas, mando fazer exame em toda a família e sempre encontramos mais casos. Nem todos têm os mesmos sintomas, alguns podem ter dor no corpo, febre, uns são mais fortes e não mostram nada. Mesmo no exame do fundo de olho, pode não dar nada agora, mas aparecer algo em 10 anos. Mais de 10% das pessoas, pelos estudos até hoje, vão desenvolver lesão ocular que pode ser grave e lavar à cegueira.
JC - O senhor acredita que, se for a água o meio de contaminação, Santa Maria pode ultrapassar Santa Isabel do Avaí em registros?    
Silveira - Sinceramente, não sei. Falei com o prefeito e colocamos especialistas da Escola Paulista de Medicina à disposição. Acho que eles estão conduzindo bem a situação. E todo mundo quer ajudar. Casos podem surgir depois, pois a doença pode ser assintomática. Espero que a experiência de Santa Maria alerte para a necessidade de fazer teste de água e para maior atenção à toxoplasmose. O tempo de vida do protozoário é de dois anos, e na água, de 20 meses. 
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