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Segurança pública

- Publicada em 25 de Dezembro de 2017 às 22:20

Uma cidade gaúcha chamada Presídio Central

Situação da casa prisional foi apresentada no documentário Central - O Filme, da diretora Tatiana Sager

Situação da casa prisional foi apresentada no documentário Central - O Filme, da diretora Tatiana Sager


SIDNEY BRZUSKA/SIDNEY BRZUSKA/DIVULGAÇÃO/JC
Imagine que você mora em uma casa com outras três pessoas e, um dia, recebe dois hóspedes. Os visitantes são acomodados na sala, em um sofá-cama preparado para essas situações. Imagine que, depois disso, cheguem mais duas pessoas. Você corre para comprar dois colchões, colocados nos cantinhos que sobraram na sala, e usa as roupas de cama reservas. Já não é possível alcançar alguns móveis. E se, de repente, mais uma dupla aparece para se hospedar? Você usa o resto do dinheiro para comprar mais dois colchões e joga-os no chão dos quartos, sem roupa de cama. Já não se pode caminhar sem tropeçar em alguma coisa. Imagine se esses hóspedes ficassem para sempre? Imagine uma cidade inteira com esse nível de lotação?
Imagine que você mora em uma casa com outras três pessoas e, um dia, recebe dois hóspedes. Os visitantes são acomodados na sala, em um sofá-cama preparado para essas situações. Imagine que, depois disso, cheguem mais duas pessoas. Você corre para comprar dois colchões, colocados nos cantinhos que sobraram na sala, e usa as roupas de cama reservas. Já não é possível alcançar alguns móveis. E se, de repente, mais uma dupla aparece para se hospedar? Você usa o resto do dinheiro para comprar mais dois colchões e joga-os no chão dos quartos, sem roupa de cama. Já não se pode caminhar sem tropeçar em alguma coisa. Imagine se esses hóspedes ficassem para sempre? Imagine uma cidade inteira com esse nível de lotação?
Assim é o Presídio Central de Porto Alegre (PCPA): uma área de 25 mil metros quadrados (aproximadamente, 3,5 campos de futebol), com capacidade para receber 1,9 mil presos, onde moram 4,7 mil. Uma superlotação de 250%, sem contar os 3 mil funcionários, visitantes e voluntários que passam por lá diariamente. A população carcerária é superior ao número de habitantes de 42% dos municípios gaúchos. A realidade do complexo prisional foi mostrada recentemente no documentário Central - O Filme, da diretora Tatiana Sager. Sem condições físicas de abrigar tanta gente, a maior casa prisional do Estado extinguiu a divisão por celas e separa os detentos apenas por galerias - são 24, localizadas em nove pavilhões, repletas de colchões pelo chão.
A superlotação traz problemas diários. Os pratos com refeições, por exemplo, precisam ser levados às galerias, já que não há logística que dê conta de levar 4,7 mil apenados a refeitórios três vezes por dia - especialmente por haver apenas 300 Policiais Militares (PMs) e 70 funcionários da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) para escoltar a todos.
Como os presos dormem no chão, a dedetização é constantemente necessária, a fim de evitar transmissão de doenças por ratos, baratas e outros insetos.
Apesar da superlotação e das grandes dificuldades diárias, o Central apresenta alguns dados positivos. "Temos a menor taxa de mortalidade entre cadeias na América Latina", orgulha-se o coronel Marcelo Gayer, diretor do Central. A média é de quatro a cinco mortes por ano, todas por doenças, "e só porque pacientes terminais são trazidos para cá de outras prisões", ressalta. O diretor aponta que o índice de tuberculose fica entre 20% e 30% nos presídios brasileiros, enquanto, no Central, é de 0,016%. Lá, o último homicídio foi registrado há dois anos e meio.
O número de mortes é, de fato, baixo. Segundo dados do Ministério da Saúde, nos municípios gaúchos com até 4,7 mil habitantes, em 2015, a média foi de 8,3 mortes por cidade. O motivo dos poucos óbitos passa pelo rígido código de disciplina imposto pelas facções impedindo execuções banais.
Além disso, existe um trabalho envolvendo psicólogos, enfermeiros, médicos, assistentes sociais, atividades de Justiça Restaurativa, diálogo com os presos e uma grande Unidade de Saúde Prisional, na qual são realizados cerca de 350 atendimentos por dia, em áreas como nutrição, psicologia, psiquiatria, odontologia, entre outros. "A atividade de saúde humana que temos aqui é considerada padrão para o Brasil. Já fomos até a Brasília receber prêmio por isso", revela Gayer. Quando o caso é mais grave, o detento é levado até o Hospital de Pronto-Socorro.
O advogado Fernando Lobo estava no parlatório do Central quando a reportagem do Jornal do Comércio visitou o espaço. Aquela era a primeira vez em cinco anos que pisava na casa prisional. "Fiquei espantado. A administração está de parabéns. Antes, eu ficava duas horas esperando e via ratos andando pelos corredores. Já vi cliente todo mordido de carrapatos. Agora, isso não acontece, e os advogados podem marcar visitas aos presos pelo WhatsApp e têm sala com internet. Houve uma humanização no atendimento", resume.

