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Patrimônio

- Publicada em 09 de Julho de 2017 às 23:21

Porto Alegre fecha o cerco aos pichadores

Vândalos são motivados pelo desafio de deixar sua marca, por virtuosidade ou reconhecimento da 'obra'

Vândalos são motivados pelo desafio de deixar sua marca, por virtuosidade ou reconhecimento da 'obra'


MARCO QUINTANA/JC
Andar pelas ruas de Porto Alegre e não esbarrar com uma pichação em prédios públicos ou privados é praticamente impossível. Motivados pelo desafio de deixar sua marca, por virtuosidade ou pelo reconhecimento diante daqueles que questionam a ordem, os pichadores encontrarão uma legislação mais severa para coibir seus atos transgressores na Capital.
Andar pelas ruas de Porto Alegre e não esbarrar com uma pichação em prédios públicos ou privados é praticamente impossível. Motivados pelo desafio de deixar sua marca, por virtuosidade ou pelo reconhecimento diante daqueles que questionam a ordem, os pichadores encontrarão uma legislação mais severa para coibir seus atos transgressores na Capital.
Recentemente, um projeto de lei da vereadora Mônica Leal (PP), que define multas mais altas para quem for flagrado pichando, foi aprovado na Câmara Municipal. Paralelamente, outra proposta, esta do prefeito Nelson Marchezan Jr. (PSDB), aumenta ainda mais os valores e delega mais poderes para a Guarda Municipal (GM).
Inspirado pelo prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), que declarou guerra aos pichadores, chamando-os de bandidos, inclusive apagando grafites reconhecidos publicamente como arte, Marchezan segue a mesma linha, no desejo ter uma Porto Alegre mais limpa.
Atualmente, o valor cobrado para a reparação do dano fica entre 150 e 750 Unidades Financeiras Municipais (UFMs) - entre R$ 585,78 e R$ 2.928,90. Com as alterações propostas por Mônica Leal, a quantia passaria para 2.600 UFMs - R$ 10.153,32 - para os atos de pichação. Em caso de reincidência, o valor dobraria. Já na proposta de Marchezan, que ainda tramita na Câmara, o valor pode chegar a R$ 12 mil.
Em 2016, a prefeitura flagrou 103 pichadores - 49 em patrimônio público e 53 em particular. Neste ano, os números seguem na mesma média. Até o fim de junho, foram registrados 23 flagrantes em patrimônios públicos e 18 em privados.
De acordo com o coronel da reserva da Brigada Militar Kleber Senisse, titular da Secretaria Municipal de Segurança de Porto Alegre, a ideia da atual gestão é readequar o Centro Integrado de Comando (Ceic). "O órgão não tinha uma estrutura da GM proativa 24 horas, e queremos dar mais poderes à unidade. Hoje, a Guarda já está dentro do Ceic, fazendo despacho de patrulha através do telefone 153", explica, ressaltando que os flagrantes são feitos via denúncias ou por meio das câmeras espalhadas pela cidade.
O secretário aponta ainda que, se a legislação proposta pelo Executivo for aprovada, a GM receberá o poder de fiscal da prefeitura da Capital. "Atualmente, os guardas fazem somente o trabalho previsto na legislação, sem poder de autuação, apenas encaminhando o pichador a uma delegacia. A partir da alteração na lei, o profissional poderá efetuar a autuação e o encaminhamento para transformar em multa", exemplifica.
Questionado sobre se a nova lei irá distinguir a pichação do grafite como arte, o secretário afirma que, se a pessoa for pega causando qualquer tipo de dano ao patrimônio público, privado e histórico, que não tenha uma pré-autorização para a utilização do espaço, será enquadrado como vandalismo.
A nova legislação não se restringe à repressão à pichação. Além do tratamento antivandalismo, a lei prevê abordagens referentes à questão da postura do transgressor. "Ações como urinar ou defecar na via pública, descartar lixo em locais impróprios, transportar materiais que podem se tornar uma ameaça ao meio ambiente, todos estes pontos serão observados pela Guarda", aponta Senisse.
Como forma de educação social, o secretário explica que as escolas municipais receberão um programa de segurança. "A nossa ideia é que todos contribuam em prol da melhoria da cidade. Partimos do princípio de que a educação já é dada pela família, mas cabe à escola reforçar o comportamento mais adequado", afirma.
Atualmente, os valores das multas administrativas são repassados automaticamente para a Secretaria da Fazenda. Pelo novo projeto, o montante arrecadado será destinado ao Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU).

Repressão severa pode instigar ainda mais os infratores, movidos pela transgressão às normas

Parece um pouco contraditório abordar o tema do vandalismo pela ótica do infrator. No entanto, o pichador que vai às ruas é movido basicamente por três fatores: o reconhecimento, a virtuosidade e a fama. De acordo com o pesquisador em educação Eloenes Silva, que acompanhou o dia a dia de dez pichadores para um trabalho de mestrado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2010, esses infratores, na maioria jovens, são movidos pela transgressão às normas, ao sistema e às instituições. Para eles, ver suas assinaturas ou frases expostas por paredes da cidade é uma vitória.
Atualmente, Silva trabalha em sua tese de doutorado, abordando a relação entre as práticas diárias dos moradores de rua e a educação. O acadêmico acredita que o aumento à repressão irá instigar os pichadores a desafiar ainda mais o sistema. "Segundo alguns pesquisadores, o virtuosismo de ver sua marca no prédio mais alto ou de difícil acesso torna a pichação mais reconhecida. Ao burlar esses aparelhos mais repressores, o pichador aumenta sua fama e seu reconhecimento dentro de sua tribo", explica. "Com certeza, irão surgir mais grupos para desafiar essa ordem", acrescenta.
O pesquisador faz questão de frisar que não defende a pichação. Para ele, o trabalho de mestrado, feito há sete anos, foi um projeto de pesquisa para analisar práticas culturais contemporâneas da juventude. "O viés do meu trabalho é a educação. Os estudos culturais em educação são compreendidos de forma ampliada. A educação não está apenas dentro da escola. Qualquer contexto social no qual existam práticas culturais pode ser entendido como contexto educativo", informa.