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finanças

- Publicada em 25 de Setembro de 2017 às 03:33

Bancos digitais sacodem o sistema financeiro

Em março, a Febraban já estimava 940 mil contas-correntes totalmente digitais no País

Em março, a Febraban já estimava 940 mil contas-correntes totalmente digitais no País


MARCELO G. RIBEIRO/JC
Uma conta-corrente sem precisar ir à agência, sem papelada e, principalmente, sem mensalidade pelos pacotes de serviços. Para grande parte dos brasileiros, isso ainda pode parecer algo distante, mas há cada vez mais opções no mercado. São os bancos digitais, empresas que viram na tecnologia a oportunidade para entrar no varejo bancário, um dos mais concentrados do País, e que, mesmo formigas perto dos gigantes, estão sacudindo um dos setores mais conservadores da economia.
Uma conta-corrente sem precisar ir à agência, sem papelada e, principalmente, sem mensalidade pelos pacotes de serviços. Para grande parte dos brasileiros, isso ainda pode parecer algo distante, mas há cada vez mais opções no mercado. São os bancos digitais, empresas que viram na tecnologia a oportunidade para entrar no varejo bancário, um dos mais concentrados do País, e que, mesmo formigas perto dos gigantes, estão sacudindo um dos setores mais conservadores da economia.
É claro que não surgiram de uma hora para a outra. A digitalização do sistema financeiro é um processo que vem de longa data, desde o início da popularização da computação, ainda na década de 1980. Caixas eletrônicos, internet banking e aplicativos para consultas em smartphones são todos frutos do movimento.
"A digitalização total é o último passo de um processo longo, e um passo natural dentro dessa caminhada", analisa Rodolfo Olivo, professor da Fundação Instituto de Administração (FIA), de São Paulo. Em outros países com um controle menos rígido, comenta, o surgimento de instituições desse tipo foi até mais rápido do que aqui, mesmo com o sistema bancário brasileiro sendo um dos mais avançados do mundo.
A regulação, aliás, é um dos pontos-chave para a proliferação dos bancos digitais no Brasil no último ano. Em abril de 2016, o Conselho Monetário Nacional (CMN), órgão máximo do sistema financeiro, liberou a abertura de contas por meios virtuais. Até então, praticamente todos os bancos já possuíam algum tipo de serviço de movimentação on-line, mas, para iniciar o relacionamento, era obrigatório comparecer a uma agência com documentos impressos. A nova regra eliminou essa necessidade, liberando a abertura de contas com outros mecanismos, como reconhecimento facial, localização pelo GPS e checagens em bancos de dados.
Era o que as empresas precisavam para colocar em prática um modelo de bancos sem agências. A primeira iniciativa nesse sentido é até anterior à norma. O atual Banco Inter (então Intermedium) lançou o serviço ainda em 2014, mas a abertura da conta exigia o envio de documentos e reconhecimento de firma em cartório. Não decolou. Com a publicação das novas regras, porém, o banco passou a aceitar fotos dos documentos, da assinatura e selfies, e o crescimento se acelerou. Em janeiro deste ano, por exemplo, eram 98 mil correntistas - no fim de agosto, já chegam aos 250 mil e, até o fim de 2018, a meta é bater no milhão.
Outra iniciativa, talvez a mais conhecida delas, foi lançada na esteira da mudança nas regras. Projetado pelo atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o Banco Original se abriu para o varejo, em março de 2016, chacoalhando as estruturas pelo seu potencial de investimento. Afinal, por trás dele estavam os donos de uma das maiores empresas do Brasil, a JBS, hoje famosos por frequentarem as páginas policiais. A meta da instituição, criada a partir da aquisição do gaúcho Banco Matone pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, era chegar a 2 milhões de contas em 10 anos.
Também surgiram, logo depois, o Banco Neon, em julho de 2016, e a conta digital do gaúcho Banco Agiplan, em novembro. O primeiro, surgido de uma startup de cartões pré-pagos, já chegou aos 240 mil correntistas, e também projeta chegar nos sete dígitos até o fim de 2018. Já o segundo, pioneiro na oferta desse tipo de serviço também a pessoas jurídicas, chegará a janeiro com 100 mil contas, e pretende bater a marca mágica do milhão até o ano de 2020.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) estimava, em março, que havia 940 mil contas-correntes totalmente digitais, abertas sem contato presencial entre cliente e instituição, considerando apenas Inter, Original, Itaú e Banco do Brasil. O crescimento, porém, deve ser vertiginoso. Até o fim do ano, a expectativa é de chegar às 3,3 milhões.
Os números ainda mostram um alcance restrito se comparados à população brasileira, mas os negócios virtuais já despertaram a atenção dos grandes conglomerados. Assim como no caso dos cartões de crédito, em que o sucesso do Nubank motivou contra-ataques como o Digio, lançado por BB e Bradesco, as contas digitais também voltam a aparecer nos grandes bancos - o Bradesco foi ainda mais longe e, há três meses, lançou o seu próprio banco digital, batizado de Next. Em geral, porém, ainda cobram pelas cestas de serviços.

