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Jornal da Lei

ESPECIAL

- Publicada em 15 de Agosto de 2017 às 08:11

Discurso de ódio x Manifestação de opinião

A livre manifestação de opinião pode, muitas vezes, ser utilizada como argumento para a difusão de discursos de ódio. A Constituição Federal estabelece, no artigo 5º, que a liberdade de expressão consiste em um direito fundamental, exercido independentemente de censura ou de licença. Ainda no mesmo artigo, no inciso X, se estabelece que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."
A livre manifestação de opinião pode, muitas vezes, ser utilizada como argumento para a difusão de discursos de ódio. A Constituição Federal estabelece, no artigo 5º, que a liberdade de expressão consiste em um direito fundamental, exercido independentemente de censura ou de licença. Ainda no mesmo artigo, no inciso X, se estabelece que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação."
Assim, desponta uma contradição na norma máxima: ao mesmo tempo em que garante a liberdade de expressão como um direito independente de censura ou de licença, determina que a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem são invioláveis. Além disso, a Constituição assegura, no inciso IV, o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem.
O Direito, por meio de leis infraconstitucionais ou jurisprudência, faz delimitações para entender onde termina a liberdade de expressão e onde começa a discriminação ilegal. Mesmo assim, há uma grande subjetividade a respeito disso. Para Rios, quando se excluem direitos que são de todos, se restringe o acesso ou se segregam grupos e se ofende a dignidade, o discurso de ódio já está configurado. "Uma coisa é a pessoa ter uma opinião negativa sobre certa conduta, outra é defender que aqueles que possuem essa conduta devem ter menos direitos", aponta.
É possível dividir em três os atos que merecem atenção do Judiciário: a mera ofensa, a incitação à discriminação e à violência, e a mera hostilidade. O limite pode ser determinado pela própria sociedade, que faz esses paralelos e define o que de fato é ofensivo ou não. Em casos específicos, esse limite é um só: a lei.
Nos últimos 20 anos, a internet gerou uma revolução no que diz respeito à liberdade de expressão. O problema é que, dentro desse ambiente virtual, há uma enorme dificuldade de se legislar. Para o Judiciário, a rastreabilidade desses discursos ainda é insuficiente. A abertura do sigilo de aplicativos como o Whatsapp já foi alvo de inúmeras ações judiciais, que culminaram, inclusive, no bloqueio da ferramenta. No Brasil, esse acesso só acontece por meio de ordem judicial e precisa contar com a colaboração dos administradores dessas redes.
A matriz virtual traz mais dificuldades de regulamentação que o ambiente físico, e é natural que surjam dúvidas quando a intenção é definir o que é público e o que é privado. Mesmo com os obstáculos, o advogado especialista em Direito Internacional em Direitos Humanos Christian Perrone, secretário administrativo no Comitê Jurídico Interamericano, acredita que é necessário ter em mãos acesso a informações sigilosas para dar uma resposta coerente ao extremismo. Ele salienta, porém, que é importante determinar quem terá possibilidade de acesso permitido - normalmente, alguém legalmente legitimado para isso.
Regulação da rede
Imaginada e criada como um sistema militar, a internet se popularizou no início dos anos 1990. Assim, a rede tem menos de 30 anos de uso público. O telefone chegou ao Brasil no final do século XIX e, ainda nos dias atuais, pessoas fazem mau uso do equipamento, utilizando para passar trotes a serviços públicos, por exemplo.
Dessa forma, é de se imaginar que será necessário muito tempo ainda para que a rede de comunicações seja utilizada de modo sensato. Enquanto isso não acontece, e por ela ser incomparavelmente mais ampla do que a telefonia, se faz necessária a criação de normativas legais para reger o uso da internet.
No Brasil, essas normas são recentes. Em 2012, surgiu a Lei nº 12.373, que tipifica criminalmente delitos informáticos. A norma ficou conhecida como Lei Carolina Dieckmann, uma vez que veio à tona após a divulgação de fotos íntimas da atriz.
Foi apenas em abril de 2014, entretanto, que surgiu a principal legislação para regular a internet no País - a Lei nº 12.965, conhecida como Marco Civil da Internet, responsável por estabelecer princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da rede. O Marco Civil define que "a disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão" bem como "os direitos humanos" e a "pluralidade e a diversidade".
Essas duas garantias - a da liberdade de expressão e a da privacidade - são reforçadas em diversos pontos do texto legal, como no artigo 8º, no qual se diz que "a garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet".
O papel do Estado
Chama atenção, também, a parte que trata da atuação do poder público na rede. No artigo 27, a legislação aponta que "as iniciativas públicas de fomento à cultura digital e de promoção da internet como ferramenta social devem promover a inclusão digital, buscar reduzir as desigualdades, sobretudo entre as diferentes regiões do País, no acesso às tecnologias da informação e comunicação e no seu uso; e fomentar a produção e circulação de conteúdo nacional." Assim, percebe-se que, em nenhum momento, a normativa institui a obrigação ao poder público de incentivar o uso respeitoso da internet. De certa forma, o texto tira das costas do Estado a responsabilidade pela promoção do uso da internet de modo cidadão e humano.
De modo geral, o que mais preocupa os governos ao redor do mundo quando a utilização da ferramenta está em pauta é a defesa nacional. O medo que o terror impôs gerou uma onda de protecionismo, criando um cenário em que ninguém está realmente sozinho, em que as câmeras de vigilância e as redes de comunicação possuem dados em tempo real a respeito da vida de todos. No caso da internet, o historiador Jair Krischke aponta um contrassenso dos métodos de controle e vigilância. Para o fundador do Movimento Justiça e Direitos Humanos, os sistemas de segurança - supostamente criados para impedir que atos de terrorismo sejam praticados - funcionam de modo seletivo, se mostrando ineficientes quando o assunto é a intolerância e o discurso de ódio online. Ou seja, a vida das pessoas é vigiada para atender aos interesses do poder, mas não necessariamente da sociedade.