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Entrevista Especial

- Publicada em 04 de Março de 2018 às 21:22

Era Trump motivou adesão ao socialismo, diz cientista político Jarred Abbott

Jared Abott é membro da Democratic Socialists of America

Jared Abott é membro da Democratic Socialists of America


fotos: MARCELO G. RIBEIRO/JC
O movimento Democratic Socialists of America (DSA) teve um incremento de mais de 300% entre o início de 2016, quando Bernie Senders iniciou a disputa interna do partido Democrata dos Estados Unidos contra Hillary Clinton, até os dias seguintes à vitória do republicano Donald Trump nas eleições presidenciais. De 8 mil membros, o grupo passou a 35 mil.
O movimento Democratic Socialists of America (DSA) teve um incremento de mais de 300% entre o início de 2016, quando Bernie Senders iniciou a disputa interna do partido Democrata dos Estados Unidos contra Hillary Clinton, até os dias seguintes à vitória do republicano Donald Trump nas eleições presidenciais. De 8 mil membros, o grupo passou a 35 mil.
Para o cientista político Jarred Abbott, formado em Harvard e parte das hostes do DSA, isso ocorreu porque tanto simpatizantes de Sanders quanto eleitores de Trump veem que as políticas representadas pelo Partido Democrata - ao centro no espectro político estado-unidense - não supriram as necessidades da população, principalmente em direitos sociais como saúde universal e Previdência social.
"O governo de Barack Obama fez subir as expectativas das pessoas, mas, na verdade, ele não mudou tanto as coisas, especialmente para os jovens", pontua Abbott, "que não têm muitas oportunidades em comparação à geração de seus pais". Paradoxalmente, uma parte dessas pessoas migrou da intenção de voto no pré-candidato Sanders para Trump, porque, segundo Abbott, "ambos tinham uma mensagem antissistema". Apesar disso, crê o cientista político, "poderíamos trazê-las para o nosso lado".
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, no entanto, Abbott deu também espaço ao pessimismo ao dizer que "o mais provável é que ganhe Donald Trump" nas eleições de 2020, pela base fiel de eleitores do Republicano. A chance de impeachment também é "zero", porque, "se os republicanos decidissem cassá-lo, isso feriria gravemente a imagem deles".
Jornal do Comércio - O DSA teve um grande crescimento após a vitória de Trump e também quando Sanders concorreu nas primárias do Partido Democrata contra Hillary. Quanto exatamente o movimento cresceu no país?
Jared Abbott - No começo de 2016, havia mais ou menos 8 mil membros e, quando as primárias do Partido Democrata começaram, de janeiro até o verão daquele ano, nós crescemos para cerca de 12 mil membros até a votação das primárias. Bernie Sanders perdeu as primárias para Hillary Clinton, ficamos muito tristes, mas, quando Trump foi inesperadamente eleito, no dia seguinte ao 8 de novembro, recebemos toneladas de novos membros. Foi algo como três ou quatro mil em um único dia. E aí, ao longo dos meses, houve um aumento gigantesco na mobilização ao redor do país depois que Trump foi eleito. No começo de 2017, nós tínhamos por volta de 20 mil, e foi entrando mais e mais gente. Agora, temos por volta de 35 mil filiados.
JC - E por que isso aconteceu?
Abbott - Por muito tempo, nos Estados Unidos, a palavra socialismo foi ligada ao comunismo, e isso era muito negativo na concepção popular. As pessoas não entendiam muito a diferença entre um social-democrata na Suécia ou (Josef) Stálin. Mas as pessoas mais jovens, que não cresceram no período da Guerra Fria, são mais abertas a essas ideias. Movimentos que surgiram depois do 11 de setembro de 2001, como o Occupy Wall Street e outros, começaram a pipocar entre a juventude, e isso ocorre porque a geração millenial tem altas expectativas e um nível educacional alto, mas não tem muitas oportunidades em comparação à geração de seus pais. Com o colapso econômico de 2008 e a relativa estagnação de nossa economia, as pessoas de nossa geração não conseguiam trabalho, e quando conseguiam, eram empregos ruins, sem plano de saúde (nos Estados Unidos, não há saúde pública universalizada, e normalmente os empregos oferecem seguro-saúde como benefícios adicionados), sem previdência, e não conseguem poupar, o que irrita muito a população. O governo de Barack Obama fez subir as expectativas das pessoas, mas, na verdade, ele não mudou tanto as coisas, especialmente para os jovens. E quando os democratas apresentaram Hillary Clinton como sua pré-candidata, era literalmente o símbolo de que nada iria mudar, porque ela é a que mais carrega interesses privados entre todos, e foi primeira-dama, secretária de Estado, e também basicamente agia como se ser presidente do país fosse um direito dela, como se houvesse uma linhagem que a fizesse dizer: "agora, é a minha vez". Nenhum jovem foi atraído por isso, ela não oferecia um discurso que dissesse respeito à demanda desses jovens.
