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Supremo Tribunal Federal

- Publicada em 19 de Abril de 2017 às 17:33

Projetos buscam modificar forma de escolha de ministros

Escolha de Alexandre de Moraes gerou críticas de blindagem política no STF

Escolha de Alexandre de Moraes gerou críticas de blindagem política no STF


NELSON JR/SCO/STF/JC
Considerada polêmica por boa parcela da opinião pública, a indicação de Alexandre de Moraes como novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) reviveu as discussões sobre o atual modelo de escolha dos integrantes do colegiado. Ex-ministro da Justiça no governo de Michel Temer, o próprio Moraes propôs, em sua tese de doutorado, mudanças na atual seleção - e uma série de propostas, no Congresso e na esfera jurídica, sugerem reformas que ampliem o número de atores envolvidos no processo.
Considerada polêmica por boa parcela da opinião pública, a indicação de Alexandre de Moraes como novo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) reviveu as discussões sobre o atual modelo de escolha dos integrantes do colegiado. Ex-ministro da Justiça no governo de Michel Temer, o próprio Moraes propôs, em sua tese de doutorado, mudanças na atual seleção - e uma série de propostas, no Congresso e na esfera jurídica, sugerem reformas que ampliem o número de atores envolvidos no processo.
Atualmente, a escolha é exclusiva do presidente da República, em modelo inspirado na Justiça dos Estados Unidos. No Brasil, o candidato deve ter mais de 35 e menos de 65 anos, reputação ilibada e notório saber jurídico. A indicação deve ser aprovada pela maioria do Senado, em processo de sabatina, e o ministro aprovado só deixa o cargo em caso de morte, renúncia ou ao atingir os 75 anos de idade. O Supremo é integrado por 11 ministros, que decidem questões constitucionais e atuam também como última instância do Judiciário, além de julgarem casos que envolvem foro privilegiado.
No momento, tramitam no Senado duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) propondo mudanças nesse processo. Uma delas, de autoria de Lasier Martins (PDT-RS), condiciona a indicação presidencial aos nomes de uma lista tríplice, elaborada pelos presidentes dos tribunais superiores e pela direção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Os ministros teriam mandato de dez anos, ficando depois inelegíveis por cinco anos.
Em outra proposta, trazida em 2012 por Cristovam Buarque (PPS-DF), o presidente receberia uma lista sêxtupla, da qual selecionaria três nomes. Ao Senado caberia dar a palavra final, escolhendo o novo ministro a partir das indicações presidenciais. Existem outras iniciativas de caráter semelhante no Congresso, a maioria delas criando poeira nas gavetas das casas legislativas.
Na leitura de Lúcio Antônio Machado Almeida, mestre em Direito e professor na Faculdade Dom Bosco, de Porto Alegre, a concentração da escolha no Executivo prejudica a legitimidade dos ministros. "Se partirmos de outras realidades constitucionais, como, por exemplo, em Portugal, percebemos que, dos 13 integrantes do Tribunal Constitucional, dez são escolhidos pela Assembleia da República e três, pelo próprio tribunal. Quanto à permanência no tribunal, o tempo é de 9 anos, enquanto no Brasil um ministro indicado com 35 anos pode vir a ficar outros 35", acentua.
Marcelo Peruchin, professor de Direito Penal na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (Pucrs), considera perceptível a "ausência de critérios objetivos" nas sabatinas promovidas hoje pelo Senado. "É uma arguição política, até mesmo casuística. Na sessão que aprovou o nome do ministro Morais, as perguntas eram quase todas sobre acontecimentos atuais, como a Lava Jato", exemplifica.
Para o doutor em Direito e ex-procurador de Justiça do Rio Grande do Sul Lenio Luiz Streck, o maior problema é a falta de cobrança sobre os senadores. "Do mesmo modo que pouca gente reclama de decisões de tribunal, também não formamos uma tradição para cobrar do Senado uma atuação mais efetiva no caso de indicação para o STF. Deveria ser aberto um espaço para que os interessados (sociedade civil em geral, sindicatos, ONGs etc.) depositassem suas perguntas em uma comissão especial do Senado formada para tal. Ou instituir uma espécie de 'advogado do diabo', que atuaria como 'promotor' para contestar as enrolações do candidato", defende.
Por sua vez, o vice-diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), Rodrigo Valin de Oliveira, considera inevitável que o processo tenha tendências políticas, pela própria natureza de um tribunal do tipo. Citando o teórico espanhol Victor Ferreres Cornelia, ele argumenta que tribunais constitucionais formados por juízes de carreira tendem a ser mais conservadores, enquanto os constituídos por indicação política ganham um caráter mais ativista. "É preciso decidir qual queremos aplicar", afirma. Para ele, é equivocada a ideia de que o STF deve ser formado por técnicos, uma vez que boa parte das decisões são de caráter político. Ele sugere o uso do critério alemão, que exige voto favorável de dois terços do Legislativo para aprovação do indicado, como forma de aprofundar a necessidade de consenso.
Marcelo Peruchin, da Pucrs, acredita que o processo seguido para escolhas no Superior Tribunal de Justiça (STJ) poderia servir de modelo para eventuais mudanças no STF. No caso, um terço dos ministros do STJ deve pertencer a Tribunais Regionais Federais; um terço, a Tribunais de Justiça; e o restante, a advogados e membros do Ministério Público, nas esferas estadual e federal. Assim os novos ministros só podem ser indicados em preenchimento a essas cotas. O plenário do STJ elabora uma lista tríplice, cabendo à presidência da República escolher um dentre os indicados. "Considero esse um modelo melhor e com menos distorções", argumenta.
Streck concorda que segmentos como professores, advogados, juízes e membros do Ministério Público poderiam oferecer nomes, em lista, para aprovação presidencial. Mas ele acredita que esse tipo de composição dificilmente daria certo no País. "Logo, logo, defensores, procuradores de autarquias etc. também reivindicariam (como se estes não fossem advogados também; eles teriam que disputar na lista dos advogados). Claro que policiais também reivindicariam. As corporações poderiam atrapalhar esse quadro", pondera.
 

