Sa�da do desequil�brio social passa por resposta coletiva
MARCELO G. RIBEIRO/JC
Diante de um ambiente de conflagrado conflito social, a pergunta que surge é a seguinte: é possível sair dessa situação? A resposta não vem a partir de um momento de iluminação ou em uma conversa de mesa de bar. A construção da resposta tem de ser coletiva, assim como a execução da solução.
O psicanalista Alfredo Jerusalinsky acredita que, sim, é possível se desvencilhar do quadro atual de desequilíbrio social. Entretanto, ele não vê uma solução em curto prazo. “Algo precisaria mudar, uma mudança de tal tipo que afetaria todos os sistemas de poder. E, entre a ética e o poder, o sujeito costuma escolher o poder.”
Qual seria, assim, o caminho mais eficiente para se distanciar do extremismo? A filósofa alemã Hanna Arendt (1906-1975) pode ter apontado uma direção ao acompanhar de perto o julgamento do criminoso nazista Adolf Eichmann (1906-1962), em Jerusalém, em 1961. O tenente-coronel do grupo paramilitar ligado ao partido nazista foi o principal operador logístico do Holocausto judeu na Europa durante a Segunda Guerra Mundial. Hanna cobriu o julgamento do criminoso de guerra – preso na Argentina em uma espetacular ação do Mossad (serviço secreto de Israel) em maio de 1960.
A filósofa observou que Eichmann não era um homem intrinsecamente mau em sua natureza, mas um sujeito incapaz de refletir a respeito dos seus atos. Apesar de corroborar atitudes de sadismo cruel, ele não era um sádico com problemas mentais. Era um homem simplório que cumpria ordens dedicadamente sem questioná-las, sem reagir a elas.
Hanna Arendt, então, levanta uma hipótese a respeito da questão: não será o mal uma decorrência da ausência de reflexão? Para ela, a resposta é sim, pessoas incapazes do pensamento estariam mais propensas à prática do mal.
Diante desta constatação, outra pergunta surge: quais seriam os meios de se estimular o pensamento reflexivo? Frente a um cenário de uma tecnologia recente do ponto de vista histórico e em constante mutação, a compreensão do fenômeno cultural não virá de uma hora para a outra e o melhor caminho para isso está na educação. E, sendo a educação um dever do Estado, como diz a Constituição Federal, cabe ao Estado se fazer presente e ativo nesse cenário, buscando saídas e propondo meios de formação de uma sociedade menos radical.
O filósofo Roberto Romano, porém, não acredita em uma educação para a tolerância, mas para o convívio. “Se você não faz isso por meio da educação, não há como modificar as relações dos humanos entre si. Para Platão, os humanos são seres violentos que precisam ser amansados. Esse processo de amansamento é a educação”, pensa.
Alternativas ao Estado
Se democrático, o Estado não só pode como deve atuar para promover o respeito às diferenças. Isso pode ser feito fortalecendo os sistemas educacional, de saúde e de execução política da segurança. Outro braço do poder estatal é, obviamente, o Judiciário, que deve agir sempre que provocado em defesa da paz em sociedade. "Isso não tem nada a ver com autoritarismo, mas com a promoção do convívio plural das diferenças”, explica o desembargador federal e professor do Centro Universitário Ritter dos Reis (Uniritter) Roger Raupp Rios.
Considerando que seja interesse do Estado apaziguar os ânimos, uma intervenção por parte dos poderes públicos deveria ser feita com cautela, sem correr o risco de jogar o mesmo jogo do adversário. “Como sabemos, os fins não podem justificar todos os meios, e os limites democráticos se impõem ao próprio Estado e às instituições”, pondera Licínio Lima, professor catedrático da Universidade de Minho, em Portugal.
O diálogo e uma cultura de negociação são alternativas à manutenção de recursos violentos, como guerras, terrorismo e destruição – mas deve ser um diálogo verdadeiro, que busque decisões participadas e negociadas. “Se nenhuma das partes tem capacidade de se descentrar da sua posição inicial, ou a considera definitiva, tudo se tornará mais difícil”, considera Lima.
Não é por falta de comunicação que os conflitos não são resolvidos. No entanto, uma atitude de diálogo verdadeiro implica a construção de um clima mínimo de confiança, de empatia, e a rejeição de uma concepção de poder do tipo “soma-zero” ou “soma-nula”, em que qualquer ganho por uma das partes seria visto como uma perda pela outra. “Tal posição, se repetida, pode piorar a situação e acirrar os ânimos, e isso tende a ser ampliado quando a sociedade é profundamente marcada por desigualdades sociais, econômicas e culturais”, explica o acadêmico português.
O matemático vencedor do Nobel de Economia em 1994, John Nash (1928-2015), tratou disso em sua tese de doutorado na Universidade de Princeton (EUA), em 1950. A proposta de Nash aponta que, em um cenário de disputa no qual dois ou mais jogadores estão envolvidos, nenhum irá triunfar se tomar atitudes unilaterais. Assim sendo, ele aponta que, para que todos saiam vencedores, as escolhas não podem ser tomadas apenas em benefício dos indivíduos ou do grupo. Nash institui um equilíbrio não cooperativo, no qual somente decisões em benefício do indivíduo e do grupo resultarão em resultados positivos para todos. Ou seja, o indivíduo A deve fazer o seu melhor em função do que o B está fazendo, que, por sua vez, é o melhor que ele pode fazer em função do que o A está fazendo. Assim, todos fazem o seu melhor individualmente e o grupo também acaba triunfando.
A intervenção estatal em um cenário polarizado nem sempre é negativa. O ideal é que o Estado aja por meio das instituições públicas, cumprindo as regras estabelecidas. Se as regras são desrespeitadas de maneira sistemática, cria-se o caminho da violência. "Você sufoca uma rebelião, mas não resolve o problema”, explica o cientista político Benedito Tadeu César. O Estado toma, nesse caso, atitudes com postura autoritária, usando força para impor a ordem, quando teria de usar os instrumentos institucionais.
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