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Entrevista especial

- Publicada em 25 de Junho de 2017 às 22:24

Poder Judiciário está politizado demais, afirma Avritzer

Para o cientista político, "não é bom haver muitas vias para a remoção de um presidente"

Para o cientista político, "não é bom haver muitas vias para a remoção de um presidente"


UFMG/DIVULGAÇÃO/JC
Fatos como a atuação do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, no julgamento que absolveu o presidente Michel Temer (PMDB) das irregularidades cometidas na campanha da chapa que o elegeu vice da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), fazem o cientista político Leonardo Avritzer acreditar em uma politização cada vez maior do Poder Judiciário.
Fatos como a atuação do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, no julgamento que absolveu o presidente Michel Temer (PMDB) das irregularidades cometidas na campanha da chapa que o elegeu vice da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), fazem o cientista político Leonardo Avritzer acreditar em uma politização cada vez maior do Poder Judiciário.
"Seja com ministros nomeados por Temer no TSE, que, não por acaso, se posicionaram pela não cassação da chapa, seja com Mendes colocando um conjunto de pré-condições para o exame de provas, tudo isso sugere um julgamento político, o que, provavelmente, vai diminuir a legitimidade do Judiciário em juízos futuros", critica. Por outro lado, Avritzer não acha que a Justiça Eleitoral deveria ser uma via para a supressão de um mandato. "A princípio, eu seria mais a favor que uma condenação na Justiça Eleitoral levasse ao impeachment e que tivesse uma via só de remoção", opina. O professor da Universidade Federal de Minas Gerais também criticou outros atos do Judiciário, como o pedido do ministro do STF Luiz Fux para a devolução do projeto do abuso de autoridade do Senado para a Câmara.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Avritzer também apontou uma diferença de atuação no âmbito da Operação Lava Jato entre a Justiça Federal em Curitiba e a Procuradoria-Geral da República (PGR). "Há uma certa rivalidade interna entre as instituições. A PGR tem uma visão mais ampla da punição do sistema político como um todo, enquanto a Lava Jato concentra mais no PT e no PMDB", acredita.
Jornal do Comércio - Depois das revelações das conversas do presidente Michel Temer com Joesley Batista, que, inicialmente, provocaram impacto no cenário político, o tema da renúncia esfriou. Com a absolvição da chapa Dilma-Temer no TSE e a continuidade do peemedebista no governo, o senhor acredita que essa sobrevida dure até quando?
Leonardo Avritzer - Em primeiro lugar, a situação política no País, neste momento, é de instabilidade política radical. O caso do Temer é curioso, porque, por um lado, as acusações podem ser mais graves do que as que cassaram a Dilma. Ainda assim, a capacidade dele de resistir politicamente parece superior, independentemente da gravidade das acusações. Isso mostra duas coisas: em primeiro lugar, que as instituições, principalmente o Judiciário, estão fortemente politizadas nessa conjuntura. Diga-se de passagem, o próprio voto do Gilmar Mendes, na semana passada, no TSE, foi um voto político. Eu não vi argumentos jurídicos ali, e sim argumentos relativos à estabilidade do presidencialismo. E, em segundo lugar, o Poder Executivo do Brasil, o presidencialismo brasileiro, esteve altamente instável depois do impeachment. E as vias de remoção do presidente são múltiplas. Então, independentemente da sobrevivência de Temer, vamos viver ainda muita instabilidade política.
JC - O cenário se desenha para que Temer permaneça até as eleições de 2018?
Avritzer - Eu diria que pelo menos a situação política vai ficar fortemente instável até a nomeação do próximo procurador-geral da República. Evidentemente que essa crise tem diversos elementos como a delação da JBS e a relação da PGR com a presidência. Nessa disputa, o elemento central é se o Temer vai reconduzir ou não o primeiro da lista, que parece, hoje, não ser uma questão negociável para Rodrigo Janot. Até ali, acho que sempre vai haver fatos novos. Já podemos ver alguns. A PGR está fechando o cerco em cima do ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB). Existe uma investigação em relação a uma despesa da presidência da República, de uma reforma de um imóvel da família do Temer em São Paulo. Todas essas questões são fortemente explosivas, dependendo das evidências que surjam, em relação a impedir que o presidente consiga ter uma agenda ligada à governabilidade.
JC - Como o senhor avalia tanto o resultado quanto a forma como o julgamento no TSE foi conduzido?