Supremo deve priorizar atuação constitucional, defendem juristas

Para a maioria dos consultados pelo Jornal do Comércio, é fundamental reforçar o caráter do STF como tribunal constitucional, diminuindo ou mesmo removendo de todo as atribuições do órgão como última instância decisória do Judiciário. Lenio Streck, por exemplo, acredita que seria possível remover plenamente o Supremo do Judiciário, nos moldes de algumas democracias europeias, como Alemanha, Espanha e Portugal. "Isso distensionaria as discussões sobre a constitucionalidade de leis e atos. As atribuições não constitucionais que hoje são do STF iriam para o STJ, que se transformaria no órgão de cúpula do Judiciário. E o tribunal constitucional, que funcionaria fora dos Três Poderes, ficaria com tudo que fosse constitucional."
Para isso funcionar, porém, seria preciso aumentar o número de ministros em alguns órgãos, acredita Streck. "O STJ deveria ter dez vezes mais membros. O Tribunal de Justiça de São Paulo tem 350. O do Rio Grande do Sul tem 155. A Corte de Cassação da Itália tem mais de 400 membros", exemplifica. "É patético pensar que um tribunal como o STJ possa funcionar com 33 ministros. Ficção. Ilusão. Para sustentar essa ficção, cria-se jurisprudências defensivas. Quem perde é a cidadania."
A delimitação do STF como guardião da Constituição é central, na leitura de Rodrigo Valin, da Ufrgs. "Há uma sobrecarga muito grande de trabalho a partir dessa dupla jurisdição. Não se justifica, por exemplo, o Supremo avaliar casos de extradição", afirma. O atual formato de inconstitucionalidade, que pode ser declarada por qualquer juiz antes de ser formalizada pelo STF, acaba gerando um volume ainda maior de casos. Ele lembra que a Suprema Corte dos EUA tem a prerrogativa de escolher quais casos julgar, avaliando quais causam mais comoção junto à sociedade. "É possível também ampliar o controle preventivo, submetendo as leis antes de sua vigência, como é feito na França", sugere.