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Condução coercitiva

- Publicada em 26 de Dezembro de 2017 às 08:53

Liminar do Supremo é novo capítulo em longa divergência

Para Gilmar Mendes, condução é "restrição severa da liberdade individual"

Para Gilmar Mendes, condução é "restrição severa da liberdade individual"


CARLOS MOURA/SCO/STF/JC
Na semana passada, uma liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes suspendeu temporariamente todas as ações que implicam na condução coercitiva de investigados, como as verificadas no decorrer da Operação Lava Jato. O descumprimento da decisão pode acarretar sanções nas esferas civil, penal ou disciplinar aos responsáveis, além de abrir margem para que provas obtidas a partir do procedimento sejam invalidadas pela Justiça. Agora, a expectativa é que a decisão final sobre o tema entre na pauta do pleno do STF, sendo apreciada pelo colegiado em data ainda não definida.
Na semana passada, uma liminar do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes suspendeu temporariamente todas as ações que implicam na condução coercitiva de investigados, como as verificadas no decorrer da Operação Lava Jato. O descumprimento da decisão pode acarretar sanções nas esferas civil, penal ou disciplinar aos responsáveis, além de abrir margem para que provas obtidas a partir do procedimento sejam invalidadas pela Justiça. Agora, a expectativa é que a decisão final sobre o tema entre na pauta do pleno do STF, sendo apreciada pelo colegiado em data ainda não definida.
A decisão do ministro é o ato mais recente em uma longa divergência em torno do instituto jurídico, e atende a duas arguições de descumprimento de preceito fundamental, pedidas, em momentos distintos, pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Ainda que com alegações distintas, ambos os textos coincidem na leitura de que o artigo 260 do Código de Processo Penal (CPP) não pode ser aplicado em situações em que não houve descumprimento de determinação judicial.
O artigo de lei que sustenta pedidos como o que envolveu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no ano passado, autoriza a autoridade judicial ou policial a mandar que o depoente seja conduzido à sua presença. Porém explicita que a determinação deve ocorrer "se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado".
Em sua decisão, Mendes afirma que não existe mecanismo legal que obrigue a presença em um interrogatório, e qualifica o uso da condução em um momento anterior à instauração do processo como uma violação os incisos LIV e LVIII do artigo 5º da Constituição - que tratam, respectivamente, da não privação de liberdade sem o devido processo legal e da presunção de não culpabilidade. Em reforço a isso, o ministro menciona que a Constituição enfatiza o direito à liberdade, de forma que se torna fundamental garantir "a rigorosa observância da integralidade do artigo 260 do CPP, ou seja, (apenas a partir de uma) intimação prévia para comparecimento não atendida".
Embora admitindo que o instrumento em questão é menos danoso ao conduzido do que uma prisão preventiva, o texto da liminar diz que "realizar o interrogatório não é uma finalidade legítima para a prisão preventiva", e que a condução coercitiva poderia ser substituída por medidas de menor gravidade, como a própria intimação a depor. "Muito embora alegadamente fundada no interesse da investigação criminal, essa restrição severa da liberdade individual não encontra respaldo no ordenamento jurídico", afirma o ministro.
Criticada por entidades que representam a advocacia, a condução coercitiva é defendida por órgãos do Judiciário e pela Polícia Federal (PF). Em parecer editado no ano passado, a PF afirma que é legítimo exigir a presença do investigado diante da Justiça, e impedir a condução "seria uma ofensa às prerrogativas constitucionalmente conferidas ao Poder Judiciário, bem como das polícias, o que colocaria em risco a concretização da ordem constitucional".
Em maio, a Advocacia-Geral da União encaminhou ao STF o entendimento de que a medida não compromete a imparcialidade do juiz e que atende a "diversas finalidades úteis para a investigação". Entre elas, lista a diminuição do risco de comprometimento de provas e o aumento da segurança em torno de depoimentos. "Mesmo comparecendo, se entender mais conveniente à defesa, pode o acusado exercer o seu direito de permanecer calado, sendo certo que o silêncio não importará em confissão e não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa", argumenta o parecer.
 

Dizer que beneficia depoente é 'sofisma', diz professor da USP

Alamiro Velludo Salvador Netto, professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP), afirma que o uso reiterado do instituto dentro da Lava Jato, solicitado em mais de 200 situações desde 2014, acaba tendo um "efeito mimético" que o dissemina para uma série de outras operações policiais. Na visão dele, o uso feito pela PF está em dissonância com a lei brasileira, que só admite a medida a partir do descumprimento de uma intimação de forma injustificada.
"Há a alegação de que seria algo benigno para o cidadão, pois, do contrário, essa pessoa poderia ser presa de forma preventiva. Parece-me um argumento hipócrita, um sofisma, pois parte da premissa de uma prisão, quando a condução coercitiva vem sendo usada justamente como um elemento de supetão, quando não existem requisitos para a prisão preventiva", argumenta Velludo. Outro problema, diz ele, é que a medida gera cerceamento da defesa do depoente, já que seria comum não haver clareza quanto aos elementos que motivam a condução.
Segundo o professor da USP, a PF faz uma defesa do instituto a partir de um postulado de eficiência, quando "o bom processo não é, necessariamente, o que condena". "A luta contra a corrupção acaba sendo colocada acima do combate às arbitrariedades do Estado. A sociedade brasileira não pode ficar refém desse combate, de elementos que maximizam a acusação em detrimento da defesa."
O jurista Luiz Flávio Gomes, doutor em Direito Penal e fundador do movimento Quero Um Brasil Ético, considera a decisão de Gilmar Mendes correta, na medida em que a lei vigente só permite a condução coercitiva após o não cumprimento da intimação. Contudo ele afirma que a decisão de Mendes não deveria ter ocorrido por meio de uma liminar, sem efeito vinculante.
"(O juiz Sérgio) Moro pode seguir solicitando (conduções) e, se há a determinação, a PF tem que cumprir. (O diretor-geral da Polícia Federal, Fernando) Segovia já afirmou que as coercitivas não serão mais feitas. Isso pode gerar processos administrativos e aumentar a insegurança jurídica. O STF teve mais de um ano para decidir, e então adotou uma via monocrática. O papel do Supremo é gerar estabilidade, e ele tem feito justamente o oposto", critica.
Na visão de Gomes, a alegação de que impedir conduções prejudicaria investigações é um "argumento frágil". "O instrumento é útil, mas não é o único caminho. Se é realmente necessário (garantir a presença do interrogado), que se decrete a prisão temporária", diz. A ação, coloca, acaba tendo um caráter inerentemente midiático, que pode inclusive prejudicar investigações.
Para ele, é necessária uma mudança legislativa que autorize a condução coercitiva em situações excepcionais, algo omisso no atual texto da lei. Antes disso, é provável que haja aumento nos pedidos de prisão temporária. "Seja como for, na atual configuração da lei, a condução coercitiva direta não tem base legal", reforça.