Desafio é ganhar em escala

A primeira barreira aos digitais, que era conseguir entrar no mercado, já foi vencida, mas, no mundo dos negócios, isso não é o suficiente. "No fundo, você precisa de escala. E, por mais que faça um sanduíche bom, você não é o McDonald's", ilustra o executivo da empresa de pesquisas CVA, Sandro Cimatti, que vê os ainda pequenos bancos digitais crescendo, mas dependentes de muito trabalho para que se consolidem.
Uma das principais dificuldades é simplesmente aparecer. Não à toa, na pesquisa feita pela CVA, o mais famoso dos digitais era o Original (conhecido por 46,6% dos entrevistados), também o que mais investira em divulgação. As marcas, no fim das contas, são fundamentais em um segmento no qual a relação depende de confiança. Há o desafio ainda de transmitir segurança ao mesmo tempo em que se usa a modernidade como diferencial.
O Inter, por exemplo, sentiu isso na pele. Antes voltado a financiamentos e com nome mais sóbrio (Intermedium), precisou simplificar sua imagem em junho. Pode parecer algo pequeno, mas qualquer detalhe é valioso na disputa por um público bastante volátil.
"Fidelizar é muito diferente do tradicional, em que se sentava com o gerente. O custo de sair de um banco para o outro agora é muito baixo", comenta Alberto Luiz Albertin, coordenador do Centro de Tecnologia de Informação Aplicada da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV. Uma das saídas para o dilema passa pela migração das Pessoas Jurídicas, estratégia da Agiplan e agora também do Inter.
A busca por um quinhão "mais seguro" tem a ver também com o fato de serem ainda um produto de nicho. "Mesmo com o crescimento do acesso à internet, eles ainda não têm grande penetração. Além disso, sempre vai ter quem queira ir em uma agência, embora cada vez menos" analisa o professor da FIA, Rodolfo Olivo.

Como atuam:

Agiplan
  • Criação da empresa: Abril de 1999, como corresponde bancário, e agosto de 2016 como banco, após compra do Banco Gerador;
  • Lançamento da conta digital: Novembro de 2016;
  • Número de contas: Fechará o ano com 100 mil correntistas;
  • Meta: Chegar a 1 milhão de contas até 2020;
  • Taxas e tarifas: TED a outros bancos (a partir da 3ª no mês): R$ 6,90; o restante é gratuito.
  • Saques: Nas casas lotéricas.
 
Inter
  • Criação da empresa: Setembro de 1994 (como Banco Intermedium), pelos controladores da construtora MRV;
  • Lançamento da conta digital: 2014;
  • Número de contas: 230 mil;
  • Meta: Fechar 2017 com 350 mil correntistas digitais, chegando a 1 milhão até o fim de 2018;
  • Taxas e tarifas: Nenhuma;
  • Saques: Na rede Banco24Horas.
 
Neon
  • Criação da empresa: Início de 2015 (como Controly, startup de cartões pré-pagos);
  • Lançamento da conta digital: Julho de 2016;
  • Número de contas: 240 mil;
  • Meta: Chegar a 1 milhão de contas até o fim de 2018;
  • Taxas e tarifas: Saque (a partir do 2º no mês): R$ 6,90; Depósito (a partir do 2º no mês): R$ 2,90; TED a outros bancos (a partir da 2ª no mês): R$ 3,50; o restante é gratuito.
  • Saques: Na rede Banco24Horas.
 
