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Entrevista especial

- Publicada em 29 de Janeiro de 2018 às 00:45

STF vai revisar posição sobre prisão em 2ª instância, diz Darcie

"Juiz, teoricamente, não poderia emitir opinião, sobretudo em processos que pode julgar"

"Juiz, teoricamente, não poderia emitir opinião, sobretudo em processos que pode julgar"


fotos: LUIZA PRADO/JC
Além do processo envolvendo o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), também a atuação do Poder Judiciário no caso ganhou destaque na semana passada. O jurista Stephan Doering Darcie, voltado à área do Direito Criminal, acredita que o Judiciário tem se atribuído protagonismo, o que entende como polêmico. “Um juiz, teoricamente, não poderia emitir opinião (...) sobre processos, sobretudo os que podem acabar, eventualmente, sendo julgados por ele. É um comprometimento de imparcialidade.” Ele ressalva, no entanto, que os julgadores do TRF-4 “sempre foram muito discretos”.
Além do processo envolvendo o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), também a atuação do Poder Judiciário no caso ganhou destaque na semana passada. O jurista Stephan Doering Darcie, voltado à área do Direito Criminal, acredita que o Judiciário tem se atribuído protagonismo, o que entende como polêmico. “Um juiz, teoricamente, não poderia emitir opinião (...) sobre processos, sobretudo os que podem acabar, eventualmente, sendo julgados por ele. É um comprometimento de imparcialidade.” Ele ressalva, no entanto, que os julgadores do TRF-4 “sempre foram muito discretos”.
Nesta entrevista concedida ao Jornal do Comércio após a decisão do tribunal de manter a condenação e majorar a pena de Lula para 12 anos e um mês de prisão pelo caso do triplex, na Operação Lava Jato, Darcie avalia que a tendência é de que os recursos que serão apresentados pela defesa do ex-presidente suscitem a revisão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do entendimento que prevê a prisão de condenados em segunda instância, antes de encerrados os recursos de apelação às cortes superiores.
Pela jurisprudência atual, Lula poderá ser preso assim que esgotado o prazo de recurso dos embargos de declaração no TRF-4. "Se eu tivesse que apostar, apostaria que o Supremo mudará, sim, seu posicionamento em relação a isso, e ainda mais nesse caso, que envolve um ex-presidente da República."
O jurista também avalia os próximos passos projetados pela defesa - o PT afirma que registrará a candidatura do ex-presidente ao Planalto mesmo com a condenação em segunda instância. No entanto, pela Lei da Ficha Limpa, Lula estaria impedido de concorrer.
Jornal do Comércio - O Judiciário, hoje, está em maior evidência do que já esteve em outras situações?
Stephan Doering Darcie - O Judiciário, com certeza, nos dias de hoje, está muito em evidência. O próprio Judiciário se atribuiu um protagonismo. Também passou a ser muito exigido. Em alguma medida, as pessoas e todos os atores envolvidos passaram a demandar muito o Poder Judiciário, que, diante disso, poderia adotar uma postura autorrestritiva, de não entrar em determinados assuntos, mas não é isso que se tem verificado na prática. O Judiciário está, sim, aceitando esse protagonismo, e cada vez mais tem interferido. Isso é muito polêmico. Não só do ponto de vista institucional. Mesmo na academia se discute muito se deveria, efetivamente, adotar esse papel protagonista, ou se o Judiciário deveria se manter afastado de determinadas questões. Temos visto o Judiciário, isso é um fato, interferindo em assuntos muito relevantes, como o processo legislativo, o afastamento de representantes do Congresso, em diversas questões não tem se furtado de decidir.
JC - O fato de juízes e desembargadores se colocarem em evidência através de entrevistas e, eventualmente, se posicionando também é um novo perfil?
Darcie - É uma questão muito delicada, porque temos visto muitas manifestações pontuais, algumas entrevistas... Um juiz, teoricamente, não poderia emitir opinião aos meios de comunicação, deveria ser um sujeito mais discreto, não deveria aparecer tanto para a sociedade e, certamente, não deveria emitir opiniões sobre processos, sobretudo os que podem acabar, eventualmente, sendo julgados por ele. É um comprometimento de imparcialidade. Obviamente, não estou dizendo que isso não acontece, mas é algo muito controverso. Não deveria ser assim. Esses atores deveriam se manter um pouco mais afastados dessas discussões. Podem até ter suas opiniões, mas de maneira nenhuma sair enunciando, porque isso acaba fazendo as partes desconfiarem das decisões que podem vir a ser tomadas.
JC - Isso também pode impactar a credibilidade do Judiciário diante da opinião pública?
