Vó Chica morreu com 107 anos e foi por muito tempo a referência de parteira, benzedeira e conselheira de comunidades da Zona Leste de Porto Alegre. Ela também cuidava de crianças quando as mães estavam trabalhando. Agora seu nome virou um projeto que atende crianças e adolescentes da Vila Safira. Criado pelo pintor predial e empreendedor social, Cláudio Roberto Pagno da Costa, a iniciativa tem várias frentes. Nos fundos do terreno da sua casa acontecem aulas de balé, tem um espaço para meditação, uma pequena biblioteca e computadores para dar os primeiros passos no mundo da informática. "Isso tudo é feito na região com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade", comemora Costa.
Em 2015, ele ganhou o Título de Cidadão Honorário da cidade, mas nem sempre morou por aqui. Nasceu na Bom Jesus, e com 26 anos saiu para conhecer outros lugares. Viveu em Belo Horizonte, Brasília, Rio de Janeiro, casou em São Luís do Maranhão. Quando voltou trouxe na bagagem a vontade de fazer "algo mais" pela sua comunidade. "Observei que todas as periferias são iguais. Não há espaço de lazer, não tem esgoto, iluminação pública ou coleta de lixo", lamenta.
Atualmente, o projeto Tia Chica, que faz parte da Rede de Boas Atitudes, é parceiro de cinco escolas e também promove atividades nestes locais. Uma delas é a Feira do Livro, que está na sua segunda edição. Nestes dois anos foram distribuídos 4 mil livros, pois cada aluno pode escolher três e levar para casa. Há também palestras com escritores conhecidos, como Dilan Camargo e Letícia Wierzchowski. Tudo funciona na base da doação. Daí a importância dos posts no Facebook para mobilizar pessoas. Outra ação incorporada ao calendário anual é a campanha de arrecadação de kits escolares. Segundo Costa, isso ajuda a reduzir a evasão escolar.
A primeira conquista deste empreendedor social foi um local para montar um espaço de lazer. Isso aconteceu há 16 anos. O passo inicial foi identificar um terreno que estava abandonado na comunidade. Ao se informar na Secretaria Municipal de Meio Ambiente descobriu que era uma área destinada desde 1962 para ser uma praça. "Dei visibilidade por meio da imprensa. Aos poucos foi sendo criado um lugar de lazer, preservado e colorido. Sempre digo que o Vó Chica não é uma ONG é uma atitude", relembra Costa.
A última iniciativa está mudando a paisagem da Vila Safira. É o projeto de colorização. Baseado em uma experiência realizada na Indonésia, Costa começou a pintar muros e casas no bairro. Conseguiu doação de tintas de um fabricante e conta com sistema de mutirão para colorir o local. Até agora foram mais de 30 moradias, portas, escada e até a rótula do bairro. "Tudo é feito coletivamente. Vem gente de outros bairros para ajudar", diz.
Projeto combina conhecimento acadêmico com causa humanitária
Vestidos do projeto Xi-Coração são feitos com tecidos e retalhos doados e encaminhados para a África
/RAFAELA NOROGRANDO/DIVULGAÇÃO/JCO que era para ficar guardado em um armário na universidade foi vestir meninas da África. Desde fevereiro de 2016, mais de 80 vestidos já fizeram esta mesma viagem da Universidade de Aveiro, em Portugal, com destino a várias regiões africanas. Tudo por conta de uma inspiração que veio através de uma postagem que saudava a entrada da ONG Little Dresses for Africa em Portugal. Foi a partir dessa publicação que a brasileira Rafaela Norogrando, professora de Design de Vestuário no curso de Design de Moda, resolveu fazer um projeto que unisse conhecimento acadêmico a uma boa causa. "Eu pensava em fazer algo com os alunos que mostrasse a realidade do mercado. Nesta cadeira eles normalmente desenvolvem peças que ficam guardadas no departamento", relembra Rafaela.
Foi desta forma que ela começou a movimentar seus alunos do segundo semestre do segundo ano do curso e criou o projeto Xi-coração. A expressão é muito utilizada pelos portugueses e quer dizer abraço. Em sala de aula a primeira fase é fazer uma pesquisa de campo. Os estudantes precisam entender a cultura, como vivem seu público-alvo e buscar inspiração para criar suas minicoleções. "Eles precisam sair da sua zona de conforto e entender o que é a África. Isso faz com que sejam obrigados a olhar para o olho", diz a professora.
A ONG também passa um briefing bem específico de como devem ser elaboradas as roupas. Isso serve de guia para o desenvolvimento do projeto que é feito em grupos, embora cada um seja responsável pela criação de dois vestidos com os tecidos e retalhos que vêm de doações de fábricas, pois um dos mandamentos desta ação é que nada pode ser comprado. Tudo é doado e reaproveitado. "As peças não podem ser feitas aleatoriamente. Não é para ser algo do tipo 'estou fazendo roupinha para criança carente'. Além do contato com processos de design, a ação auxilia a desenvolver uma consciência mais alargada sobre o papel social de quem trabalha com moda", detalha.
No final, as coleções se transformam em uma exposição e Rafaela aproveita para colocar em cena também mobiliários desenvolvidos por outros alunos do curso de Design de Mobiliário do Instituto Politécnico de Viseu onde também dá aulas. Só depois os vestidos são entregues para a ONG e fazem sua travessia até a África. Na segunda edição do projeto Xi-Coração, desenvolvida neste último semestre, as "clientes finais" são adolescentes que voltaram para casa após serem sequestradas pelo grupo terrorista Boko Haram. A iniciativa ampliou seu foco e vai beneficiar também as famílias que perderam suas casas nos incêndios que ocorreram em cidades do Centro e do Norte da África. A exposição leva o nome "Às Meninas e aos Nossos" e serve de ponto de coleta para a doação de objetos e vestuário e estará aberta a visitação até janeiro de 2018 no Museu dos Lanifícios na Universidade da Beira Interior.