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Entrevista Especial

- Publicada em 18 de Junho de 2017 às 21:09

Marcha dos Prefeitos beneficia municípios, diz Ziulkoski

"O prefeito se obriga a ir a Brasília buscar alguma verba, e isso não se justifica mais"

"O prefeito se obriga a ir a Brasília buscar alguma verba, e isso não se justifica mais"


MARCO QUINTANA/JC
Uma das pautas apresentadas por gestores públicos na Marcha dos Prefeitos deste ano, a derrubada de veto presidencial à lei que reformulou o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) é comemorada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Conforme a legislação, a cobrança do ISS será feita no município onde se situa o estabelecimento do prestador do serviço ou no domicílio desse prestador, para operações com cartões de crédito, ou no endereço do tomador do serviço, no caso de leasing (arrendamento mercantil) e de planos de saúde.
Uma das pautas apresentadas por gestores públicos na Marcha dos Prefeitos deste ano, a derrubada de veto presidencial à lei que reformulou o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) é comemorada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Conforme a legislação, a cobrança do ISS será feita no município onde se situa o estabelecimento do prestador do serviço ou no domicílio desse prestador, para operações com cartões de crédito, ou no endereço do tomador do serviço, no caso de leasing (arrendamento mercantil) e de planos de saúde.
A expectativa da CNM com a mudança é conquistar maior autonomia financeira especialmente para cidades menores, que terão mais esse aporte de recursos tributários a partir da modificação da lei, no começo deste mês. "Todos os municípios vão receber, porque, por menor que seja, tem um cartãozinho sendo passando lá", avalia o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski (PMDB).
Nessa entrevista ao Jornal do Comércio, Ziulkoski fala do apoio deliberado durante a marcha à reforma previdenciária. Na abertura do evento, o presidente Michel Temer (PMDB) editou uma Medida Provisória (MP) que reduz a multa da dívida que municípios têm com o INSS. Ziulkoski informa que isso não tem relação com a decisão dos prefeitos de apoiar a reforma. "O olhar da confederação é para o gestor e para o funcionário público", afirma. Ele explica que a proposta do governo poderá reduzir a alíquota previdenciária dos municípios com regime próprio de previdência e incentivar os que estão no regime geral a mudar de sistema.
Jornal do Comércio - Nesses 20 anos da Marcha dos Prefeitos, o que se tira de lição? Qual a relação das prefeituras com o pacto federativo?
Paulo Ziulkoski - Esse pacto existe parcialmente, e nunca foi aprofundado, porque não interessa às oligarquias, ao poder político do Congresso Nacional e muito menos do Executivo, porque ficam o prefeito e o município pedintes, de pires na mão. Por isso foram passando atribuições para as prefeituras, e se estabeleceu um conflito, que deve ser enfrentado. Quando assumi a entidade, em 1997, percebi, sendo prefeito de um município pequeno (Mariana Pimentel), que isso é uma anomalia que precisamos regular. Deveria ser descentralizado e continua concentrado. O prefeito se obriga a ir a Brasília buscar alguma verba, e isso não se justifica mais. O custo de diárias, de viagens, de projetos e tudo é muito caro. Como não éramos recebidos pelo governo central e éramos tratados como párias, começamos a nos impor. A primeira marcha foi feita quando tivemos a oportunidade, em maio de 1998, e fomos recebidos a cachorro e a baioneta no Palácio do Planalto. Ali já havia uma manipulação em detrimento das prefeituras e dos municípios brasileiros. Em 1994, quando com o Plano Real se estabilizou a economia e deixou de ter imposto inflacionário, o governo federal criou, para ele, o Fundo Social de Emergência, por três anos desvinculando 20% do orçamento da União para tapar buraco onde fosse necessário, mas não criou para estados e municípios. Nós nos insurgimos na prorrogação em 1998, quando passou a se chamar Fundo de Estabilização Fiscal, porque não entrava no Fundo de Participação dos Municípios a parte do Imposto de Renda retido na fonte dos servidores da União. Conseguimos, depois daquela marcha, retomar aquele percentual, que representa 10% do fundo. No ano passado foram R$ 96 bilhões, então são quase R$ 10 bilhões que a marcha conquistou. Aí vem uma série, com o decorrer dos anos, de conquista e aperfeiçoamento do pacto federativo. Não é um novo pacto, temos que trabalhar dentro do que é possível. Mas até hoje tem algum problema, talvez daqui a 100 anos não tenha se resolvido, porque é assim é na Europa, na América Latina, na Ásia, onde o poder central, ávido por dinheiro, pega e não repassa da forma republicana, ou seja, dando autonomia para o município resolver. As marchas são encaminhadas nessa linha, nessa última conseguimos renegociar dívida na Previdência.
