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Boate Kiss

- Publicada em 26 de Janeiro de 2018 às 07:55

Demolição de prédio da boate Kiss é suspensa

Incêndio na casa noturna resultou em 242 vítimas fatais

Incêndio na casa noturna resultou em 242 vítimas fatais


ANTONIO SCORZA/AFP/JC
Antes pensada como um marco dos cinco anos de um dos mais dolorosos momentos da história recente do Estado e do Brasil, a demolição do prédio onde funcionava a boate Kiss foi suspensa pelo prefeito de Santa Maria, Jorge Pozzobom. A decisão, anunciada nesta quinta-feira, atende ao pedido protocolado pelo novo advogado da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Ricardo Breier. Na madrugada de 27 de janeiro de 2013, um sinalizador disparado por um integrante da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava no local, deu início a um incêndio que causou a morte de 242 pessoas por intoxicação.
Antes pensada como um marco dos cinco anos de um dos mais dolorosos momentos da história recente do Estado e do Brasil, a demolição do prédio onde funcionava a boate Kiss foi suspensa pelo prefeito de Santa Maria, Jorge Pozzobom. A decisão, anunciada nesta quinta-feira, atende ao pedido protocolado pelo novo advogado da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), Ricardo Breier. Na madrugada de 27 de janeiro de 2013, um sinalizador disparado por um integrante da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava no local, deu início a um incêndio que causou a morte de 242 pessoas por intoxicação.
Após visita ao edifício, Breier, que também é presidente da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), concluiu que a edificação ainda tem valor como prova, até que transite em julgado o processo contra Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann, sócios da Kiss, e Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, da banda Gurizada Fandangueira. Em dezembro do ano passado, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS) aceitou recurso dos réus e afastou o dolo eventual, quando se assume risco de matar. A decisão, que elimina a possibilidade de júri e delega a decisão às varas criminais de Santa Maria, acabou sendo polêmica, já que a votação do 1º Grupo Criminal do TJ-RS terminou empatada em 4 a 4.
Também integrante da equipe que representa a AVTSM, o advogado Pedro Barcellos argumenta que a decisão desconsidera o princípio "in dubio pro societate", que inverte a lógica de favorecer o réu em determinadas etapas do processo, colocando o interesse coletivo em primeiro plano. A visão, segundo ele, tem prevalência na etapa de pronúncia dos réus e, na situação de empate, deveria ter assegurado o júri popular.
"O empate é sinal claro de divergência entre os desembargadores. E, nessa fase, a dúvida deveria ser 'in dubio pro societate'", argumenta Barcellos. "Nossa intenção é de levar os jurados ao interior do prédio, de forma que possam ver com os próprios olhos o interior daquele calabouço." No momento, aguarda-se o resultado de apelação do Ministério Público (MP) ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), buscando reverter a desqualificação.
O presidente da AVTSM, Sérgio da Silva, afirma que a decisão não influencia no processo para erguer o memorial às vítimas da Kiss, que vem sendo coordenado pelo departamento gaúcho do Instituto dos Arquitetos do Brasil. Segundo ele, o processo ainda está em estágio pouco avançado, não havendo urgência em colocar a antiga Kiss abaixo. "Se for necessário esperar mais tempo (para a demolição), não tem problema", acentua.
Em resposta escrita à reportagem, o advogado de defesa de Elisandro Spohr, Jader Marques, afirma que o Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndio (PPCI) e os alvarás da prefeitura que permitiam o funcionamento da boate foram concedidos, em 2009, aos antigos proprietários da Kiss, ou seja, antes de o réu assumir o estabelecimento. "Depois disso, a autorização foi dada em um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) feito com o MP, com ciência evidente do promotor Ricardo Lozza. Por isso, não há como falar em dolo eventual, quando as autoridades disseram que a boate estava completamente irregular e podia estar aberta. O Tribunal de Justiça admitiu que as autoridades deixaram a Kiss funcionar. Fica a pergunta: os agentes públicos ficarão impunes?", diz a nota.