Darcie - Sim, porque, veja bem, o Judiciário tem um papel para além de pacificar conflitos, ele precisa inspirar nas pessoas a sensação de que a justiça foi feita. Como se diz no Direito: não basta que a justiça seja feita, ela tem que parecer ter sido feita. Uma decisão, mesmo correta, quando não inspira nas pessoas a credibilidade necessária, de alguma forma, acaba frustrando a própria função do Poder Judiciário. Imagine uma decisão que pode até tecnicamente ser correta, mas tomada por alguém que, de alguma forma, tenha antecipado ou tido algum juízo acerca daquele caso. A parte que eventualmente for julgada não aceitará aquela decisão. A sociedade, sobretudo lidando com atores políticos que têm seguidores, não aceitará a decisão como legítima, e a função do Judiciário acaba se frustrando, acaba comprometida.
JC - A defesa do ex-presidente Lula tem usado o argumento de que foi um julgamento político. Essa postura do Judiciário acaba favorecendo esse discurso?
Darcie - Em tese, se um julgador manifesta uma opinião previamente, uma predisposição a um tipo de julgamento, isso é, obviamente, algo que compromete a própria legitimidade daquela decisão. E, sim, a defesa pode invocar isso como uma tese que possa desconstituir aquela decisão. De alguma forma, no caso, se viu a defesa suscitando o problema da suspeição de magistrado de primeiro grau, que é o juiz Sérgio Moro. Isso, de fato, pode ser um problema. Especificamente aqui, não me parece que tenha sido o caso da decisão do TRF-4. Os julgadores do tribunal sempre foram muito discretos. Em relação a isso, não há nada que a defesa, na minha perspectiva, possa explorar. Na minha perspectiva, a 8ª Turma do TRF-4 foi o que costuma ser. Não vi nada de diferente ou um rigorismo exacerbado. E eles (desembargadores) fizeram questão de frisar que, com esse julgamento, esgota-se a discussão de matéria probatória, isso é importante. Ou seja, tanto no STJ (Superior Tribunal de Justiça) quanto no STF não se discute mais se há ou não prova, se há ou não ligação do ex-presidente com os fatos. Se analisa violação à legislação federal ou à Constituição. É matéria de direito exclusivamente. Isso é um complicador no ponto de vista da defesa.
JC - Ainda assim, a defesa já anuncia que vai manter a candidatura do ex-presidente Lula. Caso ele consiga, através dos meios jurídicos possíveis, se candidatar, isso colocaria em descrédito a Lei da Ficha Limpa?
Darcie - Sim. Na verdade, a Lei da Ficha Limpa, teoricamente, não impede o PT de registrar a candidatura do ex-presidente (Lula). A questão, agora, parece mais relacionada ao "quando" do que ao "se", porque o registro da candidatura tem que observar um trâmite. Então o PT poderá registrar a candidatura, e, eventualmente, o registro pode ser indeferido, e vai levar um tempo até que isso ocorra. E o registro deverá ser indeferido, tendo em vista que já há uma condenação por uma ordem de colegiado, que é o que prevê a Lei da Ficha Limpa. Não há um impedimento para o PT registrar a candidatura, o que pode acontecer é o registro ser indeferido.
JC - Isso não acaba gerando confusão de entendimento das pessoas?
Darcie - Certamente gerará confusão, mesmo entre os juristas. Testemunhamos uma corte constitucional, que é o STF, que tem se mostrado muito instável. Por exemplo, em virtude dessa questão da execução provisória da pena. Havia uma posição do STF em um determinado sentido sobre a impossibilidade de se iniciar a execução da pena logo depois do segundo grau, até que, em 2016, se muda de posicionamento e passa a admitir a possibilidade de execução provisória. De 2016 para cá, esse posicionamento foi confirmado, mas, em 2017, já houve uma sinalização de que o STF pode voltar atrás. Se no próprio meio jurídico isso já é um problema, imagina se não é para a sociedade de um modo geral, que não entende como se propala a todo tempo que a Lei da Ficha Limpa proíbe, mas, na verdade, permite, através de uns mecanismos jurídicos. É porque se exige um trâmite em que o candidato pode registrar a candidatura, mas, depois, ela pode ser indeferida, e há possibilidade de recurso. Isso vai acabar, eventualmente, na mão do STF, que acabará decidindo se será possível ou não a candidatura, e também se o candidato fará campanha durante o período em que a candidatura estiver sub judice.
JC - Enquanto houver recurso a essas instâncias superiores, Lula pode se manter candidato?
Darcie - O que acontece: ele, teoricamente, já é inelegível, com o esgotamento da segunda instância. Então, no âmbito eleitoral, o registro de candidatura poderá ser indeferido com base na decisão colegiada, que a Lei da Ficha Limpa prevê. O fato de interpor recurso poderá, sim, de alguma forma, influenciar na medida em que houver uma decisão liminar do STJ ou do STF suspendendo a inelegibilidade. Aí, a Justiça Eleitoral não poderá reconhecer a inelegibilidade. De alguma forma, sim, isso pode influenciar o desfecho no âmbito eleitoral.
