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Saúde

- Publicada em 23 de Maio de 2017 às 22:00

Mudança em tratamento de câncer no SUS é questionada

Pela lei, Central de Consultas terá de reagendar pacientes encaminhados a locais indevidos

Pela lei, Central de Consultas terá de reagendar pacientes encaminhados a locais indevidos


FREDY VIEIRA/JC
A aprovação, na segunda-feira, de um projeto de lei municipal que obriga os hospitais da rede SUS com serviços de diagnóstico e tratamento de câncer a aceitar o agendamento direto de consultas e exames por pacientes diagnosticados com a doença, pegou de surpresa entidades da área médica.
A aprovação, na segunda-feira, de um projeto de lei municipal que obriga os hospitais da rede SUS com serviços de diagnóstico e tratamento de câncer a aceitar o agendamento direto de consultas e exames por pacientes diagnosticados com a doença, pegou de surpresa entidades da área médica.
O autor da proposta, vereador Dr. Thiago Duarte (DEM), defende que a mudança pode garantir que casos de maior gravidade recebam uma prioridade efetiva dentro do sistema, diminuindo o tempo de espera. Mas órgãos do setor reclamam que não foram consultados a respeito, e temem que o sistema acabe se desorganizando ainda mais a partir de uma eventual sanção pelo prefeito Nelson Marchezan Júnior.
Pelo texto da lei, a Central de Marcação de Consultas, ligada à Secretaria Municipal de Saúde (SMS), terá sete dias, a partir da entrada em vigor, para fazer o reagendamento de pacientes encaminhados a locais indevidos ou que não tenham recebido atendimento nos exames marcados.
Além dos casos de câncer, a proposta prevê priorizar situações que envolvam risco de perda de membros, de sentido ou função, como as que envolvem a capacidade renal e visual.
"Estamos transformando enfermidades perfeitamente curáveis em doenças incuráveis", argumenta o vereador. "O paciente vai ao posto com uma lesão na mama, recebe o diagnóstico de câncer, e mesmo assim leva até seis meses para receber tratamento no hospital. O paciente sai do hospital e tem que voltar ao posto para, depois, ser reencaminhado ao mesmo hospital. É um absurdo", lamenta Duarte.
Apesar de admitirem as boas intenções do projeto, entidades médicas ouvidas pelo Jornal do Comércio manifestaram incerteza quanto à viabilidade prática do texto. O presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers), Fernando Matos, diz que todas as medidas que agilizem o encaminhamento de pacientes devem ser saudadas.
"Mas é preciso fazer uma análise mais adiante", ressalva. "Uma lei só é realmente boa na medida em que é executada. Tenho dúvidas que esse prazo de sete dias seja alcançável."
Na leitura de Matos, há grande demanda reprimida já na primeira consulta, que não produz diagnóstico em casos de câncer. "O tratamento de câncer tem rotatividade baixa, ou seja, seria preciso aumentar a disponibilidade de médicos e leitos. Temos poucos recursos, uma demanda exagerada, e a lei pretende priorizar um prazo de sete dias (para reagendamento). Os hospitais têm condições de atender essa exigência?", questiona.
A gestora de marketing do Instituto da Mama do Rio Grande do Sul (Imama), Samsara Nyaya Nunes, também demonstra incerteza. "Não sei o quanto essa lei foi discutida com os hospitais, o que seria um primeiro passo para elaborá-la. Nós não fomos procurados", diz ela, que afirma que sua entidade foi "pega de surpresa" pela aprovação. Ela qualifica a ideia do projeto como "louvável", mas diz que é preciso mais esclarecimentos. "Nossa preocupação é que o próprio programa acabe esvaziado em Porto Alegre. Os hospitais não nos parecem preparados para dar conta dessa procura."
 

'Não vejo mérito na proposta', diz presidente do Simers

Paulo de Argollo Mendes, presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers), usa palavras mais duras. Para ele, a proposta é uma "infelicidade" do vereador Dr. Thiago Duarte e pode esvaziar os postos de saúde, já que a prioridade acabaria sendo de quem fizesse a consulta inicial nos hospitais. "A valer essa lei, vamos ter filas nos hospitais, sem nenhuma ampliação no acesso ao sistema. Não é algo que vá ajudar, apenas desorganiza a fila. Não vejo mérito na proposta", ataca.
O presidente do Simers admite que o tema tenha "apelo popular e político", mas considera mais importante trabalhar para que a lei de 2012, que estabelece prazo máximo de 60 dias para a fila de câncer no SUS, seja efetivamente atendida no Estado. "O médico da Central de Consultas examina caso a caso, estabelece prioridades. Ao dar mais chance para quem vai ao hospital, a lei cria um paciente privilegiado. Se há marcações erradas, é preciso corrigir e agilizá-las, não criar uma prioridade que subverte o sistema", argumenta.
O vereador garante ter sugerido ao secretário de Saúde, Erno Harzheim, que crie um grupo específico para a análise de casos de maior gravidade, e diz que a lei não esvazia os postos. "Ao contrário, vai aumentar a disponibilidade de consultas. Vai remeter aos hospitais casos que não deveriam retornar ao posto, consultas puramente burocráticas que só postergam o tratamento." Até o fechamento desta edição, a SMS não havia se posicionado.