Next
  • Criação da empresa: Junho de 2017, pelo Bradesco;
  • Lançamento da conta digital: Junho de 2017;
  • Número de contas: Não informado
  • Meta: Não informado;
  • Taxas e tarifas: Mensalidades vão de R$ 9,95 a R$ 39,95, conforme o plano (gratuito nos primeiros 5 meses);
  • Saques: Na rede Banco24Horas e nos caixas eletrônicos do Bradesco.
  •  
Original
  • Criação da empresa: Março de 2011, com a compra do Banco Matone pela J&F, controladora da JBS;
  • Lançamento da conta digital: Março de 2016;
  • Número de contas: Não informado;
  • Meta: Chegar a 2 milhões de contas até 2026;
  • Taxas e tarifas: Mensalidade de R$ 9,90 no primeiro ano (depois, conforme o plano); cartão de crédito cobrado à parte;
  • Saques: Na rede Banco24Horas.
 
Fonte: Jornal do Comércio com informações dos bancos e arquivo

Baixo custo e atendimento rápido são os trunfos

Testa destaca a forma de se relacionar com o cliente

Testa destaca a forma de se relacionar com o cliente


JONATHAN HECKLER/JONATHAN HECKLER/JC
O crescimento dos bancos digitais passa por dois pilares: baixo ou nenhum custo para manutenção da conta, e um atendimento mais rápido e fácil. Não por acaso, são esses, também, os pontos que mais insatisfação trazem aos usuários do sistema bancário, como mostra uma pesquisa sobre o setor feita pela CVA Solutions em 2016.
Entre os clientes de bancos standard, aqueles não voltados exclusivamente ao público com alta renda, o principal desejo de melhoria é não precisar ir a uma agência (52% dos entrevistados). Além disso, sobre o melhor formato de agência, o maior resultado (80%) é visto na opção "agência sem filas". "Nesse ponto, o digital vai ao encontro dos desejos do consumidor", comenta Sandro Cimatti, executivo da CVA.
Seguindo a linha, o presidente da Agiplan, Marciano Testa, ressalta que, mesmo no movimento das fintechs, não foi a tecnologia em si o principal diferencial. "O mais disruptivo foi o conceito de atendimento ao cliente, a forma de se relacionar", argumenta. Ao contrário dos demais bancos digitais, a Agiplan tem vida dupla: surgido de uma financeira, o grupo mantém quase meio milhar de agências pelo País, e oferece contas correntes tradicionais nelas. Teoricamente, o cliente digital poderia ir até elas para algum atendimento. "Mas ele não vai, pois isso não tem valor para ele. Nenhum cliente digital nosso procura uma agência", conta Testa.
É por isso que o banco atua, hoje, com as duas modalidades, uma digital, gratuita (só é cobrada tarifa para transferências a outros bancos, a partir da terceira no mês), e outra tradicional, com taxas e tarifas, para cobrir os custos muito mais elevados das agências.
Essa diferença de custo para a manutenção da conta é outro dos grandes atrativos. Na mesma pesquisa da CVA, cruzando custos e benefícios, chega-se a um valor percebido pelos clientes de cada banco. Na avaliação específica do produto conta-corrente, a diferença é grande. Entre os bancos tradicionais, o único que tem nota acima da média do setor é a Caixa, com uma nota 1,04 (a média é padronizada como 1).
Já entre os digitais, embora com amostras pequenas, todos os quatro que apareceram nas respostas possuem valores acima de 1,10: Sofisa Direto (voltado a investimentos, nota 1,12), Neon (1,13), Original (1,22) e Inter (1,24). Em todos eles, a avaliação positiva é explicada quase que exclusivamente pelos custos (nos benefícios, o único deles acima da média é o Original).
"O que se percebe é que a recessão também tem ajudado os bancos digitais na medida em que as pessoas precisam cortar o custo fixo da manutenção das contas", acrescenta Cimatti.
O Neon, por exemplo, alega ter surgido justamente da insatisfação de seu fundador ao ser cobrado indevidamente por um banco. "Pensava: será que não há uma solução mais justa e clara? Não tinha", conta Alexandre Alvares, diretor de marketing do banco com sede em Belo Horizonte (MG). O Neon cobra tarifa dos clientes nas transferências a outros bancos, saques e depósitos por boleto, todos a partir da segunda utilização no mês - o restante é gratuito.
Sem as taxas, o faturamento desses bancos costuma vir das receitas de intermediação, além da oferta de outros serviços aos correntistas, como investimentos. O mais radical talvez seja o Inter, que não cobra tarifa em nenhum serviço. "Usamos a analogia do supermercado: você não paga para entrar nele e fazer suas compras. Para nós, a conta corrente é igual, não paga, mas acaba consumindo outros produtos que monetizam o banco", argumenta Ray Chalub, gerente de produtos e eficiência do banco, também de Belo Horizonte, cujos controladores são os mesmos da construtora MRV.