JC - Em outras ocasiões, o senhor falava em realizar uma constituinte específica para tratar do pacto federativo. Acredita que seria uma opção nesse momento em que se fala em uma nova constituinte geral?
Ziulkoski - Acho que seria uma solução, mas eu tenho medo do outro lado. As corporações acabam comandando a constituinte e criando mais problemas, porque no Brasil parece que fazendo a lei se resolve tudo. Não adianta a lei dizer que o professor tem que ganhar o piso - e eu sei que tem - se não tenho dinheiro para pagar. Deveria ser uma constituinte feita por alguém que não se interessasse em ser parlamentar nem agora, nem no futuro, alguém com esse objetivo e esse fim determinado, e não uma constituinte aberta, porque daí as corporações se organizam, e vem o populismo, vem o oportunismo, e acaba prejudicando mais. Aperfeiçoar o que se tem hoje na Constituição já seria um avanço muito grande dentro dessa relação federativa, mas tem que ter a definição de competências. Agora, não adianta ter definição de competências se não tem recurso para fazer. Tudo é debate que tem que se fazer, e as marchas propõem esse debate.
JC - Nessa marcha houve negociação da dívida dos municípios com o INSS, que resultou no apoio da marcha à reforma...
Ziulkoski - Isso foi um mal-entendido. Uma coisa é essa medida provisória, que é muito benéfica para o cidadão. Hoje, 4 mil municípios têm uma dívida de R$ 75 bilhões com a União, sendo que quase 57% dessa dívida é de juros. Nas negociações que fizemos com o ministro da Fazenda e com o governo, reduziram 80% a multa, e com isso há uma diminuição de R$ 30 bilhões. Se o município não precisa pagar, é dinheiro que sobra no orçamento da prefeitura. Isto é uma coisa, outra coisa é a reforma previdenciária, que implica nessa dívida, mas é diferente. Tecnicamente, não estamos apoiando o conjunto da reforma previdenciária, está cada um trabalhando na sua área. O olhar da confederação é para o gestor público, para o funcionário público, e não para os demais. Nesta área da reforma previdenciária, o que acontece: pela Constituição, o município pode optar por estar no regime geral, que é o INSS, ou ter seu fundo próprio.
JC - O que distingue o regime geral do próprio?
Ziulkoski - No Rio Grande do Sul, aproximadamente 340 municípios têm o fundo próprio; 2 mil no Brasil, que tem 5,2 milhões de servidores, porque são prefeituras maiores. Uma das exigências da Lei nº 9.717, que regula a Previdência, diz que anualmente o fundo municipal deve fazer um cálculo atuarial para saber qual a alíquota, tecnicamente, para ser viável o fundo, senão não recebe o Certificado de Regularidade Previdenciária, e com isso não recebe transferência voluntária, não pode fazer convênio com a União, fica impedido. Essa é uma das exigências do sistema próprio, em que hoje estão 80% dos funcionários do Brasil. Hoje, por exemplo, um cálculo atuarial dá uma alíquota de 28%, 11% para o servidor e 17% para a prefeitura. Com a reforma da Previdência aprovada - nada a ver com a medida provisória -, o mesmo cálculo atuarial elevando a idade de aposentadoria das mulheres para 60 anos e dos homens para 65 anos, o traço da morte não mudou, mas o traço da permanência de contribuição se alonga. Então o cálculo atuarial do município cai de 27% para 19%. Esses 8%, em uma folha de R$ 4 milhões, são R$ 320 mil por mês que vão ficar para o cidadão. Como alguém que pensa no Brasil em sã consciência vai ser contra isso? Agora, quem está em regime geral não tem benefício, vai continuar pagando 22%, mas vai obrigar o município a migrar para o sistema próprio. É mais econômico e vai ter o cidadão fiscalizando.
JC - Além da reforma previdenciária, qual a posição da CNM sobre as outras reformas que também estão em curso ou em discussão, tanto a trabalhista como a tributária?
Ziulkoski - A trabalhista também, estou sempre olhando pelo gestor. O que for mais econômico ou melhor é aquilo que tem que adotar. A reforma trabalhista interessa a muitas prefeituras, como a terceirização também, porque hoje isso já ocorre em algumas atividades, como limpeza, coleta do lixo, alguma coisa de segurança. Precisamos modernizar a administração pública, e não podemos mais ficar inchando as prefeituras com concursados. O concurso é uma garantia, mas entendo que daquelas atividades de Estado.
JC - Por exemplo?