JC - Não chega a ser uma relação direta.
Darcie - Não é pelo simples fato de estar recorrendo, isso dependerá de uma decisão liminar. O ponto é que, para uma decisão liminar ser tomada - nesse caso, suspendendo a inelegibilidade -, ter-se-ia que demonstrar uma verossimilhança, ou seja, uma probabilidade de que a questão seja julgada favoravelmente nas cortes superiores. Considerando que há uma decisão unânime (em segunda instância), considerando que muitos dos pontos preliminares que a defesa deve levar ao STJ e STF já foram objeto de enfrentamento inclusive dos tribunais superiores, é difícil que haja essa verossimilhança para suspender a inelegibilidade.
JC - Cogitou-se que a defesa entraria com um pedido de habeas corpus para que Lula pudesse concorrer, porque já tem a prisão prevista. Tem sentido?
Darcie - Existe um fator paralelo aí que é a determinação para que, observando-se a nova orientação do STF (de prisão em segunda instância), se oficie ao juiz de primeiro grau - os desembargadores falaram isso -, com esgotamento dos recursos no TRF-4, para que ele determine o início do cumprimento da pena. Como os embargos (de declaração) não devem demorar muito para serem julgados, a tendência é que - se tudo for mantido como está e o STF não alterar o posicionamento no meio do caminho - se prenda o ex-presidente, o que entra como um complicador. Do ponto de vista eleitoral, talvez ele pudesse registrar a candidatura e fazer campanha, mas pode ser que ele esteja preso. Aí, vai ser uma coisa sem precedente. Não vi isso veiculado, mas o habeas corpus que imagino que seja mais óbvio é para que não se dê início ao cumprimento da pena antes da definição das instâncias superiores, que é tentar, de alguma forma, resgatar aquela orientação inicial do STF de não executar a pena só com segundo grau, mas esperar o trânsito em julgado efetivamente. Pode ser, e, aí, o habeas corpus tende a ser impetrado.
JC - Se falou que, em relação a outros processos, esse andou mais rápido. Em paralelo, também teve a avaliação de que não é um caso qualquer sendo julgado. Pode-se ter esse entendimento nas cortes superiores?
Darcie - Não tem como prever. Pode ser que, por se saber que é algo delicado e que pode causar uma grande celeuma nas eleições presidenciais, se possa chegar a um consenso de tentar julgar de forma mais rápida para definir a situação. Seja para conceder uma liminar ou até para julgar favoravelmente à defesa, seja para já definir o caso de forma contrária aos interesses da defesa. É difícil dizer o que vai acontecer do STJ para cima. Agora, em relação à questão da liberdade, vamos ter que aguardar para ver, porque o STF está louco para mudar de orientação.
JC - Já há indicações nesse sentido?
Darcie - Sim. Na verdade, a decisão de que já se pode iniciar a execução da pena em segundo grau foi bem dividida. E, desde então, mudou a composição (do STF), com a saída do ministro Teori Zavascki e a chegada do ministro Alexandre de Moraes. Além disso, o ministro Gilmar Mendes sinalizou que pretende mudar de opinião (de favorável para desfavorável). Daqui a pouco, podemos ter o STF resgatando essa jurisprudência de não iniciar a execução da pena até o trânsito em julgado, que só se daria com o julgamento do STJ e do STF. E, se isso acontecer, vai se conceder. A defesa deverá impetrar um habeas corpus no STJ, e, se esse habeas for denegado, vai ao STF, que poderá dizer que ele vai ficar em liberdade e alterar a jurisprudência. Se tivesse que apostar, apostaria que o Supremo mudará, sim, seu posicionamento em relação a isso, e ainda mais nesse caso, que envolve um ex-presidente da República.

Perfil

Stephan Doering Darcie é natural de Porto Alegre e tem 31 anos. Advogado criminalista, graduou-se em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs) em 2009 e concluiu mestrado em Ciências Criminais pela mesma instituição em 2011. Neste mesmo ano, finalizou uma especialização em Direito Penal Econômico Internacional e Europeu pela Universidade de Coimbra, em Portugal. Atualmente, é doutorando em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP). Na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), é professor de Direito Penal, Direito Processual Penal e Prática Penal desde 2013, além de coordenador da especialização em Direito Penal e Direito Processual Penal. É autor do livro "O fundamento da tentativa em direito penal", publicado pela editora Lumen Juris em 2014, e da tradução "Crimes culturalmente motivados - Ideologias e modelos penais", publicada pela editora Revista dos Tribunais em 2017.