'Punidos nós já fomos', diz presidente de associação

Para Sérgio da Silva, da AVTSM, o sentimento de desamparo pela Justiça vem acompanhando as famílias desde a madrugada trágica de 2013. Até o momento, ninguém foi condenado em definitivo pelo crime, algumas sentenças foram amenizadas, e inquéritos que apuravam a responsabilidade de agentes públicos - como o ex-prefeito Cezar Schirmer, hoje secretário de Segurança Pública - estão arquivados. Além disso, alguns familiares, como o próprio Silva, foram processados por promotores e pelo Ministério Público por calúnia e difamação. 
"Eles (responsáveis pelos processos) não têm que se sentir agredidos. Nada vai trazer nossos filhos de volta, e não queremos dizer quem tem que ser punido ou não, mas garantir que nada disso aconteça de novo. Punidos nós já fomos. Quem tem um filho vive em função dele, projeta tudo para ele. Uma dor dessas não se supera", diz Silva, que perdeu o filho, Augusto Sérgio Krauspenhar da Silva, então com 20 anos. No momento, a principal esperança é que o STJ reverta a decisão do TJ-RS e garanta o júri popular. 
Segundo ele, um núcleo de familiares segue unido, encorajando uns aos outros nos momentos mais difíceis. "É uma luta constante. Depois do dia 27, tudo recomeça", afirma. "É nossa obrigação cobrar por respostas. Se eu, daqui a uns 20 ou 30 anos, partir deste mundo sem que a justiça tenha sido feita, pelo menos vou poder descansar dizendo que tentei mudar esse estado de coisas, que não desisti."

'Não é o filme que eu queria fazer', afirma diretora de documentário sobre a tragédia

Enquanto ocorrem desdobramentos jurídicos em torno da Kiss, uma série de atividades vem relembrando, desde o começo da semana, as vidas perdidas no trágico incidente. Nesta quinta-feira, foi realizado o lançamento do livro "Todo dia a mesma noite", de Daniela Arbex, e está marcada para a noite desta sexta-feira, na praça central de Santa Maria, a pré-estreia do documentário "Depois daquele dia", de Luciane Treulieb. Após a sessão, será promovida uma caminhada luminosa e um encontro dos familiares, que deve se estender pela madrugada.
"Poucos sabiam que eu estava fazendo o filme, pois eu não sabia se conseguiria terminá-lo", afirma Luciane, que é irmã de João Aloísio Treulieb, uma das vítimas daquela noite. O filme surgiu como conclusão de mestrado na Universidad Nacional de Tres de Febrero, da Argentina. O processo, ela admite, acabou sendo "muito difícil" em alguns momentos, o que levou a interrupções na produção. "Precisava estar bem para fazer as sessões. No começo, não era minha ideia colocar em primeira pessoa, mas, em conversas com a produção e com meus professores, concluímos que não adiantava negar a proximidade", diz.
A produção, explica Luciane, procurou focar no processo posterior à tragédia, retratando o modo como ela impactou o município. E um dos principais temas que surgem refere-se ao silenciamento pelo qual passam os familiares. "Há um conflito entre a necessidade dos pais de impedir o esquecimento e o restante da população, que quer retomar alguma normalidade. Os pais comentam que as pessoas passam por eles e dizem que é preciso seguir em frente, que os filhos não vão voltar. Isso é muito difícil, eles (familiares) reclamam muito."
Luciane sabe que a exibição terá forte carga emocional, mas reforça que procurou ser "o mais sensível possível" durante a realização do documentário. "Não é o filme que eu queria fazer, não era uma tragédia que era para ter acontecido. Mas, como o Sérgio (da Silva, presidente da AVTSM) fala durante o filme, é preciso preservar essa memória, evitar que tudo aconteça de novo. A minha sobrinha nasceu depois da morte do meu irmão, e esse documentário é um pouco para ela também", complementa.
No sábado, dia 27, data que marca os cinco anos da tragédia, será lançado o edital para o desenho do memorial às vítimas, além de uma palestra do diretor jurídico da AVTSM, Paulo Carvalho, sobre os desdobramentos do caso na Justiça. Por fim, ao final da tarde, haverá um ato ecumênico, com balões representando cada pessoa que perdeu a vida naquela noite.