JC - O que Bernie Sanders representou?
Abbott - Bernie Sanders apareceu com uma mensagem social-democrata e popular, que as pessoas nos Estados Unidos nunca tinham ouvido falar. Ele estava falando em combater as grandes corporações; dizia que não era difícil proporcionar uma educação superior pública e gratuita, assim como um sistema de saúde universal, e ele disse: "sou um socialista-democrata", e as pessoas não sabiam o que isso significava, então elas começaram a procurar no Google e tentar descobrir o que era, se sentiram muito atraídos por sua mensagem. Muita gente que procurava por uma alternativa primeiro migrou para o Bernie Sanders, e depois acabou conhecendo o DSA, um dos grupos socialistas norte-americanos que têm um espectro mais amplo em termos de visões políticas. Na visão dos jovens, Hillary não venceu a eleição porque não tinha uma visão suficientemente alternativa que realmente servisse de apelo para os jovens, trabalhadores. Nós precisamos de uma alternativa, e Sanders foi essa alternativa para muita gente.
JC - No Brasil, analistas políticos apontam como um dos motivos para o enfraquecimento da esquerda a falta de entendimento entre as diferentes correntes. Isso acontece nos EUA?
Abbott - É difícil comparar, porque o que vocês chamam de "esquerda" no Brasil, pelo que entendo, é algo grande e tem um poder muito grande na política brasileira, não só o PSOL, mesmo o PT... mas nos Estados Unidos, a esquerda, ou seja, pessoas que se autodenominam comunistas ou socialistas, é um grupo muito pequeno comparado ao que seria aqui.
JC - Não daria para dizer que o Partido Democrata é de esquerda, comparando com parâmetros brasileiros.
Abbott - Não. E o PT tem uma política mais de centro, mas uma parte da sua militância vem de um histórico de movimentos de esquerda. Porém a militância majoritária do Partido Democrata não tem nenhuma experiência histórica relacionada à esquerda, só com políticas liberais do "mainstream". Mas dentro da própria esquerda, que repito, é muito pequena, há debates e divisões parecidos com que há aqui. Neste ano, teremos eleições federais para o Congresso; e, dentro da esquerda ideológica, algumas pessoas têm mais compromisso com a parte popular e, para combater Trump, acreditam que precisaremos eleger o maior número possível de democratas, para que estes tenham maioria no Congresso. Todos concordamos que Trump é terrível e precisa ser parado, mas não elegendo democratas, e sim com o foco em fortalecer movimentos sociais, lutar para fortalecer o movimento de trabalhadores, que teve um ano terrível. Deveríamos lutar para construir uma base mais forte de pessoas que vieram da campanha de Sanders e da oposição a Trump, o que é uma alternativa a essa campanha "mais do mesmo".
JC - E qual é sua posição nesse sentido?
Abbott - Nosso objetivo tem que ser o de um grupo socialista que, ao longo do tempo, se prove ser uma alternativa real à política usual do Partido Democrata.
JC - Não é no sentido de ser a tendência dominante no Partido Democrata?
Abbott - É importante que possamos "usar" o Partido Democrata na cédula, que haja candidatos que venham do nosso movimento, já que, com o sistema eleitoral que temos, é muito difícil ser eleito. Se Bernie Sanders concorresse como um candidato independente... bobagem, ele não ganharia. Acho que é estratégico ter candidatos oriundos do nosso movimento, com uma visão genuinamente alternativa, concorrendo pelo Partido Democrata e, nas regiões onde isso for possível, concorrer como independentes. É usar a cédula do Partido Democrata de maneira tática, para colocar nossos membros no poder.
JC - Levando em conta a ascensão de Sanders e a vitória de Trump, é possível dizer que as pessoas estão cansadas das políticas de centro?
Abbott - Sim. Tanto à esquerda quanto à direita. Trump obviamente é um nacionalista que flerta com o fascismo. Uma parte do apoio a ele veio de pessoas que estão preocupadas com um possível crescimento da população não branca no país, que lhes tirem sua posição historicamente privilegiada na sociedade, principalmente quanto aos homens - não exclusivamente -; mas outras pessoas estão realmente preocupadas com sua sobrevivência econômica, com o declínio de sua qualidade de vida e oportunidades de trabalho cada vez mais escassas. Muitas dessas pessoas votaram em Trump; e, apesar disso, poderíamos trazê-las para o nosso lado. Esse é um dos grupos-chave nos quais os socialistas deveriam focar. Elas só foram para Trump porque não tinham ideia do que queriam, ou até tinham ideia do que não queriam: os Democratas.
