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Geopolítica

- Publicada em 19 de Fevereiro de 2018 às 23:05

Brasil é uma 'democracia falha', diz The Economist

Em um ranking que classifica os sistemas políticos de 167 países como mais próximos ou mais distantes da democracia, a revista britânica The Economist colocou o Brasil na 49ª posição e considera o regime político atual como uma "democracia falha".
Em um ranking que classifica os sistemas políticos de 167 países como mais próximos ou mais distantes da democracia, a revista britânica The Economist colocou o Brasil na 49ª posição e considera o regime político atual como uma "democracia falha".
O Índice de Democracia (Democracy Index, no nome original), divulgado em 31 de janeiro, concluiu que menos de 5% da população mundial vive hoje em uma "democracia plena", o que corresponde a 19 dos países avaliados, e perto de um terço da população vive sob regimes autoritários, a maior parte desses na China.
No índice, o Brasil está atrás dos vizinhos Uruguai, na 18ª posição - único na América Latina classificado como democracia plena -, e Argentina, na 48ª. Além disso, o estudo comparou os dados da atual pesquisa com a divulgada em 2017. Nesse período, 89 dos 167 países avaliados reduziram suas notas, incluindo o Brasil. Nos 11 anos de aplicação da pesquisa, esta é a pior avaliação do Brasil, mesmo o País sempre tendo média de classificação como "democracia falha".
No relatório detalhado da pesquisa, em uma sessão dedicada à América Latina com o título "Roubando dinheiro e eleições", a publicação avalia que "as investigações de corrupção continuaram a engolir a classe política do Brasil", usando como exemplo as relações entre políticos e várias das maiores empresas do País, "principalmente com propinas em troca de contratos governamentais e outros favores políticos".
O presidente Michel Temer (PMDB) também é citado no documento. A revista faz referência às denúncias de corrupção enviadas pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot ao Congresso Nacional. A avaliação é de que Temer se viu livre do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) depois que seus aliados no Congresso votaram bloqueando a abertura de julgamento.
A avaliação, aplicada pela revista desde 2006, compreende 60 indicadores, reunidos em cinco categorias amplas: processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, participação política, cultura política democrática e liberdades civis. Além do índice relativo ao tipo de regime e sua relação com características democráticas, a revista classificou a liberdade de imprensa desses países. O relatório considera a liberdade de expressão importante para o avanço e fortalecimento da democracia.
"A liberdade de imprensa ao redor do mundo tem caído ao mais baixo nível desde que começamos a produzir o Índice de Democracia em 2006, e restrições à liberdade de expressão têm se tornado comuns mesmo em democracias desenvolvidas", aponta o relatório. Para a The Economist, este é o mais importante tipo de liberdade e "pré-requisito para estabelecer uma democracia saudável".
Este ranking, com escala de zero a 10, indica os países em posicionamento similar ao apontado no indicador de democracia. O Brasil tem nota 7 e está na 49ª posição e, ao lado de outros 40 países, recebe o título de mídia "parcialmente livre". Dos 167 avaliados, 97 têm mídia considerada "não livre" ou "amplamente não livre", o que representa mais da metade da população mundial.
 

Modelo liberal está em crise, avalia cientista político Moysés Pinto Neto

Para Moysés, estudo aponta colapso da estabilidade institucional considerada como ideal

Para Moysés, estudo aponta colapso da estabilidade institucional considerada como ideal


MARIANA CARLESSO/JC
A queda na classificação do índice de democracia dos países avaliados pelo estudo da revista britânica The Economist reflete uma tendência mundial, avalia o cientista político e filósofo Moysés Pinto Neto. Ele ressalva que o relatório apresenta dados construídos a partir de uma metodologia com viés liberal, perfil da revista, e os regimes políticos são classificados de acordo com a proximidade ou distância com as pautas liberais - e é esse modelo que está em crise.
Ainda assim, "o fato de esse estudo ter chegado à conclusão de que a democracia está sob ameaça é verdadeiro", diz. Ele lembra que, pela conotação liberal do estudo, a revista pode ter adotado parâmetros de avaliação diferentes dos que seriam usados por estudiosos com tendência mais à esquerda, por exemplo. "De qualquer maneira, o modelo de democracia com esses parâmetros está se transformando significativamente no mundo, e o Brasil não foge à regra", avalia.
Jornal do Comércio - O estudo aponta um decréscimo na classificação de países como democracias; e o Brasil, devido a situações recentes, como casos de corrupção, contribuiu para isso. O quanto isso pode impactar na imagem do País em relação à democracia que tenta se consolidar aqui?
Moysés Pinto Neto - Estamos vivendo momento mundial bem delicado e, para muitos, é uma transição. Isso faz com que tenha um abalo na estrutura de democracia que estava mais ou menos consolidada no mundo do Norte, depois do fim da guerra mundial, e na América Latina na década de 1980, com o fim das ditaduras militares. Essa avaliação da The Economist, por um lado, é baseada numa metodologia e, por ser um estudo relevante, é também demonstrativo de um certo colapso da imagem de democracia e estabilidade institucional características de um tipo de visão que a revista considera como o padrão ideal. Ela coloca o modelo da democracia liberal de mercado e, de uma certa maneira, de articular a liberdade de expressão, muito típicas do imaginário liberal. E hoje, no mundo, é esse imaginário liberal que está em crise. Dá para dizer que quem passa hoje por sua maior crise no mundo, e isso também se reflete no Brasil, é um certo centro político, que se estende tanto à direita quanto à esquerda.
JC - A avaliação desses indicadores, por si só, sustenta a classificação de um ou outro tipo de governo como autoritário?
Moysés - Existe uma corrente bem consolidada da ciência política que utiliza esse tipo de indicadores. Mas são parâmetros de uma visão de democracia liberal. Por exemplo, se colocar mais à esquerda, poderiam colocar outros itens, como direitos sociais ou acesso à moradia. É característica do pensamento liberal colocar aspecto formal e procedimental como o principal, a partir do qual se avalia a democracia, por acreditar que a democracia vai se autorregulando e, se mantiver as instituições funcionando de uma maneira sólida do ponto de vista formal, as liberdades vão naturalmente decidindo qual a melhor opção do ponto de vista eleitoral ou dos seus rumos. Já para a tradição socialista, comunista, mais à esquerda, esse aspecto formal não é o suficiente. Desigualdades materiais, questões de gênero e raça acabam sendo também decisivas, e aí não abasta o aspecto formal para consolidar uma democracia.
JC - Dá para considerar que as democracias estão sob ameaça?
Moysés - É uma metodologia que reflete um ponto de vista, mas não tem nenhum outro (estudo) tão seguro quanto esse para se avaliar as alternâncias da democracia. O fato de esse estudo ter chegado à conclusão de que a democracia está sob ameaça é verdadeiro. Pode ser que venha uma coisa melhor depois, que, depois desse momento de democracia sob ameaça, venha uma mais intensificada, aberta. Mas, de qualquer maneira, o modelo de democracia com esses parâmetros que a The Economist fixou realmente está se transformando significativamente no mundo, e o Brasil não foge à regra.