Ziulkoski - Por exemplo, um procurador, um fiscal, um professor, que são coisas permanentes. Outras atividades, como a elaboração de uma estrada, um motorista de patrola, daqui a pouco, a cidade pode nem ter mais patrola, mas o concursado ficou lá. Essas coisas têm que evoluir. Agora, as reformas tributária e previdenciária são as que mais impactam. Na tributária, e há uma confusão com a reforma fiscal, o que interessa não é só aumentar a arrecadação. Precisamos redistribuir isso fiscalmente. Estamos apoiando um dos projetos que está lá. Têm várias coisas lá, por exemplo, o próprio ministro da Fazenda (Henrique Meirelles, PSDB) e o Jorge Rachid, secretário da Receita, estão com uma proposta, mas que proposta? Pequenininha, melhorando só para eles, não mexendo na estrutura entre estado e município. Nós queremos uma reforma tributária profunda. Basicamente, que mude todo o tributo da origem para o destino. Um exemplo concreto, que levamos na Marcha de 2012 para a Dilma (Rousseff, PT) quando era presidente. Quando queríamos 2% de aumento do FPM (Fundo de Participação dos Municípios), ela disse que não tinha espaço. Sugeri mudar no ISS no cartão de crédito. O presidente Temer acabou vetando, acredito que por má informação, e conseguimos reverter a situação no Congresso.
JC - Com a derrubada do veto, que repercussão isso tem para os municípios?
Ziulkoski - Extraordinária. O ISS é um tributo de competência municipal, e normalmente, para a cobrança, tem duas situações: ou é no fato gerador, quando ocorre em si o serviço, ou no local da empresa. Normalmente, é no local da empresa. Essa mudança, que muda da origem para o destino, introduz outra possibilidade que vai incidir no domicílio do tomador, onde ele mora. É uma inovação, que vem no sentido de fazer uma redistribuição entre os municípios, pois não é um tributo nem do estado, nem da União. Isso hoje está concentrado em uns quatro municípios, e agora todos vão receber de alguma forma nessas operações, tanto de cartão como leasing e plano de saúde. Até então estava havendo uma disputa de alíquota, que varia de 2% a 5%, e o código tributário municipal define quanto é. Como tinha essa guerra fiscal, alguns chegavam a dar diminuição da base de cálculo a menos de 2%. Não podia, mas davam. A impressão que tenho é que todos vão trabalhar com o teto. Como fica: se sou de um município e compro um trator, por exemplo, em outro município, dou meu o endereço, e o ISS tem que ser pago na prefeitura onde moro.
JC - Isso para o leasing.
Ziulkoski - Isso. Já o cartão de crédito é onde está passando, onde aparece depois no extrato do cartão dizendo o dia e a hora, e é lá que vai ser pago o ISS. Lógico que vai ter que ter uma fase de adaptação, os municípios vão ter que fazer alguns procedimentos de como vão fiscalizar essas maquininhas, ou programas baixados no celular que transferem direto da tua conta para a conta do estabelecimento. E assim é com os planos de saúde. A pessoa mora em um município, é filiada a um plano, e vai ser pago o ISS no endereço informado ao contratar o plano.
JC - Qual o impacto financeiro para os municípios?
Ziulkoski - Há uma estimativa em torno de R$ 6 bilhões a R$ 7 bilhões em todo o Brasil, no início, e se pegar isso como base de movimentação econômica, pelo PIB (Produto Interno Bruto) no Rio Grande do Sul, os municípios teriam em torno de R$ 350 milhões a R$ 400 milhões de redistribuição e aumento no tributo.
JC - Quando começaria a sentir essa repercussão?
Ziulkoski - Como é praticamente uma revolução, vai demandar tempo para que haja plenitude na aplicação. Normalmente, tem 90 dias de prazo para o contribuinte e o município se adequarem. Mas a lei já existe e, em tese, já tem que ser pago. Não podemos esquecer que 22% de tudo que se aumenta de arrecadação no município acaba na saúde, 30% na educação. Acredito que isso vai se aprofundar, no decorrer dos anos, em outros tributos, como o ICMS, que também é concentrado e tem que se desconcentrar.

Perfil

Entrevista especial com Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios.

Entrevista especial com Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios.


MARCO QUINTANA/JC/MARCO QUINTANA/JC
Paulo Ziulkoski é advogado e presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Foi prefeito de Mariana Pimentel (RS) entre 1993 e 1996 e entre 2001 e 2004. No âmbito da representação municipalista, atuou em outras entidades, ocupando a presidência da Federação das Associações dos Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), em 1996-1997 e 2002-2003, e a vice-presidência da Federação Latino-americana de Cidades, Municípios e Associações de Governos Locais. Foi membro fundador do Fórum de Governança Local de Índia, Brasil e África do Sul, e é membro do Unacla, sigla em inglês de comitê sugestivo de autoridades locais para as Nações Unidas. Seu ingresso na vida pública aconteceu na presidência do setor jovem estadual gaúcho do antigo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), ainda no período da ditadura militar. Na mesma época, assumiu a presidência nacional do setor jovem, na qual desenvolveu liderança política voltada para o movimento municipalista. É filiado ao PMDB.