A terceira versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) define que, ao final do 1º ano do Ensino Fundamental, ou seja, aos sete anos, as crianças já saibam ler e escrever. O documento que estabelece o que os alunos devem aprender em cada ano e em cada etapa, da Educação Infantil ao 9º ano do Ensino Fundamental, foi apresentado nesta quinta-feira pelo Ministério da Educação (MEC). Agora, o texto segue para análise final do Conselho Nacional de Educação. O governo espera que o texto volte para o MEC para homologação até novembro. A partir daí, os estados e os municípios terão dois anos para elaborarem os próprios currículos.
Entre junho e setembro, o conselho fará cinco audiências públicas, uma em cada região do País. A BNCC, que vale tanto para escolas públicas como privadas, prevê que, ao final do 1º ano do Ensino Fundamental, os alunos devem estar aptos a escrever "espontaneamente ou por ditado" palavras e frases "de forma alfabética", além de escrever corretamente o próprio nome, o dos pais, o endereço completo e ler palavras e pequenos textos.
Além disso, o documento coloca como habilidades esperadas para crianças de até cinco anos e 11 meses a reprodução de histórias próprias (orais e escritas), a identificação de gêneros textuais mais frequentes e o levantamento de hipóteses em relação à linguagem escrita.
No Brasil, atualmente, as crianças são alfabetizadas até os oito anos, ou seja, ao final do 2º ano, como define o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Já o Plano Nacional de Educação define como meta que, até o 3º ano, todas as crianças tenham aprendizagem adequada em leitura e escrita.
O Brasil nunca teve uma norma como essa, e as diretrizes existentes hoje são consideradas genéricas. Segundo mandava o Plano Nacional da Educação, o documento final deveria ter sido entregue em julho do ano passado para análise final do CNE.
O conteúdo da BNCC ocupa 1,8 mil horas da formação escolar, cerca de 60% da carga horária atual. No período restante, o aluno poderá escolher entre cinco áreas para aprofundamento: Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Matemática, Linguagens e Educação Profissional. Com a reforma do Ensino Médio, o MEC definiu que entregaria depois a parte da base referida a essa etapa.
Suzy Scarton
Antes da terceira versão da Base Nacional ser apresentada, outras duas foram elaboradas por um conjunto de 116 especialistas, selecionados durante o governo de Dilma Rousseff. Um deles, o professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Paulo Sergio Fochi, especialista em Educação Infantil, conta que nenhum dos responsáveis pelos textos iniciais foi chamado para a elaboração da nova versão, que parece ser a final.
Uma vez que o texto completo foi liberado nesta quinta-feira, Fochi ainda não tinha tido tempo de analisá-lo minuciosamente. No entanto, pôde perceber rapidamente a ênfase dada à leitura e à escrita, algo que ele considerava previsível. "Esses profissionais, vinculados ao Movimento pela Base Nacional Comum, pertencem a instituições, fundações que são ligadas a bancos, e o que interessa aos bancos são os marcadores de avaliação", explica o professor.
Ele argumenta que essa intenção de promover a alfabetização antecipada não leva em consideração o que é melhor para as crianças. "Só porque uma criança está pronta para ser alfabetizada não significa que seja o melhor momento. Uma menina de 12 anos, se menstruar, já está pronta para engravidar, mas é o melhor momento? Quanto mais experiência de mundo, de articulação com outras linguagens, mais qualificado será o processo. Nessa faixa etária, a criança tem outras linguagens para aprender, está entendendo o mundo e a si própria."
O documento considera que, durante a Educação Infantil, "as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças têm como eixos estruturantes as interações e as brincadeiras, assegurando-lhes os direitos de conviver, brincar, participar, explorar, expressar-se e conhecer-se". Assim, a organização curricular se estrutura em cinco campos de experiências. Essa parte também foi elaborada pelo grupo de especialistas em educação.
Os campos foram divididos entre "O eu, o outro e o nós", "Corpo, gestos e movimentos", "Traços, sons, cores e formas", "Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações" e "Oralidade e escrita". Esse último foi o único modificado, de acordo com Fochi, pela insistência das instituições vinculadas a bancos, que pediam a ênfase no aprendizado da leitura e da escrita.
O presidente do Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe-RS), Bruno Eizerik, explica que comentários tecidos tão logo à liberação do documento podem ser precoces. "Para a escola privada, a questão da alfabetização não muda, já funciona assim. Talvez o grande êxito seja aproximar a rede pública da privada", explica. Ele também vê com bons olhos a proposição do ensino por meio de campos de experiência. A reportagem procurou a Secretaria Estadual da Educação, que preferiu se manifestar apenas quando da análise do Conselho Nacional de Educação.