JC - O anseio dessa parcela da população foi erroneamente canalizado para Trump?
Abbott - Uma parte significativa de gente que votou em Sanders nas primárias acabou votando em Trump nas eleições propriamente ditas, e é porque ambos tinham algum tipo de mensagem antissistema, ambos são protecionistas econômicos em um determinado nível, falam em produzir mais empregos nos Estados Unidos, e ambos se colocaram, de uma maneira muito curiosa, como anticorporações. Trump dizia: "eu não gosto das grandes empresas".
JC - Mas ele estava mentindo em relação a isso, não?
Abbott - Claro. Mas, se você não tem muito conhecimento de política, pode achar que o que eles oferecem é similar, e uma das tarefas da esquerda é encontrar uma maneira de canalizar essa energia para longe da extrema-direita e virá-la para a esquerda.
JC - Quem você acha que vai ganhar as eleições em 2020?
Abbott - Acho que o mais provável é que ganhe Donald Trump, acho.
JC - Por quê? O governo e a conduta pessoal dele não estão sendo ruins?
Abbott - Sim, é claro, mas ele tem uma base forte e fiel entre os eleitores. Não entre a população em geral, mas de eleitores em potencial, e eles não vão deixar essa base.
JC - E a possibilidade de ele ser cassado em um processo de impeachment, como alguns analistas preveem?
Abbott - A possibilidade de que isso aconteça é praticamente zero. Para que ele seja cassado, é preciso haver uma maioria de votos entre os parlamentares do Partido Republicano, tanto na Câmara quanto no Senado, votando pelo impeachment, e isso não acontecerá. O único jeito de isso acontecer seria se eles decidissem que, por exemplo, o vice Mike Pence - que é muito mais conservador do que Trump em certos aspectos, pois é um cristão fundamentalista - é menos imprevisível. Porém, se os republicanos decidissem cassá-lo, isso feriria gravemente a imagem deles, justamente como aconteceu nos anos 1970, quando houve a cassação de Richard Nixon. Então haveria esse risco, e eles vão preferir ficar com Trump.
JC - Sobre o Brasil: como a esquerda norte-americana enxerga o contexto brasileiro?
Abbott - Entre as pessoas que têm alguma noção (da política brasileira), o sentimento é de que houve um golpe contra Dilma Rousseff (PT), o que é triste, e acham que deveriam apoiar os movimentos que lutam contra o seu afastamento... e sabem que há uma crise econômica e política que causa instabilidade, e as pessoas estão muito inseguras para onde vai a política brasileira nos próximos anos. Eles também sabem que, nos últimos 10 anos, (Luiz Inácio) Lula (da Silva, PT) fez algumas coisas para ajudar os pobres, como o Bolsa Família. Houve alguns poucos grupos de defesa da Dilma na época do impeachment, e hoje há gente solidária com o "fora Temer" e quando (o deputado federal Jair) Bolsonaro (PSC) foi aos Estados Unidos recentemente, fizemos uma manifestação contra ele em Boston... há coisas assim.
JC - Muita gente aqui vê Jair Bolsonaro como alguém equivalente a Trump. Essa visão existe também nos Estados Unidos?
Abbott - Não sei se ele tem as mesmas chances de vitória que Donald Trump. E ele não é um outsider do mesmo jeito que Trump era, porque Trump não tinha absolutamente nenhuma vivência em cargos eletivos, e obviamente não se pode dizer o mesmo de Bolsonaro. Só que muita gente, inclusive eu, não achava que Trump seria eleito, mas eu "cantei vitória" cedo demais, e espero que aqui no Brasil isso não ocorra.

Perfil

Jared Abbott nasceu em 1984, no estado norte-americano de Virginia. É membro do Comitê Político Nacional do movimento Democratic Socialists of America (DSA), no qual milita desde 2010. É também doutorando em Ciência Política na Universidade Harvard, onde estuda movimentos de esquerda e democracia participativa na América Latina, e trabalha voluntariamente na organização do Sindicato dos Estudantes de Graduação de Harvard. É ativo na militância de esquerda há mais de 20 anos, participando na organização de movimentos que vão desde organizações estudantis e antiguerra, até trabalhos de solidariedade a sindicatos sul-americanos e pró-direitos dos imigrantes. Abbott participou ativamente da campanha do pré-candidato Bernie Sanders à presidência dos Estados Unidos, nas eleições primárias do Partido Democrata contra Hillary Clinton, captando fundos junto ao eleitorado. Também atuou como porta-voz do DSA na campanha eleitoral.