Avritzer - Pessoalmente, acho que, no presidencialismo, não é bom haver muitas vias para a remoção de um presidente. Então, uma remoção pela Justiça Eleitoral, quase três anos depois de uma eleição, não parece ser exatamente o padrão de diferentes regimes presidencialistas. A princípio, eu seria mais a favor que uma condenação na Justiça Eleitoral levasse ao impeachment e que tivesse uma via só de remoção. Mas o problema central é que todas as instâncias do Judiciário no Brasil estão fortemente politizadas. E o TSE mostrou isso. Seja pela mudança na composição, com ministros que foram nomeados pelo Temer, não por acaso ambos (os ministros) se posicionando pela não condenção e não cassação da chapa. Ao mesmo tempo, o Gilmar Mendes colocando um conjunto de precondições para o exame de provas. Tudo isso, na verdade, sugere que foi um julgamento político, o que, provavelmente, vai diminuir a legitimidade do Judiciário em julgamentos futuros em relação a diferentes perfis políticos.
JC - O Judiciário tem versado sobre questões que seriam de competência do Legislativo. Vê-se um protagonismo do Judiciário na própria política nacional. A atuação de Gilmar Mendes no TSE pode dar ainda mais instabilidade ao nosso cenário político?
Avritzer - Acho que sim. Evidentemente que o ativismo judicial é algo mundial. O Judiciário é mais ativo em todos os países do mundo. Vimos, recentemente, o Judiciário dos Estados Unidos tratar sobre a questão de imigração do presidente Donald Trump; vemos o Judiciário atuando em diversos campos que, algumas décadas atrás, eram parte do espectro político. Isso é um motivo de instabilidade, ainda no caso como o do Brasil, com fortes evidências criminais em relação aos membros do sistema político, o que desestabiliza o sistema como um todo. O problema ainda mais grave é que o Judiciário adota elementos exclusivamente políticos nos seus julgamentos. Onde é que está a autorização para que essa instância interfira tão fortemente na política? Não existe autorização constitucional para isso, ao mesmo tempo que o Judiciário afeta sua própria legitimidade. Essa é a maneira que o Gilmar Mendes atuou no TSE, mas não é o único exemplo. Temos exemplos como o do ministro Fux, que pediu que a lei de abuso de autoridade voltasse do Senado para a Câmara, sem autorização constitucional para isso. Vimos o julgamento da presidente Dilma com a divisão da sentença em duas partes, também não existe nenhuma previsão constitucional para isso. Portanto, quanto mais o Judiciário se envolve na política, mais ele o faz violando as próprias regras do que o Poder Judiciário deveria ser. Evidentemente que este é mais um dos motivos para que a gente viva um forte momento de instabilidade política no Brasil.
JC - Recentemente, essas denúncias acabaram atingindo um patamar mais generalizado, tirando um pouco o foco do PT, com mais revelações sobre outros agentes. Isso joga por terra a teoria de que a Operação Lava Jato é partidária?
Avritzer - Olha, eu acho o seguinte: a Operação Lava Jato tinha como alvo, fundamentalmente, o governo Dilma e o Partido dos Trabalhadores. Da maneira como ela investigou, os tipos de prisões preventivas que ela fez, as delações que foram negociadas. Agora, o fato de ter outros políticos sendo investigados hoje, é verdade, também, que eles não estavam sendo investigados diretamente pela 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, estão sendo investigados pela Procuradoria-Geral da República (PGR), e atribuiria essas diferentes orientações até a uma certa rivalidade interna entre as instituições. A PGR tem uma visão mais ampla da punição do sistema político como um todo, enquanto a Lava Jato concentra mais no PT e no PMDB.
JC - De que maneira se dão essas diferenças?
Avrizter - Eu diria assim: Curitiba é muito mais fortemente politizada do que a PGR. Como você vê isso? Pelo tipo de atores e de abordagem. A PGR já tinha feito uma delação com o Sérgio Machado, do PMDB, que já tinha comprometido o partido logo no início do governo... Agora, ela tem essa questão do Aécio Neves, então dá uma impressão de que a PGR está preocupada com a corrupção em geral no País e com diferentes atores da política em relação à corrupção. No caso da Lava Jato, existe uma concentração em alguns partidos, e existe também uma recusa a investigar mais profundamente outros partidos. Diversas vezes foi perguntado ao juiz Sérgio Moro e ao procurador Deltan Dallagnol sobre investigações em relação ao PSDB, e eles falaram que não havia evidências, sendo que hoje elas são bastante abundantes. Então eu diria que existe, sim, uma politização da Operação Lava Jato, e é mais forte em Curitiba do que em Brasília.
JC - Como o senhor vê o momento do PSDB, um partido muito firmado em seus caciques, como Aécio Neves, José Serra e Geraldo Alckmin, e, dessa vez, impactado de uma maneira forte com essas denúncias e suas evidências? Como o PSDB sai disso? É um partido que volta a ter condições de apresentar um candidato com algum vulto em 2018?
