Reformas vão prejudicar as mulheres, avalia Dilma

"É óbvio que eu posso fazer um relato do golpe pela perspectiva de gênero", disse a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) na noite desta quinta-feira na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Participando da conferência Mulheres e a Democracia, Dilma encerrou a programação dedicada às mulheres no mês de março na Câmara, a convite da vereadora Sofia Cavedon (PT), presidente da Procuradoria Especial da Mulher na Casa.

Com as galerias e o plenário cheios de coletivos sociais e feministas, Dilma discursou na tribuna após pronunciamentos de Sofia e da deputada estadual Manuela d'Ávila (PCdoB), procuradora da mulher na Assembleia Legislativa. Em pronunciamento breve, Manuela disse que veio "ouvir a mulher que tiraram do poder para destruir conquistas sociais." "Hoje é noite de Dilma, noite de sonhos feministas e libertadores".

Dilma Rousseff, cuja cassação resultante do impeachment completa sete meses nesta sexta-feira, iniciou o pronunciamento relembrando a memória da socióloga Licia Peres, amiga pessoal da petista e sua colega na época de PDT, que faleceu dia 16 de março. Em seguida, entrando na temática da palestra, disse que percebeu, durante seu mandato, um tratamento diferenciado por conta de ser mulher.

De acordo com Dilma, ela era frequentemente referida como "dura e insegura", e que se fosse homem seria vista como "firme". Ela ironizou essa dicotomia, dizendo que era "uma mulher dura no meio de homens meigos", o que levou o público às gargalhadas.

Continuou no tema, afirmando que gênero não é uma questão de identidade sexual, e sim "uma espécie de pele que recobre as mulheres e faz com que algumas características sejam tratadas como normais", dando como exemplo a visão da mulher como pertencendo necessariamente apenas ao ambiente doméstico.

Sustentou que "essa pele de normalidade esconde por trás dela toda a perda que a sociedade nos impõe ao tratar o trabalho doméstico como gratuito, e tratando as empregadas domésticas de forma que lembra o escravismo".

Partindo para o cenário político atual, a ex-presidente fez críticas às reformas promovidas pelo governo de seu antigo vice e atual presidente da República Michel Temer (PMDB). Com o argumento de que a reforma da Previdência será mais prejudicial às mulheres, Dilma pediu atenção ao caso das trabalhadoras do campo. "A trabalhadora rural não paga a contribuição para o sistema previdenciário por meio individual", disse. "Quando a produção é comercializada, uma parte dessa produção vai para os cofres da Previdência, porque muitas vezes só assim elas têm renda monetária. Se você exigir aposentadoria a partir de contribuição individual sistemática, ela não terá dinheiro".

Sintetizando sua análise sobre as consequências das reformas trabalhista e previdenciária, Dilma disse que a motivação não é "por perversidade", e sim "por interesse". Segundo a petista, a implantação dessas reformas é o que motivou os movimentos para derrubá-la. Ela mencionou os áudios vazados entre o senador Romero Jucá (PMDB) e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, e se referiu a Jucá como "líder do golpe". Também para ela, seu impeachment foi a primeira fase de um golpe, e seus promotores parecem rechaçar o rótulo de golpistas com cada vez menos empenho.