Além de atividades paralelas como trabalho e estudo, presos também passam por desintoxicação

Onze apenados trabalham com artesanato de material reciclável

Onze apenados trabalham com artesanato de material reciclável


/MARCELO G. RIBEIRO/JC
O diretor do PCPA afirma que ali são desenvolvidos vários projetos que servem de modelos para o Brasil, e que o fator de dificuldade existente, hoje, é, realmente, a superlotação - se, em vez de 4,7 mil presos, houvesse 2,5 mil, seria possível abranger a todos com algum projeto. Na área de educação, há um Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos (Neeja) com aulas dos ensinos Fundamental e Médio, com as quais os presos podem concluir seus estudos. São 240 vagas por vez. Dois detentos chegaram a ser aprovados no Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), e um deles iniciou graduação após cumprir sua pena. Ao contrário de outras casas prisionais, no Central, não há grades separando professores e estudantes.
Além das 240 vagas para estudar, também há 800 para trabalhar ganhando salário, em setores como alfaiataria, cozinha, almoxarifado, mecânica, organização dos arquivos na unidade de saúde e escola de artes. Mais cerca de 200 apenados trabalham sem receber, apenas para reduzir seu tempo de pena (remissão de pena). Gayer já tem todos os equipamentos para abrir uma padaria-escola e uma cozinha-escola, mas ainda não tem espaço físico definido para instalá-las.
Em uma oficina abarrotada de diferentes tipos de artesanato, funciona a Atividade de Valorização Humana (AVH), na qual 11 apenados trabalham. Todos têm carteira de habilitação como artesãos. As obras são feitas com material reciclado e apreendido nas operações Desmanche, que fecham ferros-velhos irregulares. "Já estou com minha oficina quase pronta para quando sair daqui. Sou tatuador, mas agora também vou trabalhar com artesanato", revela o detento Elvis Esteves, que aprendeu a fazer marcenaria e a lidar com solda e resina. No Dia das Crianças, cerca de 1,5 mil filhos de presos participaram de uma festa no Central, na qual estandes de comidas, bebidas e brincadeiras foram montados pelos artesãos da AVH. A estrutura foi aproveitada depois na celebração infantil da Penitenciária Estadual do Jacuí (PEJ).
Há, ainda, um programa para dependentes químicos que envolve atividades durante todo o tempo de pena. Os indivíduos são acolhidos em uma galeria específica para pessoas com dependência em alguma droga e são acompanhados por psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais. Eles passam por um processo de desintoxicação em leito hospitalar e, após, vão para um espaço separado, no qual fazem as atividades de recuperação separadamente.
Em cinco anos, foram atendidos mais de mil presos, de acordo com o diretor do presídio, sendo a grande maioria composta por usuários de crack e outras drogas pesadas. "Quase todos eles eram rejeitados pela família. Hoje, conseguimos trazer a família para perto." Como não há lugar para todos os presos necessitados, é dada prioridade para os pertencentes a facções criminosas.