Avritzer - O PSDB acabou vítima do próprio jogo que fez, principalmente o presidente licenciado do partido Aécio Neves, que fez um jogo de criminalização da política e até mesmo do resultado eleitoral das eleições de 2014. Quando ele aparece envolvido, com provas tão cabais e contundentes, em um esquema de corrupção que o procurador-geral (Rodrigo) Janot denunciou, evidentemente que ele está provando que o PSDB está comprometido. Também é um problema seríssimo a continuidade do governo Temer, contra o qual o Fernando Henrique Cardoso (PSDB)acabou se insurgindo contra. Então é muito difícil de saber o futuro do PSDB. O que parece hoje é que está fortemente comprometida sua capacidade eleitoral para 2018.
JC - O que o senhor acha da proposta da reforma política que está sendo discutida, que, em um primeiro momento, adotaria a lista fechada e, a partir de 2026, passaria ao voto distrital misto. Já que o senhor tem críticas a como o presidencialismo de coalizão vem sendo conduzido, acha que essas propostas tendem a minimizar esses problemas?
Avritzer - Eu acho assim: voto em lista fechada é muito importante, porque, na verdade, a lista aberta, hoje, é a maneira na qual quase todo financiamento ilegal e lobby entram na política, então acho que a lista tem que ser fechada. Ainda que eu também concorde com a ideia de o eleitor reordenar a lista, como ocorre com o sistema político da Alemanha, onde uma pessoa pouco popular, que fica muito lá embaixo na lista, ainda assim pode ser eleita se o eleitor reordenar a lista. A questão do voto distrital é muito mais complicada, porque o Brasil não tem tradição de voto distrital. É muito difícil saber quais vão ser os resultados com uma mudança desse porte, ainda que eu seja a favor de que os estados sejam divididos em grandes distritões, até para diminuir os custos das campanhas. Claro, há muitos motivos para a corrupção que existe, e é porque as campanhas são caras demais. Mas se as campanhas se restringirem a porções de estados muito grandes, como Minas Gerais ou São Paulo, certamente baixaria o custo das eleições, ainda que eu ache muito importante haver candidatos eleitos pelo sistema proporcional. Sou a favor do voto distrital misto...
JC - Inclusive, o relatório da reforma política, do deputado Vicente Cândido (PT-SP), fala na adoção do voto distrital misto.
Avritzer - Isso, exatamente. Um distrital misto, no qual continua havendo os mais votados proporcionalmente no estado, conseguindo representação. Acho que essas questões não mudam completamente o sistema político, porque mudar o sistema político, na verdade, é só tratando de regras e do problema da relação entre dinheiro e poder que existe no Brasil há muitas décadas e vem sendo mostrada integralmente por operações como a Lava Jato e as denúncias da JBS. Acho que são muito graves, mas, em um sistema que seja um pouco mais racional, diminuir a influência do dinheiro e de seus custos pode ser uma saída para essa crise que está aí.
JC - Ao virem à tona acusações diversas contra os parlamentares eleitos em 2014, e pelos projetos que já passaram no Congresso até agora, pode haver uma mudança de foco do eleitorado em 2018? Como esses fatos devem se refletir nas urnas?
Avritzer - Acho muito difícil saber. A princípio, vemos isso na votação das reformas - 81% dos brasileiros dizem que são contra as reformas (segundo uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria divulgada em julho de 2016), no entanto, elas têm o apoio de 70% do Congresso Nacional. Ora, tem uma diferença muito grande entre o que o brasileiro pensa e quem o representa. Então, você tem que tentar diminuir essa diferença, as regras eleitorais podem ajudar, ainda que restrições importantes ao papel do dinheiro na política tenham que vir junto, senão dificilmente haverá uma regra melhor para resolver.

Perfil

Nascido no dia 6 de junho de 1959, em Belo Horizonte, Leonardo Avritzer possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG, 1983); mestrado em Ciência Política pela mesma instituição (1987); doutorado em Sociologia Política pela New School for Social Research (EUA, 1993); e pós-doutorado pelo Massachusetts Institute of Technology (EUA, 1998-1999 e 2003) e pela European University Institute (Itália, 2011). É professor titular da UFMG desde 1989. Foi diretor da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (1997-1998) e é o atual presidente da Associação Brasileira de Ciência Política. É membro do Conselho Consultivo da International Political Science Association (Ipsa). Entre os assuntos estudados estão os mecanismos de participação popular no governo brasileiro, incluindo os conselhos populares, os orçamentos participativos e o uso da tecnologia nos processos de inclusão social.